segunda-feira, 5 de julho de 2010

AMÉRICA LATINA DERRUBA PROFECIAS QUE A CONDENAVAM AO INFORTÚNIO

“A América Latina está derrubando as profecias que a condenavam ao infortúnio. À consolidação da democracia e ao crescimento econômico dos últimos anos soma-se agora um novo dado esperançoso: a desigualdade social, uma das chagas do continente, se reduziu em 1,1% ao ano entre 2000 e 2007.

Por Maite Rico, em El País

É o que indica um estudo promovido pelo Programa da ONU para o Desenvolvimento (Pnud), que constata que, pela primeira vez na história, a brecha entre ricos e pobres diminuiu de forma significativa em 12 dos 17 países pesquisados.

"É a única região do mundo em que isso está acontecendo", afirma a economista argentina Nora Lustig, coordenadora do trabalho junto com o especialista mexicano Luis Felipe López-Calva. Em outros países emergentes, como China, Índia ou África do Sul, a desigualdade está aumentando. "Na América Latina, por sua vez, a redução é generalizada, à margem de variáveis sociodemográficas ou políticas."

Nos anos 1990, a América Latina era mais desigual que a Ásia e a África subsaariana. As políticas de liberalização econômica aplicadas depois da crise da dívida de 1982 (o chamado Consenso de Washington) trouxeram estabilidade macroeconômica e maior crescimento, mas aumentaram a divisão social porque os ajustes atingiram a população mais pobre. Essa tendência, no entanto, se inverteu desde 2000.

Para explicar esse fenômeno, os especialistas estudaram a fundo os casos de Argentina, Brasil, México e Peru. E encontraram dois fatores essenciais: de um lado, a expansão da educação básica nas últimas duas décadas, que permitiu uma melhor qualificação da força de trabalho e, portanto, uma diminuição nas diferenças salariais. Por outro, a implementação das "transferências estatais", programas de ajuda (em dinheiro ou em espécie) para as famílias mais pobres, condicionados à escolarização dos filhos. "Os estudos mostram uma melhora na saúde e na escolaridade infantil, e a um custo baixo: esses programas representam cerca de 0,5% do PIB", afirma Lustig.

LÍDERES PRIORIZARAM LUTA CONTRA POBREZA

É claro que o impulso à educação e as políticas de distribuição estão diretamente ligados ao fortalecimento da democracia e a lideranças que priorizaram a luta contra a pobreza. Assim, a combinação de crescimento, estabilidade financeira, responsabilidade fiscal e políticas sociais inaugurou um círculo virtuoso que permitiu que 37 milhões de latino-americanos saíssem da pobreza, que diminuiu 12 pontos desde 2002.

"A América Latina está se transformando em um continente de classes médias", afirma José Juan Ruiz, diretor de estratégia do Banco Santander. "O crédito ao consumo, antes inexistente, hoje oscila entre 5% e 10%. Um terço da população ativa está nos bancos. Há dez anos não chegava a 10%."

O potencial é enorme. Os mercados internos se ampliam, o sistema financeiro é o mais saudável dos países emergentes, a inflação (que beira os 4% em média) está sob controle e os indicadores macroeconômicos são melhores que os dos EUA ou da Espanha, salienta Ruiz. Apesar da crise atual, a Cepal acaba de elevar de 4,1% para 4,5% a previsão de crescimento no continente para este ano.

Mas outros especialistas, como o economista Leandro Prados de la Escosura, aconselham a não cantar vitória. Embora a melhora dos indicadores de desenvolvimento humano aponte para a consolidação de uma tendência, não se pode descartar, na opinião dele, que estejamos diante de uma "simples mudança cíclica". As desigualdades continuam altas e há uma grande dispersão entre os países.

Lustig rejeita qualquer indício de triunfalismo e adverte que é preciso consolidar o processo. As deficiências na qualidade educacional dificultam o acesso da população pobre à educação superior. E é conveniente aumentar uma arrecadação fiscal que não chega a 18% do PIB (contra 35% em média nos países da OCDE).

A isso, José Juan Ruiz acrescenta a necessidade de fortalecer as instituições e a segurança jurídica. Contudo, insiste o especialista, a América Latina "está precisando de um novo relato", distante do derrotismo. Foram-se os tempos em que, como dizia o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, "o fracasso tinha mais prestígio intelectual que o sucesso".

FONTE: escrito por Maite Rico, publicado no jornal espanhol El País e
Reproduzido no portal “Vermelho”.

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