sábado, 24 de julho de 2010

ÍNTEGRA DA ENTREVISTA DE LULA À TV E JORNAL "RECORD"


ENTREVISTA EXCLUSIVA CONCEDIDA PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, À TV RECORD – JORNAL DA RECORD (concedida no Centro Cultural Banco do Brasil – Brasília-DF, em 21 de julho de 2010)

Jornalista: A era Lula entra na reta final. Daqui a exatos 163 dias o Presidente deixa o poder. Será que ele está preparado para esse momento? E qual avaliação o próprio Presidente faz do desempenho que teve em oito anos. Admite erros ou apenas acertos? O Presidente está aqui, ao meu lado, para responder todas essas perguntas. E, claro, Presidente, vamos falar também de eleições. Desde já, muito obrigada por esta entrevista exclusiva ao jornal da Record, Presidente.

Presidente:
É um prazer, Adriana.

Jornalista: Presidente, na sua cabeça, no seu coração, a contagem regressiva já começou?

Presidente:
Já, já começou. Na verdade, a contagem regressiva começou logo depois das eleições de 2006. Quando nós lançamos o PAC de 2006, nós lançamos o PAC já tendo como definição de prioridade, de foco principal a gente construir aquilo que entendíamos que eram as coisas que o Brasil mais precisava. E dedicamos, praticamente, todo o governo para cumprir as metas do PAC, para fazer as grandes obras acontecerem no Brasil. E tudo isso já fazia parte da contagem regressiva. Agora, está ficando mais perto, agora faltam poucos dias, alguns meses ainda, mas eu tenho muita coisa para fazer ainda, tenho muita coisa.

Jornalista: De agora até dezembro, o que ainda dá para fazer pelo Brasil?

Presidente:
Olhe, qual é a minha ideia: nós não temos que começar a fazer nenhuma obra nova porque, também, eu me preocupei em propor a construção do PAC 2, que vai de 2011 a 2015, porque nós temos Olimpíadas, nós temos Copa do Mundo, nós temos a Copa das Confederações, nós temos a Copa das Américas, e nós temos todo um conjunto de investimentos em infraestrutura que nós precisamos colocar dinheiro, tanto na LDO, que já foi aprovada, como nós colocarmos dinheiro no orçamento que vamos mandar para o Congresso Nacional até o dia 30 de agosto, porque quem vier depois de mim tem que começar, no dia 1º de janeiro, já governando e tocando obras, já com dinheiro no orçamento. Não tem que começar como eu, fazendo um corte de US$ 10 bilhões no orçamento porque não dava para a gente não fazer o corte.

Jornalista: Essa é a maior preocupação, orçamento?

Presidente:
A maior preocupação é garantir que quem vier depois de mim encontre o Brasil muito mais preparado e a máquina andando, para que ele possa apenas aumentar a velocidade ou dar o ritmo que quiser dar.

Jornalista: O senhor falou em Copa do Mundo. É preciso fazer uma comparação com o Pan de 2007. Naquela época, quando o Pan começou a ser projetado para o Brasil, para o Rio de Janeiro, a previsão era de R$ 400 milhões em gastos. Ao final da competição, os dados divulgados indicam 3,7 bilhões. Uma pergunta que está na cabeça do brasileiro: Presidente, por que no Brasil as obras começam com um preço mais baixo e sempre aumentam tanto? Há um risco de que isso aconteça na Copa?

Presidente:
Olha, vamos ver. Na verdade, os 400 milhões eram a parte do governo federal nos Jogos Pan-Americanos. Nós tentamos naquele instante dos Jogos Pan-Americanos construir um pacto entre o prefeito, a governadora do estado e o governo federal, para a gente definisse a responsabilidade de cada um e o gasto de cada um. Acontece que não foi possível fazer o pacto porque o prefeito não quis e a governadora não quis. O que aconteceu? Nós, do governo federal, que tínhamos uma previsão de gastar apenas R$ 400 milhões, que era a parte do governo federal, nós tivemos que colocar quase R$ 2 bilhões para a construção dos Jogos Pan-Americanos, porque se não desse certo, o que ia ser manchado era o nome do Brasil. Agora, o que nós fizemos? Nós estamos nos antecipando muito, viu, Adriana, para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas. Eu, inclusive, já fiz dois decretos: um para as Olimpíadas e um para a Copa do Mundo, colocando todos os gastos que nós vamos fazer, cada centavo vai estar no Portal da Transparência controlado pela Controladoria-Geral da República [da União].

