sábado, 6 de junho de 2009

NOTICIÁRIO DO AIRBUS TEM "VAZIO DE INFORMAÇÃO"

Terra Magazine

“As notícias sobre o acidente com o avião A330, da Air France, dominam sites, jornais, rádios e televisões desde segunda-feira, 01. Na maratona por informações exclusivas, também se vê um imenso mar de dúvidas sobre as causas do acidente. Para o sociólogo Venício Artur de Lima, pós-doutor em comunicação, o acidente aéreo e o noticiário sobre ele claramente se diferenciam dos anteriores no Brasil - da TAM e da Gol:

- Esse acidente não tem um local delimitado, uma imagem simbólica, um ícone, muito provavelmente não haverá corpos, o lugar é inacessível, então fica difícil...

Em entrevista a Terra Magazine, o professor explica que o tema, obviamente, mobiliza leitores e telespectadores. "Com toda a certeza esse tipo de assunto aumenta a audiência. Mas tem uma duração, tem um crescimento, ele sobe e depois cai porque passado aquele primeiro momento de surpresa e curiosidade, você vê que não se sustenta", diz.

Isso porque o tipo de acidente com o Airbus configura um "vazio de informação". E, para Venício Lima, se não há novidade ao mesmo tempo em que as pessoas "estão loucas para saber algo", fica claro o "despreparo da imprensa". E, além disso, tentativas de ideologização do debate. Contudo, muito menores do que aconteceu com o acidente da TAM, em Congonhas.

- (Na terça-feira), em O Globo, havia: "Sarkozy consola parentes, Lula estava longe" (...) É tipo de ilação absurda (...) insinua que o presidente Lula, ao contrário do presidente da França, não deu a devida atenção ao que estava acontecendo.
Leia a seguir a íntegra da entrevista:

TERRA MAGAZINE - PROFESSOR, HÁ UMA DIFERENÇA ENTRE A COBERTURA DA IMPRENSA HOJE E O QUE ACONTECEU COM OS ACIDENTES DA TAM E COM O DA GOL, QUANDO HOUVE UMA TENTATIVA DE PARTIDARIZAÇÃO DO DEBATE, NÃO? MAS AGORA É DIFERENTE, NÃO HÁ UM LOCAL ESPECÍFICO, A IMAGEM CLARA DO ACIDENTE...

VENÍCIO LIMA
- Eu concordo com você que há diferenças significativas em relação à cobertura que está sendo dada para esse acidente se você comparar com o acidente da TAM. Acho que não há nenhuma dúvida quanto a isso. Esse acidente não tem um local delimitado, uma imagem simbólica, um ícone, muito provavelmente não haverá corpos, o lugar é inacessível, então fica difícil... Pela própria natureza do acidente, ele é diferente do que foi o da Gol e o da TAM. Embora haja uma coisa que não está sendo devidamente enfocada que é que a coincidência do equipamento do acidente da Air France e o da TAM - ambos eram da aviões Airbus. E isso é um fato muito significativo.

E, apesar disso, há outra coisa a se lembrar. Na terça-feira, o primeiro dia em que os jornais impressos trouxeram notícias do acidente aéreo, me chamou a atenção a manchete e a titulação do jornal O Globo. Tanto que eu até guardei o jornal. Me ocorreu até propor a alguns professores amigos, que dão aula de jornalismo, para fazer uma brincadeira, meio em tom de brincadeira e meio séria. Que é a seguinte: pegar tanto o texto da nota de primeira página, quanto dos textos internos e pedir para os alunos titularem a matéria. Isso porque a titulação obviamente não corresponde ao que está escrito na matéria ou na nota.

Daria até para fazer uma pergunta de múltipla escolha, sugerindo alguns títulos possíveis. E incluir os que foram publicados para ver o que dava. Estou me referindo ao fato de que o O Globo enfocou de modo muito particular o fato de que o presidente da França esteve naquela mesma manhã com os parentes das vítimas e o presidente do Brasil, não. Estou com o jornal aqui em minhas mãos. Na primeira página, tem: "Sarkozy vai e Lula manda vice". E na página interna tem: "Sarkozy consola parentes, Lula estava longe". E o que dou risada disso é que eu associei isso com uma música.

UMA MÚSICA? QUAL?

A música é da época em que fui a primeira vez aos Estados Unidos, em 1973, o ano do Waltergate. Eu fiquei entusiasmadíssimo com aquilo e o Paul Simon lançou uma música que chamava "Love's me like what" e que tinha um refrão que falava "Who do you think you are fooling", ou seja, "Quem é que você pensa que está enganando?". E isso se repetia várias vezes. E uma das interpretações da época era que ele se referia ao Nixon.

E ISSO TEM A VER COM AS MATÉRIAS DE O GLOBO?

Eu juntei os títulos do O Globo com essa música. Isso porque dias antes, saíram os dados do IVC sobre a circulação dos jornais no Brasil. E dá uma queda significativa dos três primeiros jornalões (Folha de S.Paulo, O Globo, O Estado de S.Paulo) em relação ao mesmo mês de 2008. Então, é isso que eu penso. "Quem vocês pensam que estão enganando?". A circulação está caindo, os jornais estão fechando. E você faz uma brincadeira dessa ao insinuar que o presidente Lula, ao contrário do presidente da França, não deu a devida atenção ao que estava acontecendo.

E ENGRAÇADO QUE ESSA EDIÇÃO MOSTRA UMA SEMELHANÇA COM AQUELE PRIMEIRO MOMENTO DA QUEDA DO AVIÃO DA TAM. AQUELA TENTATIVA DE CULPAR O GOVERNO...

Exatamente. E nesse caso está muito mais difícil. Evidentemente, não tem como fazer isso.

