quinta-feira, 4 de junho de 2009

ENTREVISTA COM O EMBAIXADOR DO BRASIL NA COREIA DO NORTE

EMBAIXADOR: "SOU DE MISSÃO, NÃO DE EMPREGO"

FONTE: Terra Magazine, Bob Fernandes

“Arnaldo Carrilho é o embaixador designado para a Coreia do Norte. Com o teste nuclear e o disparo de mísseis realizados pelo regime de Kim Jong-Il, o governo do Brasil pôs o pé no freio. Carrilho, a mulher Maria Helena Torres Batista Carrilho e cinco funcionários seguem à espera. Estacionados em Pequim, aguardam resoluções do Conselho de Segurança da ONU sobre a natureza das sanções a serem impostas, ou não, à Coreia do Norte e a conseqüente decisão brasileira de rumar mesmo para Pyongyang. Por telefone, desde Pequim, Carrilho conversou longamente com Terra Magazine.

Carrilho, amigo pessoal do chanceler Celso Amorim, como ele é um amante do cinema -entre 2001 e 2003 dirigiu a Rio Filmes. Admirador da obra e pensamento de Píer Paolo Pasolini, o embaixador não hesita ao conectar o périplo do presidente Lula mundo afora ao pensar do cineasta italiano.

Ao defender com veemência a busca da "vanguarda" na diplomacia e no Itamaraty capitaneado por Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães o embaixador diz, num momento informal da conversa:

- ...Só agora nossa gente começa a compreender porque o presidente da República "viaja tanto". Viaja tanto como os outros porque têm todos de fazê-lo neste mundo globalizante da "mutação antropológica" que dizia Pasolini...

De carreira iniciada em 1962, o embaixador chega à Coreia do Norte depois de, no último posto, ter encarado entre 2006 e 2007 o desafio de representar o Brasil na Cisjordânia controlada pela Autoridade Nacional Palestina.

Carrilho já serviu em 14 países, passou 10 anos em postos na Europa e outros 12 em países árabes, China e Tailândia. Prepara-se agora para entregar credenciais ao governo de Kim Jong-Il. Ele, Carrilho, que já "abriu" embaixadas na Arábia Saudita e Alemanha Oriental.

Enquanto aguarda o mundo decidir o que faz com a Coreia do Norte e ao tempo em que Kim Jong-Il segue a detonar seus artefatos e mísseis, Carrilho certamente deve se lembrar que a entrega de credenciais ao presidente da ANP, Mahmoud Abbas, foi adiada três vezes; então por conta da intensificação do conflito entre israelenses e palestinos.

O novo posto é, ao menos aos olhos do restante do mundo, estratégico. Não por acaso, a caminho da Coréia do Norte Carrilho foi recebido nos EUA por altos funcionários do Departamento de Estado, do Pentágono e do Edifício Executivo da Casa Branca. Da mesma maneira, por gente da CIA e do Conselho de Segurança Nacional. O mesmo interesse, proporcional no Brasil ao desinteresse pelo assunto ou às críticas de salão, o embaixador encontrou no Japão, Coréia do Sul, Rússia e China.

Arnaldo Carrilho é, aos 71 anos, obviamente um homem de firmes convicções e que gosta de desafios. Sua folha de serviços mostra isso e a entrevista exclusiva a Terra Magazine reafirma suas posições e sua história. Senão, vejamos o que diz:

- ...Sou um diplomata que acredita mais em missão do que no emprego...

- ...Exatamente, é o complexo de "vira lata". Acho que o Brasil é muito grande e importante. Mais do que a vã imaginação brasileira possa vir a criar nas suas caraminholas...

- O que há é uma tendência muito curiosa de certos setores, os que mais se opõem à questão da Coreia do Norte, acharem que o Brasil não tem gabarito, tamanho ainda, para certos tipos de relação internacional...

- Os EUA se recusaram a aceitar a Coreia do Norte como potência nuclear... juridicamente não aceitam esse status. O que surpreende a muitos observadores...