Jornalista: O senhor sabe dizer quanto vai custar a Copa de 2014 para o Brasil?

Presidente:
Eu não sei dizer quanto ela vai custar no orçamento todo, não tenho na cabeça. Mas o que eu posso dizer é o seguinte: o governo federal, o governo federal tem investimentos em mobilidade urbana, em saneamento básico, em quase tudo que for de infraestrutura o governo federal quer ter uma participação muito forte; o governo do estado também, e o governo federal. Ainda nesta semana foi assinado entre os entes federados - todas as cidades que vão ter a Copa do Mundo e todos os estados - um pacto, um compromisso do que cada um vai ter de responsabilidade, porque dessa vez a gente quer fazer uma coisa que seja exemplar para o Brasil. Aquilo que for necessário gastar, nós vamos gastar para fazer a melhor Copa do Mundo que o mundo já viu, sem precisar, sem precisar fazer nada que seja “elefante branco”. Fazendo apenas as coisas necessárias para dar seriedade, sobretudo a qualidade dos campos de futebol.

Jornalista: O senhor não teme que as cidades saiam endividadas demais?

Presidente:
Obviamente, Adriana, que nós sempre temos que trabalhar no Brasil com equilíbrio, porque o Brasil criou uma doutrina do crescimento potencial. Tinha uma turma que achava que o Brasil não podia crescer mais que 3%, mais que 2%, mais que 2,5%, e freava o crescimento do Brasil. Então, nós tivemos que arrumar a casa. O primeiro mandato foi um primeiro mandato de arrumação de casa. Você sabe que não é qualquer presidente, no Brasil, que tinha coragem de fazer o ajuste fiscal que eu fiz em 2003. Eu troquei o meu capital político pelo ajuste fiscal e valeu a pena. Valeu a pena porque depois o Brasil começou a crescer, começou a crescer, começou a crescer. Começaram a crescer as exportações, começou a aumentar nossas reservas, começou a crescer o mercado e o Brasil se preparou, o Brasil se preparou. Hoje, hoje o Brasil é um país equilibrado. Hoje o Brasil é reconhecido não por mim, por todas as revistas, e por todos os colunistas internacionais e por todos os governos, nas reuniões do G-20, o Brasil é reconhecido como o Brasil que tem a economia mais acertada.

Jornalista: Mas, Presidente...

Presidente:
Quando veio a crise do subprime - que depois a gente percebeu que tinha mais do que um subprime - tinha derivativos, a gente percebeu que tinha bancos com dinheiro podre à vontade. Quando a gente... Quando veio essa crise, muita gente aqui no Brasil esperava “Bom, agora eu quero ver se o Lula tem sorte mesmo e vai conseguir.” Não aconteceu nada no Brasil. Quando eu disse que era uma marolinha, que muita gente disse que era... que eu tinha mais uma vez errado, o que aconteceu? Nós fomos o último país a entrar na crise e o primeiro a sair da crise. E eu digo para os empresários, toda vez que eu os encontro: teve um pouco de covardia dos empresários para dar a brecada que deram no mês de novembro e no mês de dezembro. Não precisava dar aquela brecada que deram, porque eles ficaram com medo. O que aconteceu? Quando chegou nos meses de fevereiro e março, o Brasil já começou a bater recorde de produção de carros, de venda de carros, de geladeira, de máquina de lavar roupa. Por quê? Porque o governo tomou todas as medidas anticíclicas que era possível tomar. E o Brasil, então, deu um salto de qualidade extraordinária e, por isso, nós vamos ter um crescimento excepcional neste, neste ano. Eu sou daqueles, eu sou daqueles, Adriana... eu, eu não, eu não trabalho com a ideia que o país cresça 15% em um ano e no outro ano cresça zero, e depois cresça 10 e no outro ano nada. Eu quero um crescimento sustentável. Se o Brasil crescer 5,5%, 6,5%, ou 5% durante dez anos seguidos, nós viraremos a quinta ou a quarta economia do mundo e vamos melhorar a vida do povo brasileiro, como jamais foi melhorada. É assim que eu trabalho.

