“O ataque feroz da revista [inglesa] "The Economist" ao sistema francês é a última escala de uma ofensiva nascida em Berlim e em Bruxelas. Segundo o semanário [direitista], a França é "uma bomba relógio no coração da Europa". A Alemanha, o FMI e as instâncias políticas e financeiras do Velho Continente pressionam Paris para que acelere as reformas. A papisa dessa ofensiva é a chanceler alemã Angela Merkel. Merkel parece determinada a afundar François Hollande, se ele não aceitar o receituário reformista ditado por Berlim.
O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Paris.
O lobo liberal voltou a mostrar os dentes para atacar aquele que ainda é seu aliado mais insubmisso: a França. No momento em que Paris está sob a pressão da Alemanha e do seleto clube de cardeais da doutrina liberal chamado de “troika”, composto pelo Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Central Europeu e pela Comissão Europeia, o semanário britânico “The Economist” publicou matéria de capa muito agressiva contra Paris. Segundo a revista, a França é “uma bomba relógio no coração da Europa”. O semanário ultraliberal aponta Paris como a próxima vítima da crise por causa, assegura, da incapacidade de o presidente socialista François Hollande realizar as reformas que os ortodoxos do mercado julgam inevitáveis.
Nesse dossiê especial de 14 páginas dedicado a França, “The Economist” não poupa nem palavras nem imagens, começando pela da capa. A última edição do semanário aparece com a foto de sete baguetes (o pão francês) envoltos em uma cinta com as cores da bandeira francesa e um estopim preso como se fossem bananas de dinamite. O modelo social francês, suas 35 horas de trabalho por semana, as generosas férias de que gozam os trabalhadores, os inúmeros subsídios que auxiliam a vida das pessoas, o seguro desemprego, a aposentadoria aos 60 anos para muitas categorias e, em cifras concretas, os 56% do PIB consagrados ao gasto público constituem a trama da chamada “exceção francesa” que o liberalismo quer erradicar. Esse Estado de bem-estar é o alvo daqueles que, desde Berlim, pressionam a França para que aplique “reformas estruturais”, ou seja, corte o fluxo de fundos públicos e diminua o peso do Estado.
A publicação prevê para a França o mesmo destino de Grécia, Espanha, Portugal, Itália e Irlanda, tanto mais que, afirma, os mercados até agora estariam sendo “indulgentes” com a França. Nada parece satisfazer os guardiães do dogma liberal, nem mesmo o fabuloso presente que François Hollande deu às empresas para que elas aumentem sua competitividade: 20 bilhões de euros em créditos fiscais financiados com o aumento do IVA (imposto sobre consumo). Essas medidas “são tardias e insuficientes”, escreve a revista para quem a França “pode se converter no maior perigo para a moeda única europeia”.
“The Economist” nunca foi suave com Paris. Há alguns meses, a publicação qualificou o chefe de Estado francês como “o perigoso senhor Hollande”. Agora, foi mais longe e esboçou o psicodélico retrato de um país praticamente asfixiado pelo peso do Estado, do desemprego, do déficit externo e dos numerosos obstáculos à iniciativa privada. É certo que a França é bastante complicada em tudo que tem a ver com a iniciativa individual e privada, mas, em contrapartida, mantém um sistema de proteção social de altíssimo nível. E isso é, precisamente, o que está hoje, mais do que nunca, na mira neoliberal: a implementação de “substanciais e dolorosas reformas” é o “único caminho de salvação”. Trata-se, em suma, de eliminar o Estado Social francês que provoca tanto receio e inveja.
O ataque feroz da “Economist” ao sistema francês é a última escala de uma crua ofensiva nascida em Berlim e em Bruxelas. A Alemanha, o FMI e as instâncias políticas e financeiras do Velho Continente pressionam Paris para que acelere as reformas. A papisa dessa ofensiva é a chanceler alemã Angela Merkel. A senhora Merkel parece determinada a afundar François Hollande, se ele não aceitar o receituário reformista ditado por Berlim. Angela Merkel se mostra empenhada em vingar-se do chefe de Estado francês depois que Hollande, em maio passado, ousou disputar com ela a liderança da condução europeia. Hollande destoou do pensamento único emitido desde Berlim, do credo da inevitável austeridade, defendendo o crescimento e recusando a ideia de que o destino comum da Europa tivesse a "austeridade" como o único horizonte.