- ...Há aquela coisa ambígua de Israel, que é um país nuclearizado, mas que não é muito admitido...

- E o Paquistão, com o Talibã em combate contra o exército paquistanês, dentro, portanto do território paquistanês, é um país atômico. Inclusive muito bem armado...

- Os norte-coreanos dizem que os EUA, por exemplo, fizeram promessas, nas penúltimas reuniões, que não foram cumpridas. Isso é uma acusação a constatar.

- ...O relator oficial deste conselho nunca foi à Coreia do Norte, isto desmerece um pouco os relatórios dele em itens que a comunidade internacional dá importância, como Direitos Humanos, por exemplo.

- ...É preciso que o relator tenha acesso à Coreia do Norte, não só à capital, mas ao interior do país. Isto não ocorreu, portanto não podemos dar um valor absoluto ao que ele diz...

- É coisa (críticas a ele e ao governo) que extrapola e entra no lado pessoal. Sai da crítica à ação política do Brasil e rebaixa para a crítica às pessoas envolvidas, o Chanceler e eu. O fato de eu ser amigo dele, há mais de quatro décadas, incomoda as pessoas... o que eu posso fazer?

- Somos amigos e ele me indicou para lá porque dificilmente ele encontraria nomes na casa dispostos a aceitar a missão. As pessoas temem. Sabe como é, brasileiro tem horror a guerra, as famílias ficam com medo...

- Fiz um pedido ao comitê olímpico, que escolhe as cidades olímpicas, para que o delegado da Coreia do Norte vote pelo Brasil (...) ele vota pelo Brasil.

A seguir, a entrevista:

TERRA MAGAZINE - TUDO EM PAZ, EMBAIXADOR? QUANDO O SENHOR SEGUIRÁ DAÍ DE PEQUIM PARA PYONGYANG, NA CORÉIA DO NORTE?

ARNALDO CARRILHO -
Pelas notícias que tenho recebido, o Conselho de Segurança ainda não adotou resolução nenhuma. O papel rola de mãos em mãos lá, com os membros do Conselho. Estou atento, evidentemente, às notícias mandadas por nossa embaixadora junto às Nações Unidas, Maria Luiza Ribeiro Viotti. Aqui em Pequim tenho visitado vários embaixadores de países membros das conversações hexapartites, de países que têm embaixadores residenciais em Pyongyang.

O SENHOR ESTÁ DESIGNADO PARA A EMBAIXADA NA REPÚBLICA DA COREIA DO NORTE, ESTAVA A CAMINHO QUANDO HOUVE UM LANÇAMENTO DE MÍSSIL E UM TESTE NUCLEAR...
...isso, isso. Estava a caminho da Coreia do Norte para apresentar credenciais, eu as tenho comigo.

SÃO POUCOS OS PAÍSES QUE TÊM REPRESENTAÇÃO NA COREIA DO NORTE?

Embaixador residente lá são poucos, eu serei o vigésimo primeiro.

DO PONTO DE VISTA GEOPOLÍTICO QUAL SERIA A IMPORTÂNCIA DESTA EMBAIXADA?

Em 2001, portanto no governo Fernando Henrique, por trocas nossas em Nova York, nosso então embaixador junto às Nações Unidas reconheceu o governo da Coreia do Norte e estabeleceram, portanto, as relações diplomáticas. Entre estabelecer relações diplomáticas e a criação das embaixadas demorou algum tempo. A Coreia do Norte se antecipou, há quase quatro anos mantém embaixador em Brasília, com embaixada e tudo instalado. E o Brasil, no ano passado, decidiu estabelecer sua embaixada residente em Pyongyang. E aí demorou um tempo para a minha designação porque eu fui sabatinado no Senado uma semana antes do recesso de fim de ano, em dezembro de 2008, de modo que tive de aguardar, como os colegas, aliás, as respostas dos senadores para que fôssemos levados para plenário. E isso só ocorreu em março. Depois de aprovado pelo plenário, a gente teve que aguardar o processo de designação, que é decreto presidencial. Meu nome foi escolhido, fiquei muito contente, como estou até agora. Porque gosto de questões internacionais importantes. Meu último posto foi em Ramallah, na Palestina.