Jornalista: Presidente, esse esforço, todo o trabalho de manutenção da estabilidade econômica, de lutar pela estabilidade econômica é reconhecido. A crítica que se faz, agora, é que há muitos gargalos. Estradas, portos sem condições de ampliação, sem investimentos. A crítica que se faz é que falta investir em infraestrutura. Criar ministérios, criar pastas, criar secretarias, pode custar muito, e a infraestrutura sofreu com poucos investimentos. O senhor reconhece isso?

Presidente:
Não. Reconheço...

Jornalista: É o que os empresários reclamam.

Presidente:
Não, não, veja, não é verdade, não é verdade. Ô, Adriana, se você quiser nós fazemos uma reunião com empresários, para você perguntar se algum empresário já ganhou o tanto de dinheiro que ele está ganhando agora! Você pode pegar a Andrade Gutierrez, você pode pegar a Odebrecht, pode pegar a Camargo Corrêa, pode pegar a Queiroz Galvão, pode pegar qualquer empreiteira deste país. Eles nunca tiveram a quantidade de obras que eles têm, nunca, nunca, nunca, nunca tiveram. Digo isso, aqui, sem ter os números na mão. Duvido que nos últimos 30 anos as grandes empresas brasileiras tiveram 50% do que têm de obra, hoje, neste país. Com um agravante: recebem em dia. Eu vou lhe dar um número, apenas. Quando eu cheguei aqui, o Ministério dos Transportes tinha apenas 1 bilhão por ano. Sabe quanto nós temos neste ano, fora o PAC? Treze bilhões. Você sabe quantos quilômetros foram feitos, da Ferrovia Norte-Sul, em 17 anos? Duzentos e quinze. Só no meu governo nós vamos fazer 1.300 quilômetros. Agora estamos fazendo a Transnordestina, que são 1.900 quilômetros. Vamos, ainda neste ano, lançar a pedra fundamental da Oeste-Leste, ligando Ilhéus à Ferrovia Norte-Sul. Vamos terminar até Palmas a Ferrovia Norte-Sul, e vamos levar até Estrela d’Oeste, em São Paulo, para que a gente possa interligar do Porto de Itaqui, no Maranhão, ao Porto de Santos. Nunca, depois do Geisel, que foi o último presidente a fazer investimento em infraestrutura e endividou o Brasil porque teve que tomar dinheiro emprestado, e tomou dinheiro emprestado a 3% de juros ao ano/dólar, e depois o Paul Volcker, para arrumar a economia americana elevou o dólar para 21% de juros, e aí o Brasil quebrou. Depois do governo Geisel, nenhum presidente, mais, conseguiu fazer 5% de infraestrutura, do que nós estamos fazendo neste momento.

Jornalista: Agora, o Brasil precisa de novo aumento de juros? O senhor citou juros.

Presidente:
Veja, deixa eu te contar, ainda de infraestrutura. O Brasil tinha uma balança comercial de US$ 60 bilhões. Nós fomos para US$ 200 bilhões de balança comercial e não tivemos nenhum problema. Conseguimos exportar o que nós queríamos. Nós agora estamos trabalhando em 17 portos simultâneos, fazendo dragagem de portos, fazendo... aumentando os nossos portos, modernizando os nossos portos. Nós não tínhamos mais indústria naval, nós recuperamos a indústria naval brasileira. Nós estamos fazendo todas as estradas. O Canal do São Francisco, que dom Pedro queria fazer em 1847 e não deixaram, nós estamos fazendo para atender 12 milhões de brasileiros que moram no semiárido nordestino. Então, Adriana, eu posso te dizer uma coisa, com muito orgulho: o Brasil nunca conheceu a quantidade de obras que existem hoje no país. Nunca, em nenhum momento da história do Brasil, nós tivemos a quantidade de obras que nós temos no Brasil. Saneamento básico, coleta de esgoto, tratamento de esgoto, habitação. A Caixa Econômica, só para você ter ideia, a Caixa Econômica, neste semestre, ela já investiu mais do que em todo o ano de 2008, que foi um ano excepcional da Caixa Econômica.