Berlim emite constantes sinais que suscitam a desconfiança dos mercados em relação a Paris e tenta provar que a situação francesa, ou seja, o modelo francês, põe em perigo a estabilidade de toda a Europa. O ministro alemão de Finanças, Wolfgang Schäuble, encarregou um painel de especialistas alemães de elaborar um informe sobre o estado da economia francesa e sobre a real vontade da França de levar adiante “reformas estruturais”. A França é uma exceção que deixa os liberais com os cabelos em pé. Eles não aceitam que o Estado siga sendo o ator predominante da sociedade.
O Fundo Monetário Internacional e a Alemanha são dois agudos críticos da política de François Hollande e os principais agitadores do espectro do desastre. O FMI foi rápido como uma águia quando criticou o aumento de impostos decidido pelo Executivo há algumas semanas. Segundo o FMI, esse aumento “colocou a França em uma situação de desvantagem frente a seus sócios europeus”. Para o grande carcereiro das políticas neoliberais, é urgente que a França realize “cortes no gasto público”.
Berlim coloca em circulação a mesma mensagem e sem nenhum rodeio. Um dos conselheiros de Angela Merkel, Lars Feld, que também é diretor do “Instituto Walter Eucken”, disse há pouco tempo que “o problema maior da eurozona não está na Grécia, nem na Espanha, nem na Itália. O problema é a França”. Feld situa o problema na ausência de reformar, no peso de seu mercado de trabalho e no fato de que “a França é o país da zona euro onde as pessoas trabalham menos horas por ano”.
A Alemanha passou de aliado a antagonista violento. Quando, há algumas semanas, quase cem grandes empresários franceses lançaram um contra-programa e impugnaram a política fiscal de Hollande, o ex-chanceler socialdemocrata Gerhard Schröder se somou aos exércitos neoliberais para apoiar essas demandas. A guerra entre Paris e Berlim em torno das reformas é tal que o jornal “Le Monde” publicou um demolidor retrato da chanceler Angela Merkel onde seu autor, o sociólogo e filósofo Ulrich Beck, tratava a senhora Merkel como “novo Maquiavel da Europa”. Arranhada pela crise, golpeada pelos seus sócios europeus que içam a cada esquina as bandeiras de um modelo liberal onde não há lugar para a política social, Paris resiste. País rebelde e com tradição igualitarista, a França está em uma encruzilhada maior, com um presidente socialdemocrata que o ultraliberalismo tenta asfixiar para que corrija o modelo.”
FONTE: artigo de Eduardo Febbro, publicado no site “Carta Maior” com tradução de Katarina Peixoto (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21271).
O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Paris.
O lobo liberal voltou a mostrar os dentes para atacar aquele que ainda é seu aliado mais insubmisso: a França. No momento em que Paris está sob a pressão da Alemanha e do seleto clube de cardeais da doutrina liberal chamado de “troika”, composto pelo Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Central Europeu e pela Comissão Europeia, o semanário britânico “The Economist” publicou matéria de capa muito agressiva contra Paris. Segundo a revista, a França é “uma bomba relógio no coração da Europa”. O semanário ultraliberal aponta Paris como a próxima vítima da crise por causa, assegura, da incapacidade de o presidente socialista François Hollande realizar as reformas que os ortodoxos do mercado julgam inevitáveis.
Nesse dossiê especial de 14 páginas dedicado a França, “The Economist” não poupa nem palavras nem imagens, começando pela da capa. A última edição do semanário aparece com a foto de sete baguetes (o pão francês) envoltos em uma cinta com as cores da bandeira francesa e um estopim preso como se fossem bananas de dinamite. O modelo social francês, suas 35 horas de trabalho por semana, as generosas férias de que gozam os trabalhadores, os inúmeros subsídios que auxiliam a vida das pessoas, o seguro desemprego, a aposentadoria aos 60 anos para muitas categorias e, em cifras concretas, os 56% do PIB consagrados ao gasto público constituem a trama da chamada “exceção francesa” que o liberalismo quer erradicar. Esse Estado de bem-estar é o alvo daqueles que, desde Berlim, pressionam a França para que aplique “reformas estruturais”, ou seja, corte o fluxo de fundos públicos e diminua o peso do Estado.
A publicação prevê para a França o mesmo destino de Grécia, Espanha, Portugal, Itália e Irlanda, tanto mais que, afirma, os mercados até agora estariam sendo “indulgentes” com a França. Nada parece satisfazer os guardiães do dogma liberal, nem mesmo o fabuloso presente que François Hollande deu às empresas para que elas aumentem sua competitividade: 20 bilhões de euros em créditos fiscais financiados com o aumento do IVA (imposto sobre consumo). Essas medidas “são tardias e insuficientes”, escreve a revista para quem a França “pode se converter no maior perigo para a moeda única europeia”.