FOI RAMALLAH, NA PALESTINA? O SENHOR VEM DE LÁ, ENTÃO?

Estive lá em 2006, 2007.

ENTÃO O SENHOR TAMBÉM GOSTA DE DESCASCAR ABACAXIS?

É. Mas, enfim, acho que são questões importantes. Veja bem, a questão na Palestina é uma das mais importantes no tabuleiro internacional, tem atravessado guerras frias, fim do bipolarismo e continua cada vez mais no tabuleiro. E a questão da Coreia do Norte é uma que pinta desde a trégua de 1953. É como se fosse uma questão terçã. Ela volta sempre à baila, digamos assim, conforme se apresentem quadros críticos. É uma situação de trégua apenas - tecnicamente o estado de guerra não foi finalizado. E é trégua, o famoso armistício de Panmunjeom.

DESDE 1953.

Como, aliás, anteriormente Israel mantém também armistícios com seus vizinhos árabes, assinados em 1949. Com o Líbano, a Síria. Com a Jordânia e Egito, Israel normalizou relações. Ambos têm trocas de embaixadores. Mas no caso da Coreia a coisa é diferente. Porque a Coreia não era membro da Nações Unidas, só entrou nos anos 1990, e foi lá nas Nações Unidas, como eu disse, que o Brasil estabeleceu relações diplomáticas com a República Popular...

COMO É GRANDE A "CONFUSÃO" E TAMBÉM GRANDE É A QUANTIDADE DE LEIGOS PALPITANDO SOBRE A PRESENÇA DO BRASIL NA COREIA, O QUE O SENHOR, DIPLOMATA HÁ QUASE MEIO SÉCULO, DIRIA A RESPEITO DESSA DECISÃO?

Recebi instruções do chanceler de retardar a minha partida. Eu deveria partir na sexta-feira, o último dia 29. Mas dois dias antes, já aqui em Pequim, recebi essa instrução de retardar a minha partida. E isso evidentemente dependerá do relacionamento da Coreia do Norte com os colegas das conversações hexapartite. E dependerá do estado da situação crítica aqui no nordeste asiático. OS EUA se recusaram a aceitar a Coreia do Norte como potência nuclear. Isso quer dizer, juridicamente, que não aceitam esse status. O que surpreende a muitos observadores.

SÃO OITO PAÍSES QUE FORMAM O QUE HÁ MUITO SE CHAMA DE "CLUBE ATÔMICO"?

Isso, Clube Atômico foi uma expressão muito usada na Guerra Fria. Há aquela coisa ambígua de Israel, que é um país nuclearizado, mas que não é muito admitido.

MAS QUE NA VERDADE TERIA ALGO COMO 100 OGIVAS, NÃO É ISSO?

É verdade. E há a questão do Paquistão. Quando o Paquistão, em 1998, detonou cinco artefatos nucleares, a coisa, digamos assim, se ajeitou. E o Paquistão, como você sabe perfeitamente, com o Talibã em combate contra o exército paquistanês, dentro, portanto do território paquistanês, é um país atômico. Inclusive muito bem armado.

POR QUE ESSES PARADOXOS? POR QUE ESSA DUPLA, TRIPLA, MÚLTIPLA LEITURA DE QUEM PODE E QUEM NÃO PODE? SÃO MUITAS AS LEITURAS...

A leitura que faço, que é a leitura das minhas instruções, é a seguinte: O Brasil, que é membro já de vários fóruns internacionais; nos próximos meses vamos ter o presidente do Brasil em fóruns internacionais inéditos, como o Brics (Brasil, Rússia, China e Índia)... o Brasil é um país que se propõe, se coloca no cenário mundial. O que se passa na Coreia do Norte é exatamente isso. A abertura de canais de diálogo. O governo coreano do Norte, número 1, ficou muito satisfeito com o anúncio de uma embaixada residente em Pyongyang. Mas ficaram também muito satisfeitos esses outros países que são membros das conversações dos seis. Sei disso porque há um mês e meio eu estive de viagem em Washington (EUA), Tóquio (Japão), Seul (Coreia) e Moscou (Rússia),

CONVERSAÇÕES DOS SEIS...