Eu vou lhe dar um outro dado, para você saber do que eu estou falando. Quando eu cheguei à Presidência em março de 2003, este país, do tamanho que ele é, tinha apenas R$ 380 bilhões de crédito; hoje nós temos R$ 1,5 trilhão de crédito. A Caixa Econômica tinha, de crédito, 14 bilhões; a Caixa Econômica, hoje, tem 281 bilhões. Então, eu, sinceramente, eu tenho consciência de que eu vou entregar um outro país. Um país com gente menos pobre, um país com os trabalhadores ganhando mais, um país em que a democracia é mais consolidada, um país com a infraestrutura muito mais forte do que nós já tivemos em qualquer momento. “Ah! fizemos tudo?”. Não. Falta muita coisa para fazer, afinal de contas, nós perdemos quase um século. O Brasil, no século XX, de 1950 a 1980, foi a economia que mais cresceu no mundo, e o povo continuou pobre. Nós demos um salto de qualidade, provando que é possível fazer a economia crescer distribuindo renda; fazer a economia crescer aumentando um pouquinho os direitos dos mais pobres. E é por isso que a economia está forte, é por isso que 34 milhões de brasileiros foram para a classe média, é por isso que mais 21 milhões saíram da miséria em que se encontravam.

Jornalista: Para a gente encerrar o bloco, então, Presidente: juros; e eu ainda quero falar um pouquinho de política externa. Juros: o Brasil precisa de um novo aumento de juros?

Presidente:
Olha, você sabe que essa é uma coisa que eu tenho deixado por conta do Banco Central.

Jornalista: A decisão sai hoje.

Presidente:
Há uma coisa, Adriana, que nós temos que ter em conta o seguinte: nós colocamos meta de inflação. Nós temos como instrumento de controlar a inflação, quando ela começa a dar sinais de crescimento, você diminuir um pouco a demanda. Então, você tem que aumentar um pouco a taxa de juros. Se a gente não gostar disso, você tem que mudar. E até agora, nós achamos que deu certo no Brasil, que não precisa mudar, porque... O que é engraçado, no Brasil, é que você tem mais de 60% dos juros do mercado não está por conta da taxa Selic. Você pega todo o dinheiro que o BNDES tem para emprestar, da Caixa Econômica Federal, toda a agricultura, ninguém é financiado pela taxa Selic, é tudo juro muito mais barato. E a economia está dando certo. Então, eu tenho confiança no Banco Central, tenho confiança no Meirelles, e acho que ele tem que ter autonomia para tomar as decisões corretas. E nesses oito anos, a verdade é que nós acertamos mais que erramos.

Quando alguém pergunta para mim: “O juro está alto?” Eu pergunto: Meu Deus do céu, quando eu cheguei aqui esse juro estava em quase 26%. Ele está bem menos do que estava naquela época, e eu acho que ele pode cair mais. Mas para ele cair mais, nós precisamos estabilizar mais a economia e garantir o fim da cultura inflacionária no Brasil. E isso, nós temos tempo para fazer, aprendemos a fazer. Por isso, eu estou muito feliz com a economia, muito feliz. Eu, hoje, sou um presidente feliz porque eu acho que o Brasil, finalmente, o Brasil ganhou autoestima, o Brasil aprendeu que não é vira-lata, as pessoas têm orgulho, as pessoas sabem que nós não precisamos ficar dependendo de palpite de outros. Você não sabe o orgulho que eu tenho! Eu passei dez anos da minha vida carregando faixa “Fora FMI”. Hoje não, hoje nós não só aumentamos a nossa cota no FMI, como emprestamos US$ 14 bilhões para ele, e não devo nada para eles. Você não sabe que o maior orgulho da minha vida foi o dia em que eu chamei o presidente do FMI aqui, o Ratto, o meu amigo espanhol, para dizer para ele: Meu filho, eu não quero o teu dinheiro, pode levar. “Não, mas pode ficar, Presidente, nós não estamos precisando”. Não, quem não está precisando sou eu, pode levar o seu dinheiro. Eu não quero ficar devendo para o FMI porque eu não quero ninguém, de vocês, dando palpite na minha economia.

Então, eu acho que o Brasil, hoje, se encontrou consigo mesmo. De quem é a responsabilidade? Eu acho que é do povo brasileiro, das pessoas que acreditaram, das pessoas que trabalharam, das pessoas que tiveram fé. Eu fui apenas o encarregado, muitas vezes, de tornar prática aquilo que eu aprendi nas 70 conferências nacionais que eu fiz. Eu fiz conferência com tudo o que você possa imaginar, neste país. O orgulho, Adriana, o orgulho do dia em que embaixo daquela ponte, lá no Glicério, eu vi o BNDES assinar o empréstimo de R$ 200 milhões para a cooperativa de catadores de papel, aí eu falei: agora sim, este país (choro emocionado).

