segunda-feira, 15 de junho de 2009

VOO 447: A INVESTIGAÇÃO PODE SER POLÍTICA

“Piloto amador e um verdadeiro apaixonado por aviação, o escritor carioca Ivan Sant’Anna, autor do livro Caixa-Preta, que reconstitui três grandes acidentes aéreos que marcaram a história do País, acredita que dificilmente as causas do desaparecimento do voo 447 da Air France serão conhecidas. Ele diz temer o fato de as investigações estarem sendo conduzidas pela França. Não acredito em relatório independente. Há muito dinheiro envolvido. A investigação pode ser política. Para Sant’Anna, por causa da crise cada vez mais pilotos evitam voltar ao ponto de partida quando constatam algum problema, pois isso implica prejuízo e a necessidade de dar uma série de explicações. O escritor afirma ainda que o perigo representado por turbulências para a segurança do voo é ínfimo e que mau tempo, sozinho, também não é capaz de derrubar um avião. Na época do acidente envolvendo o avião da GOL, em 2006, Sant’Anna disse que grandes tragédias aéreas costumam acontecer uma vez a cada década no Brasil. Desde então, houve o acidente com o avião da TAM, em Congonhas, e agora o caso da Air France.

AGÊNCIA O GLOBO – VOAR É MOTIVO DE PREOCUPAÇÃO HOJE NO PAÍS?

IVAN SANT’ANNA –
Em primeiro lugar, não considero o acidente do voo 447 da Air France um acidente brasileiro. O avião era francês, a companhia, francesa, e os pilotos, franceses. Voar ainda é muito seguro no Brasil: a possibilidade de você morrer numa queda no banheiro é muito maior. São milhares de decolagens diárias sem nenhum incidente. Mas, realmente, quando acontece um grande acidente, as pessoas tendem a ficar traumatizadas.

AG – UM AVIÃO MODERNO COMO O AIRBUS A330, UMA TRIPULAÇÃO EXPERIENTE, UMA COMPANHIA AÉREA DE TRADIÇÃO SÃO ALGUNS DOS PONTOS QUE TORNAM O ACIDENTE IMPROVÁVEL. FOI SURPREENDENTE O QUE OCORREU NO VOO DA AIR FRANCE?

SANT’ANNA –
Jamais eu imaginei que pudesse acontecer um acidente como esse. Foi o primeiro caso na rota desde o fim da década de 1940, quando começaram os voos da América do Sul para a Europa. Quando vou para Londres, por exemplo, até me preocupo na decolagem ou no pouso. Mas, no local onde ocorreu o acidente, foi totalmente inesperado.

AG – E AS CAUSAS DO ACIDENTE?

SANT’ANNA –
Ninguém nunca vai saber ao certo as causas do acidente. A caixa-preta não vai ser encontrada. Como achar um objeto do tamanho de uma caixa de sapato no meio do oceano? O que pode acontecer é acharem peças que indiquem o que ocorreu e permitam montar um quebra-cabeças. Mas acho que vai ser mais um dos mistérios da aviação.

AG – O QUE O SENHOR PENSA DE A FRANÇA ESTAR À FRENTE DAS INVESTIGAÇÕES?

SANT’ANNA –
A investigação pode ser política. Geralmente, há lados conflitantes: é um avião americano, uma companhia brasileira, há várias partes interessadas. Nesse caso, é tudo francês: companhia aérea, pilotos e fabricante do avião. Se descobrirem falha de projeto ou problema de piloto, por exemplo, isso pode ser escondido. Não acredito em relatório independente da França. Há muito dinheiro envolvido e é uma atividade que depende muito da confiabilidade.

AG – HÁ QUEM FALE NA POSSIBILIDADE DE BOMBA A BORDO.

SANT’ANNA –
Não descarto. Podem pensar: “Ah, mas no Brasil não tem terrorismo”. Nos anos de 1950, houve um caso nos Estados Unidos de uma pessoa que explodiu um avião para matar a mãe. O rapaz havia feito um seguro na véspera e queria levar o dinheiro. Houve uma explosão no compartimento de bagagem. Foi uma investigação famosa. Já houve alguns casos assim.

AG – MAS QUAIS AS HIPÓTESES MAIS PROVÁVEIS PARA O ACIDENTE?

SANT’ANNA –
Olho sempre para o que já aconteceu na história da aviação. Há possibilidade de fadiga de material, mesmo em casos de aviões novos, o que caracterizaria uma falha de projeto. Na década de 1950, houve o caso do COMET. Após dois acidentes, foi constatada falha de projeto. As janelas eram quadradas, o que criava pontos de tensão a partir de uma determinada velocidade. Após as tragédias, isso mudou e todas as janelas hoje são redondas. Olhando para o passado, ainda há diversas possibilidades: a porta do bagageiro pode ter aberto causando um dano estrutural, o reverso pode ter aberto em voo. Se pensarmos em algo inédito, pode até ter havido um choque com um meteorito. É uma chance em um milhão? É, mas na teoria pode.

AG – E A QUESTÃO DO MAU TEMPO?

SANT’ANNA –
O mau tempo sozinho não derruba avião. As aeronaves são feitas para aguentar uma turbulência dez vezes maior do que a que acontece no pior mau tempo. Para se ter uma ideia, quando há um furacão nos EUA, eles costumam mandar um avião Hércules para o olho para estudar o fenômeno. Se você olhar os testes nas fábricas, vai ver que as aeronaves são presas em engates gigantescos e chacoalhadas de um modo que tempestade nenhuma balança.

AG – MAS E OS RAIOS E O GRANIZO?

SANT’ANNA –
O que poderia derrubar um avião é o granizo. Mas a tempestade de granizo é visível no radar e seria possível desviar.

AG – HÁ CRÍTICAS EM RELAÇÃO AO EXCESSO DE AUTOMATIZAÇÃO NOS AVIÕES DA AIRBUS. O QUE O SENHOR PENSA A RESPEITO?

SANT’ANNA –
Os pilotos novos gostam porque é mais fácil de pilotar, os antigos não, porque não dá liberdade.

AG – E A QUESTÃO DA TURBULÊNCIA? AS PESSOAS DEVEM FICAR COM MEDO AO PASSAR POR UMA?

SANT’ANNA –
Raramente se faz um voo daqui para a Europa sem turbulência. Há uma diferença: quando a tripulação pede só para apertar o cinto, nem se preocupe. Se manda parar o serviço de bordo, é bom se preparar porque é forte. Mas o perigo é ínfimo. Entendo, porém, que nos próximos meses as pessoas fiquem com medo. Depois passa.

AG – A CRISE ECONÔMICA PODE ESTAR AFETANDO A ROTINA DAS EMPRESAS AÉREAS?

SANT’ANNA –
Há cada vez mais um consenso entre pilotos de que, se for constatado algum problema, não se deve voltar, segue-se assim mesmo. É uma tendência mundial de minimizar os prejuízos. O piloto sabe que, se retornar, vai ter de dar um milhão de justificativas. Houve tempos em que isso não era assim.”

FONTE: reportagem de Ruben Berta no Jornal do Commercio de 14/06/2009.

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