Hexapartite. Eu nunca visitei Pyongyang na minha vida. Me lembro, sim, quando servia na Polônia, de 1967-71, que eu recebia notícias de Pyongyang. Ou por uma agência em Berlim Oriental, ou pela própria embaixada da Coreia do Norte em Varsóvia. Isso me lembro bem. Era época do governo do rei Kim Il-sung.

O "REFUNDADOR DA PÁTRIA", "O GRANDE LÍDER", O PAI DO KIM JONG-IL, O "ESTIMADO LÍDER"...

Isso, Kim Il-Sung, chamado "O Refundador da Pátria".

VÁRIAS AS DENOMINAÇÕES...

Pois é... me lembro que recebi até história em quadrinhos para crianças sobre ele. Em inglês e espanhol; é muito curioso, a língua espanhola sempre foi muito valorizada na Coreia do Norte, em seguida o inglês. A prova é que há uns vinte anos um colega me deu um livro El arte cinematrografico, em espanhol, do Kim Jong-Il. Ele escreveu um livro sobre cinema.

O KIM JONG-IL ESCREVEU UM LIVRO SOBRE CINEMA???

É. Chamado, em espanhol, El arte cinematográfico. Eu lembro, foi um colega que me deu, falou "pega esse livro", e eu tenho esse livro.

EXISTE A POSSIBILIDADE DE O SENHOR SEQUER IR PARA PYONGYANG...

A possibilidade existe, claro, mas a embaixada será de qualquer maneira instalada. A minha presença e a apresentação de credenciais, quer dizer, a minha partida de Pequim para lá vai depender das instruções do ministro Celso Amorim. Aguardo tão logo seja possível normalizar. Mas para normalizar é preciso que primeiro saia a anunciada resolução do Conselho de Segurança. Que tipo de sanções se prevê? Fala-se muito. Mas que sanções? O teste nuclear, mais que o lançamento de foguetes, foi condenado pelos cinco países das conversações dos seis. Evidentemente a China pede cautela, que "não percam a cabeça"... Os EUA, por sua vez, já mandaram da Virgínia uma dúzia daqueles aviões Delta, em forma de asa delta, de grande poder de ataque. A Rússia faz uma pequena fronteira com a Coreia do Norte e aquele engenho subterrâneo foi detonado perto dessa fronteira. É um país muito pequeno a Coreia do Norte. É menor que o Amapá, e tem 23 milhões de habitantes.

É UM FATOR DE DESESTABILIZAÇÃO DE FATO, OBJETIVAMENTE, ESSA COISA DE SE TORNAR UMA POTÊNCIA NUCLEAR, UMA VEZ QUE OITO DELAS JÁ O SÃO, OU ISSO É MUITO MAIS PARTE DE UM JOGO MUITO MAIS AMPLO? PORQUE SÃO MILHARES AS OGIVAS NUCLEARES NESTES PAÍSES OUTROS E NEM POR ISSO...

É verdade. Acho que são as duas coisas. É um jogo, sem dúvida nenhuma, mas há uma questão importante, que é o isolamento diplomático da Coreia do Norte. É um país que está perdendo cada vez mais a possibilidade de diálogo, porque se mantém firme, e até agora não querendo negociar. E atacando, dizendo que vários itens tem sido desrespeitados como por exemplo nas conversações dos seis...

OS SEIS QUE SÃO...

Rússia, China, Japão, Estados Unidos, Coreia do Sul e do Norte.

E O QUE ELES ARGUMENTAM?