Agora, sabe-se que o avião caiu em águas internacionais. O avião era de uma empresa não-brasileira. O fabricante é de um consórcio inglês-francês, há um histórico de problemas com esse tipo de avião, né, o Airbus tem dado problema. E apesar disso tudo, eu peguei esse caso específico porque me chamou a atenção. E pode mostrar como se constrói uma ilação, uma cobertura tendenciosa.

E quando penso sobre, não acho que eles não estão enganando ninguém, porque o eventual leitor não é burro. Essa idéia do leitor ou telespectador como semelhança do Homer Simpson não existe mais. Se já existiu algum dia, hoje, com a internet e a mídia interativa e as redes sociais, isso tem mostrado que o leitor, o ouvinte, o telespectadores não é nenhum idiota. Mas me ocorreu que esses jornalões estão escrevendo para eles mesmos. Estão numa estratégia de manter o que têm. Porque não há mais como crescer, porque a mídia impressa como existe hoje não tem como sobreviver. Nesse formato e fazendo esse tipo de ilação absurda. Os títulos internos, em comparação com as matérias, são obviamente títulos que tentam manipular leitores que não lêem a matéria.

O GOVERNO SE EXPÔS MENOS TAMBÉM E, NO GERAL, A IMPRENSA ERROU MENOS?

No acidente anterior, houve uma sequência de absurdos. Acidente aéreo é interessante de se analisar, porque o cidadão comum nunca sabe o que realmente aconteceu. O tempo passa, os relatórios finais, quando são divulgados, não se dá a mesma importância do que a época.

OU SÃO COMPLEXOS E VAGOS DEMAIS...

Me lembro de um articulista que publicou na primeira página um texto chamando o governo de assassino. Isso, com certeza, não vai se repetir agora.

ALIÁS, TUDO É MUITO EFÊMERO AGORA, MUITAS VEZES COISAS INCONSISTENTES...

Com toda a certeza esse tipo de assunto aumenta a audiência, o número de leitores. Mas tem uma duração, ele sobe e depois cai, porque passa aquele primeiro momento de surpresa e curiosidade. Você vê que não se sustenta. Ontem e hoje, por exemplo, já não há mais novidades. E não tem mais como "explorar" essa sede de informação sobre o tema.

NÃO HÁ O DIÁLOGO DOS PILOTOS, E ISSO TRAZ UM VAZIO DE INFORMAÇÕES...

Exatamente, um vazio. Agora o engraçado, eu enfatizo, que eu não vejo em nenhum lugar informações sobre o fabricante do avião. Sinto falta disso. O que existe sobre a Airbus? O que já aconteceu com esse tipo de avião? Quais foram outros acidentes? Quais as características? Enfim, discutir esse histórico da Airbus. Claro que é uma potência, um consórcio que envolve, pelo que eu saiba, três países - França, Alemanha e Espanha. E esse avião específico é produzido em quatro países. Ele é montado na França, mas é produzido na Inglaterra, na Alemanha, na Espanha. Só posteriormente montado em Toulouse. E a discussão sobre a segurança do software que comanda os aviões já existe há bastante tempo. Sinto falta disso na cobertura, sabe.

E SÃO INFORMAÇÕES QUE NÃO NECESSARIAMENTE EXPLICAM O ACIDENTE, MAS PODEM QUESTIONAR O MODELO DO FABRICANTE...

Claro. São essenciais: o fabricante, o perfil do modelo, o histórico de problemas, que tipo de falhas são mais comuns.

E QUAIS OS PROCEDIMENTOS DO FABRICANTE QUE INDICAM CORREÇÕES DE PROBLEMAS...

Exato. Há uma informação publicada originalmente no The New York Times e chegou aqui no Brasil. A associação européia havia emitido um alerta em janeiro sobre esse tipo de avião. São essas coisas que fazem falta aqui no Brasil. Então, fica muito claro que como não tem novidade, há um vazio de informação, mas as pessoas estão loucas para saber algo, o despreparo da imprensa. Um exemplo: outro dia vi um âncora da Rede Globo falando que do acidente do "Boeing da Airbus". Olha o absurdo. São duas empresas completamente distintas. Um Boeing não tem nada a ver com um Airbus. E começa a dar informações equivocadas e furadas.

PROFESSOR, E LÁ NA FRANÇA A DISCUSSÃO SOBRE A HIPÓTESE DE UM ATAQUE TERRORISTA É MUITO MAIS FORTE DO QUE AQUI TAMBÉM. É UMA DIFERENÇA...

Agora, essa constatação é óbvia. Por quê?. À França não interessa, por todas as razões possíveis, que o avião tenha caído por problemas técnicos. Porque envolve o fabricante com participação preponderantemente francesa. E a empresa aérea é francesa. Então, se for um ato terrorista, isso exime a empresa aérea como fabricante. Mas acho que essa hipótese só está sendo alimentada lá.

AQUI A GENTE QUASE NÃO VÊ...

E que dado concreto existe? Fica parecendo coisa que você pode provar que é, mas não pode provar que não é. Porque é uma coisa totalmente absurda. E qual a razão para dinamitar um avião daqueles no ar sem ninguém reivindicar a ação. Não apareceu nenhum grupo? Não há nenhuma mensagem? Enfim, tem que arranjar alguma explicação. Isso é um devaneio completo. E se fosse uma bomba teria que ter havido uma explosão. Mas aparentemente desintegrou no ar e há manchas de querosene no mar. Não sou técnico, mas o argumento de que não pegou fogo porque há queresone no mar me parece óbvio.”

FONTE: Site Terra Magazine, de Bob Fernandes; entrevista de Aloisio Milani com o sociólogo Venício Artur de Lima; 05/06/2009

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