Jornalista: É o clima de despedida, Presidente?

Presidente:
(emocionado) Não... Eu acho que é o... é o clima do reconhecimento de que as pessoas passaram a perceber que o Brasil é delas. Eu fiz uma reunião no Palácio do Planalto com os moradores de rua, porque esse Palácio não é só para príncipes, não é só para banqueiros. Eu lembro o dia em que eu trouxe os portadores de deficiência física, porque tinha um debate no Brasil se os cães-guia poderiam entrar em igreja, se os cães-guia poderiam entrar em shopping, se os cães-guia poderiam entrar no metrô, um absurdo! O cão-guia é o olho do cego. Como é que alguém pode deixar o seu olho do lado de fora do shopping ou da igreja? Então, para demonstrar que eles podiam entrar, o que eu fiz? Eu fiz uma reunião dentro do Palácio, com mais de mil pessoas portadoras de deficiência com os seus cachorros. Nenhum cachorro fez nenhum xixi e nenhum cocô dentro do Palácio. Foram embora tranquilamente, guiando os seus donos. Depois, quando eu fiz com os moradores de rua, o discurso deles, o que era? “Presidente, nós não queremos reivindicar nada. Nós só queremos dizer o seguinte: a maior conquista nossa é o fato de a gente estar dentro do Palácio”, coisa que eles jamais pensaram em entrar. (choro emocionado). Acho que eu estou ficando velho...

Jornalista: O senhor está mais emotivo nessa saída, Presidente. É a contagem regressiva, de que a gente falava? Isso tem deixado o senhor...?

Presidente:
Não, não...

Jornalista: Qual é a lembrança que o faz...

Presidente:
Você sabe por que, você sabe por quê?

Jornalista: ... se emocionar?

Presidente:
Eu só vou fazer uma avaliação do governo depois de um certo tempo, porque a gente também não pode... Eu só vou descobrir que tem muita coisa que eu não fiz depois de algum tempo. Eu vou valorizar muitas coisas que eu fiz depois que eu sair do governo... Então, eu acho que vai levar um tempo. Eu tenho ficado mais emocionado e mais motivado porque as coisas estão acontecendo. É como se você tivesse passado o tempo inteiro plantando, um monte de gente olhando a sua roça e dizendo: “Não vai dar nada, não vai dar nada”, “Isso aqui, o cara não soube plantar”, “Esse cara é um metalúrgico...” e, de repente, e de repente a planta brota, cresce, e eu estou colhendo. Colhendo o que todo mundo poderia ter colhido se fizesse igual, se respeitasse o povo. Nesta semana eu tive uma reunião com reitores.

Você sabia que nunca um ministro da Educação e nunca um presidente da República se reuniram com os reitores deste país? De medo, porque os reitores iam reivindicar. E eu, oito anos consecutivos, todo ano eu fiz uma reunião com reitores. Nunca... este dedo, eu não perdi por conta dos reitores, não foi na reunião com os reitores, isso aqui foi em uma metalúrgica, a Independência, lá na Vila Carioca. Então, eu aprendi que governar é você cuidar do país, é você cuidar do seu povo, é você olhar para aqueles mais necessitados. E é tão fácil cuidar do mais pobre! Ele quer tão pouco, ele precisa de tão pouco. Eu não sei porque não fizeram isso há mais tempo. Se a gente tivesse feito isso 50 anos atrás, certamente, o Brasil hoje seria um país, todo mundo de classe média, nós seríamos a segunda, a terceira, ou a quarta economia do mundo. É isso. Então, eu penso que nós aprendemos, e daqui para frente nós vamos ter que tirar o atraso.

Jornalista: Presidente, eu vou aproveitar que o senhor está com o coração aberto, para fazer o que eu programei para a parte final da entrevista. Mas o senhor está me pautando aqui, mudando o meu roteiro. Não tem problema. Podemos seguir então falando de balanço? Já que o senhor...

Presidente:
Podemos.

Jornalista: O senhor começou, o senhor abriu a porta. Podemos seguir?