Os norte-coreanos dizem que os EUA, por exemplo, fizeram promessas nas penúltimas reuniões, todas ocorridas em Pequim, que não foram cumpridas. Isso é uma acusação a constatar. O relator oficial deste conselho nunca foi à Coreia do Norte, isto desmerece um pouco os relatórios dele em itens que a comunidade internacional dá importância, como Direitos Humanos, por exemplo. Até que ponto os Direitos Humanos tem sido desrespeitados? Não se pode saber. Não se pode avaliar. Ele não esteve lá, ele nunca foi recebido pelo governo norte-coreano. Claro que pode-se dizer: "mas isso é óbvio, é coisa de diplomata que usa palavreado". Eu te respondo que não, não bastam só palavras, é preciso que o relator tenha acesso à Coreia do Norte, não só à capital, mas ao interior do país. Isto não ocorreu, portanto não podemos dar um valor absoluto ao que ele diz. Por mais razão que ele tenha de acordo com depoimentos.

ESTE É UM DOS ASPECTOS?

Sim, é um. Evidentemente que a questão da nuclearização é grave, tendo em vista que a Coréia do Norte assinou o tratado pela não proliferação e agora quer renegá-lo. Mas não é só esse tratado, temos outro: o de banimento, portanto de desistência de qualquer pesquisa conducente a testes nucleares, que foi o caso do Brasil com a Argentina em 1990, quando Collor e Menem assinaram um pacto bilateral em Viena, sede internacional da energia atômica, diante da comunidade internacional. Em seguida, Collor foi a Calha Norte fechar o buraco atômico que estava sendo aberto lá. Portanto, entramos no tratado de banimento de experimentos nucleares.

HÁ UM ESTOQUE ENORME NO MUNDO DE OGIVAS NUCLEARES. NÃO SE SABE EXATAMENTE O QUANTO...

Sim, há um estoque enorme. Mas não se sabe exatamente. Especialistas falam muito do assunto. Há as de destruição de massa, não se resumindo apenas ao aspecto nuclear, como é o caso do Irã, que, de uns três anos para cá, vive na berlinda o tempo todo, sabendo até que ponto pode desenvolver armas nucleares. Hoje em dia a criação de armas nucleares depende de existência de combustível. De combustível trabalhado e de um grupo de cientistas completo. O Paquistão, por exemplo, tem 2,2 mil cientistas que foram responsáveis pela detonação de 2008.

TÍNHAMOS FALADO DE DOIS ASPECTOS: UM É O ESPECÍFICO DA COREIA E O OUTRO É O DO JOGO MAIOR. CERTO?

O jogo maior é esse: a estabilidade no nordeste asiático é importante para a Rússia, que faz fronteira com a Coreia do Norte , para a China que mantém relações com o Japão e Coreia do Sul, sendo a China a maior potência da Ásia. A Coreia do Norte é um fator incomodante.

INCOMODA A RÚSSIA, INCOMODA PEQUIM, INCOMODA...

O Japão, que se sente ameaçado porque os coreanos do norte têm atitudes vingativas, por conta da colonização da península coreana. É muito difícil a relação Japão-Coreia do Norte, inclusive porque há uma colônia norte-coreana no Japão, sobretudo em Tóquio. O Japão reclama muito dos sequestros de cidadãos japoneses pela Coreia do Norte. Já a Coreia do Sul, ela é sempre atacada pois mantém cerca de 30 mil homens americanos. Isto faz parte da aliança com os EUA. A presença americana é o que assegura a defesa do país. Os EUA sempre tiveram a base de Okinawa, portanto uma base que pode atacar vários objetivos na região. Enfim, a Coreia do Norte é um país que se sente isolado porque teme qualquer intervenção que possa modificar o seu regime. Ela não quer perder seu regime.

JÁ A CHINA, QUE TEM 24 PAÍSES FRONTEIRIÇOS, 12 DELES INIMIGOS HISTÓRICOS...

Sim, sim, mas o que incomoda mesmo é o nordeste.

QUAL O NEXO DAS CRÍTICAS À PRESENÇA DO BRASIL E ATAQUES À SUA PRESENÇA AÍ?