“The Economist” nunca foi suave com Paris. Há alguns meses, a publicação qualificou o chefe de Estado francês como “o perigoso senhor Hollande”. Agora, foi mais longe e esboçou o psicodélico retrato de um país praticamente asfixiado pelo peso do Estado, do desemprego, do déficit externo e dos numerosos obstáculos à iniciativa privada. É certo que a França é bastante complicada em tudo que tem a ver com a iniciativa individual e privada, mas, em contrapartida, mantém um sistema de proteção social de altíssimo nível. E isso é, precisamente, o que está hoje, mais do que nunca, na mira neoliberal: a implementação de “substanciais e dolorosas reformas” é o “único caminho de salvação”. Trata-se, em suma, de eliminar o Estado Social francês que provoca tanto receio e inveja.
O ataque feroz da “Economist” ao sistema francês é a última escala de uma crua ofensiva nascida em Berlim e em Bruxelas. A Alemanha, o FMI e as instâncias políticas e financeiras do Velho Continente pressionam Paris para que acelere as reformas. A papisa dessa ofensiva é a chanceler alemã Angela Merkel. A senhora Merkel parece determinada a afundar François Hollande, se ele não aceitar o receituário reformista ditado por Berlim. Angela Merkel se mostra empenhada em vingar-se do chefe de Estado francês depois que Hollande, em maio passado, ousou disputar com ela a liderança da condução europeia. Hollande destoou do pensamento único emitido desde Berlim, do credo da inevitável austeridade, defendendo o crescimento e recusando a ideia de que o destino comum da Europa tivesse a "austeridade" como o único horizonte.
Berlim emite constantes sinais que suscitam a desconfiança dos mercados em relação a Paris e tenta provar que a situação francesa, ou seja, o modelo francês, põe em perigo a estabilidade de toda a Europa. O ministro alemão de Finanças, Wolfgang Schäuble, encarregou um painel de especialistas alemães de elaborar um informe sobre o estado da economia francesa e sobre a real vontade da França de levar adiante “reformas estruturais”. A França é uma exceção que deixa os liberais com os cabelos em pé. Eles não aceitam que o Estado siga sendo o ator predominante da sociedade.
O Fundo Monetário Internacional e a Alemanha são dois agudos críticos da política de François Hollande e os principais agitadores do espectro do desastre. O FMI foi rápido como uma águia quando criticou o aumento de impostos decidido pelo Executivo há algumas semanas. Segundo o FMI, esse aumento “colocou a França em uma situação de desvantagem frente a seus sócios europeus”. Para o grande carcereiro das políticas neoliberais, é urgente que a França realize “cortes no gasto público”.
Berlim coloca em circulação a mesma mensagem e sem nenhum rodeio. Um dos conselheiros de Angela Merkel, Lars Feld, que também é diretor do “Instituto Walter Eucken”, disse há pouco tempo que “o problema maior da eurozona não está na Grécia, nem na Espanha, nem na Itália. O problema é a França”. Feld situa o problema na ausência de reformar, no peso de seu mercado de trabalho e no fato de que “a França é o país da zona euro onde as pessoas trabalham menos horas por ano”.
A Alemanha passou de aliado a antagonista violento. Quando, há algumas semanas, quase cem grandes empresários franceses lançaram um contra-programa e impugnaram a política fiscal de Hollande, o ex-chanceler socialdemocrata Gerhard Schröder se somou aos exércitos neoliberais para apoiar essas demandas. A guerra entre Paris e Berlim em torno das reformas é tal que o jornal “Le Monde” publicou um demolidor retrato da chanceler Angela Merkel onde seu autor, o sociólogo e filósofo Ulrich Beck, tratava a senhora Merkel como “novo Maquiavel da Europa”. Arranhada pela crise, golpeada pelos seus sócios europeus que içam a cada esquina as bandeiras de um modelo liberal onde não há lugar para a política social, Paris resiste. País rebelde e com tradição igualitarista, a França está em uma encruzilhada maior, com um presidente socialdemocrata que o ultraliberalismo tenta asfixiar para que corrija o modelo.”
FONTE: artigo de Eduardo Febbro, publicado no site “Carta Maior” com tradução de Katarina Peixoto (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21271).
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