É coisa que extrapola e entra no lado pessoal. Sai da crítica à ação política do Brasil e rebaixa para a crítica às pessoas envolvidas, o Chanceler e eu. O fato de eu ser amigo dele, há mais de quatro décadas, incomoda as pessoas... o que é que eu posso fazer? E ele também. Somos amigos e ele me indicou para lá porque dificilmente ele encontraria nomes na casa dispostos a aceitar a missão. As pessoas temem. Sabe como é, brasileiro tem horror a guerra, famílias ficam preocupadas. Quando eu fui para Palestina foi a mesma coisa e, no entanto, gostei muito. As pessoas ficam preocupadas excessivamente.

COMO SE A GENTE VIVESSE NUMA MARAVILHA AQUI, COM CIDADES E RUAS SEGURÍSSIMAS...

Pois é, pois é. As críticas se dão nesses aspectos que mencionei. Mas, gosto muito de ser diplomata, viu.

QUANTOS ANOS O SENHOR TEM DE CARREIRA?

Entrei em 1962. Gosto muito de ser diplomata, ainda não estou gagá, as mãos não tremem. (risos)

QUAL É O SEU FEELING EM RELAÇÃO A ESSA QUESTÃO, COMO VAI CAMINHAR?

Há um fato que não ouvi falar até agora: num país com embaixada residente em Pyongyang, que tenha chamado seus embaixadores ou os tenha retirado. Isto eu vou comprovar agora nas minhas visitas às embaixadas de outros países aqui em Pequim, entende?

SUA EXPECTATIVA É CHEGAR ATÉ PYONGYANG?

Pois é. Eu vou comprovar, por exemplo, um país como a Grã Bretanha, que tem, há muitos anos, embaixada em Pyongyang, mas não me consta que seu embaixador tenha sido chamado ou retirado do posto lá e mais outros países, como Rússia, Suécia, países Árabes, o Egito e China. Não há embaixada dos EUA, evidentemente, nem do Japão, Coreia do Sul...

QUAIS SÃO OS INTERESSES OBJETIVOS, PRAGMÁTICOS, DO BRASIL NA COREIA DO NORTE?

Em 2006 estávamos com um comércio bilateral de U$ 104 milhões. Em 2008 atingimos U$ 381 milhões. Interesses pragmáticos imediatos de duas empresas, uma delas é a famosa multinacional no mundo inteiro, que é a JBS, conhecida por Friboi. Ela tem dois armazéns frigoríficos na Austrália e gado cativo também. A idéia é iniciarmos a exportação de carnes, não só bovina, mas suína e frangos para a Coreia do Norte. A Sadia já mandou uma delegação para lá. Outro interesse é da Embrapa, que já se fez presente em Pyongyang, mandou um emissário por duas vezes que ficou um mês, um mês e meio, estudando exatamente como melhorar as condições da agricultura norte coreana. O país é gélido a partir de novembro, e isso dura seis meses. E só a Embrapa pode dar um jeito, e isso não é orgulho brasileiro, não... É um país que carece de alimentação para o seu povo. Não somente a questão de alimentação, mas criação de gado e sobre tudo carne porcina e galinha.

EVIDENTE QUE O SENHOR NÃO FARIA CRÍTICAS SE PENSASSE DE FORMA DISTINTA DO GOVERNO BRASILEIRO, MAS MESMO ASSIM NÃO SENDO, O SENHOR NÃO TEM DÚVIDA ALGUMA DO ACERTO EM SE ABRIR ESSA EMBAIXADA?

Não, não tenho. Porque além da commoditie alimentar, o país precisa de várias coisas. Por exemplo, essa empresa, a JBS, tem produtos de outro teor, mas que se originam da gordura do boi, como o detergente, fabricação de sabão, sabonetes, de material para limpeza de cozinhas, de banheiros. Chama-se Minuano; isso não é para fazer propaganda e há outras empresas menores de Goiás que se interessaram. Esses empresários estão esperando que eu chegue lá. Quanto à Sadia, há um interesse muito especial porque a empresa está passando por problemas, na iminência de fazer uma joint venture, ser incorporada à Perdigão. Mas a Sadia já enviou representantes à Coreia do Norte e está esperando a minha chegada para que sejam realizadas as conversações de negócios deles. Tenho aqui um acordo importante a firmar. O governo norte coreano pediu que fosse o primeiro embaixador a assinar. Estou levando o acordo.

SOBRE O QUÊ?

É um protocolo adicional ao acordo comercial. Já mantivemos no ano passado um encontro de consultas políticas. Foi o primeiro encontro de consultas políticas do embaixador Roberto Jaguaribe, subsecretário para assuntos políticos da Ásia, África e países árabes. Ele foi até Pyongyang, esteve lá três dias com uma pequena delegação e abordaram, durante os encontros, vários aspectos, sobretudo políticos, direitos humanos e inclusive da abertura comercial maior. Esse protocolo adicional que levo será, evidentemente, elevado à categoria de notícia importante pelos meios de comunicação da Coreia do Norte. Há outros acordos propostos pelo país que estão percorrendo diferentes ministérios do Brasil com cooperação em vários setores, inclusive esportiva.

POR EXEMPLO...

Fiz um pedido ao comitê olímpico, que escolhe as cidades olímpicas, para que o delegado da Coreia do Norte vote pelo Brasil. Até agora, obtive sinal positivo, ele vota pelo Brasil. Quem me disse isso pessoalmente, e ao chanceler Celso Amorim, foi o ministro dos negócios estrangeiros do país coreano. Ele esteve por duas semanas em Brasília.

ESSE MOVIMENTO DO BRASIL EM DIREÇÃO À COREIA DO NORTE É PARTE DE UM MOVIMENTO MAIOR DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA, APLAUDIDA POR MUITOS, MAS TAMBÉM SISTEMATICAMENTE ATACADA, COMO FOI O CASO DA REAPROXIMAÇÃO COM A ÁFRICA, OS MOVIMENTOS NA AMÉRICA LATINA...

O que há no Brasil é uma tendência muito curiosa de certos setores, os que mais se opõem à questão da Coreia do Norte, acharem que o Brasil não tem gabarito, tamanho ainda, para certos tipos de relação internacional. Lembra quando o Celso Amorim passou pela primeira vez pelo Oriente Médio?

O SENHOR DIZ QUE SE OPÕEM POR NÃO ACREDITAREM QUE O BRASIL TENHA CAPACIDADE PARA ISTO?

Sim. Eu não concordo com esses setores.

É O COMPLEXO DE "VIRA LATA"?

Exatamente, é o complexo de "vira lata". Acho que o Brasil é muito grande e importante. Mais do que a vã imaginação brasileira possa vir a criar nas suas caraminholas, não é? O Brasil é grande por si mesmo, territorialmente, maior potência econômica da América Latina e hoje é chamado a fóruns internacionais para os quais antes absolutamente não era chamado.

E TEM QUE EXERCER SUA GRANDEZA...

Claro, claro, claro. Evidentemente, e como eu sou um diplomata que acredita em missão mais do que no emprego tenho certeza absoluta do nosso papel: potência não nuclear, com um desenvolvimento ótimo, enfrentando razoavelmente a crise financeira, tentando ajustar problemas sociais internos às vezes terríveis... Acredito, inclusive, que este seja um dos motivos de apreciação externa do Brasil, um país com problemas dessa natureza que consegue manter-se diplomaticamente na superfície dos fatos. Não há nenhuma pretensão de nos julgarmos "os tais", só acho que é uma decorrência natural da nossa importância.”

2 comentários:

Marcelo disse...

Excelente entrevista embaixador !

Sou brasileiro, nacionalista, me orgulho da nossa mestiçagem, do nordestino, do mineiro, do gaucho...

Não gosto de carnaval, mas respeito e defendo pois é uma legitima expressão popular.

Não somos melhores nem piores do que ninguém e temos muito a aprender e a ensinar ao mundo.

Abaixo o complexo de vira-lata!

Unknown disse...

Prezado Marcelo,
Perfeito!
Maria Tereza