Presidente:
Podemos.

Jornalista: Então, vamos lá. Presidente, o senhor sai do governo como um dos presidentes, talvez o presidente mais popular da história deste Brasil. Qual é o segredo Lula para 80% de aprovação?

Presidente:
Ora, eu penso que é a relação que eu tenho com o povo. Eu acho que a minha história de vida ajudou muito, e acho que o resultado do que nós estamos fazendo. Uma coisa, Adriana, você sabe, você é jornalista, que se dependesse de alguns jornais, se dependesse de algumas televisões e se dependesse de algumas rádios – eu estou falando “algumas” para não generalizar – eu teria zero na pesquisa.

Jornalista: O senhor se sente... sente que foi perseguido pela imprensa?

Presidente:
Não... porque... não, perseguido não. Eu não me acho perseguido, nunca. Eu agradeço sempre à imprensa porque eu sou presidente, também, por causa da imprensa. Mesmo quando ela me criticava, ela falava o meu nome. Mas, mas, como jornalista, você sabe que nós não somos tratados, na minha opinião, até com o respeito que deveríamos ser tratados, muitas vezes, e eu nunca me queixei. Nunca, nunca trouxe aqui na minha sala um dono de televisão, de rádio ou de jornal para me queixar. Faça o que quiser, este país é livre.

Jornalista: Em nenhum momento o senhor tentou controlar a imprensa?

Presidente:
Em nenhum momento. Aliás, eu duvido que este país já tenha vivido um momento de democracia, como ele vive hoje. E o governo, muitas vezes, é ofendido, a figura do presidente é ofendida, a figura do vice é ofendida, a figura de ministro é ofendida. E eu digo: Oh, ninguém deve assimilar o ódio, porque se a gente tiver o mesmo ódio que eles têm de nós, a gente vai ter azia, vai ter gastrite, a gente não vai dormir. Deixa eles ficarem com insônia, e vamos nós continuar trabalhando. Então, quando as políticas públicas dão resultado, Adriana, não tem jeito.
Veja, quando nós fazemos ligações no programa Luz para Todos para quase 2,5 milhões de residências, atendendo a mais de 13 milhões de pessoas, nós estamos trazendo pessoas do século XVIII para o século XXI, ou seja, tirando das trevas e colocando elas no ano [da] luz. Eu lembro que eu fui à Bahia, às sete horas da noite, e tinha uma mulher sentada na cozinha, com três filhos. Eram duas mulheres, mães solteiras. Tinha três crianças tentando ler alguma coisa em uma lâmpada... em uma lata de refrigerante com pavio, as crianças lendo, e aquela fumaça na cara das crianças. Quando eu peguei o dedo da mulher, que pus na tomada, apertei a tomada e acendeu a luz, para aquela mulher não pode ter tido um milagre maior do que aquilo! Aí, depois da luz vem a televisão, vem a geladeira, vem o liquidificador, o cidadão pode tomar uma cervejinha gelada. Você sabe o que é tomar cerveja quente? Quando a gente é pobre, a gente compra cerveja no supermercado porque é mais barata, a gente não compra gelada, no bar. Então, quando a pessoa não tem nada, põe embaixo da pia, outros cavam um buraco e enterram. Eu, eu, sabe o que eu fazia na Vila Carioca, na rua Auriverde, 1.156? A casa existe hoje, ela existe hoje, e mora um tio meu. Eu comprava cerveja quente, a gente colocava dentro de um balde, descia dentro do poço e deixava lá uns 40 minutos, para ver se a água, lá no fundo do poço, gelava um pouquinho a geladeira... a cerveja. Você imagine uma dona-de-casa poder não perder a carne dela? Antigamente... como é que você guarda a carne? Você salga. Antigamente, o pessoal pegava um porco, matava, derretia toda a gordura, colocava em uma lata, pré-cozinhava a carne, colocava a lata [carne] dentro da banha e, quando queria, tirava um pedaço. Agora, não. Agora a pessoa põe na geladeira. Então, esse milagre, o milagre do Bolsa Família, o milagre... Quando a gente determinou que 30% da merenda escolar fossem comprados em cada município para ajudar a agricultura local, é um milagre da multiplicação dos pães.

Jornalista: Presidente, interrompendo o senhor um pouco, mas eu... O senhor faz uma avaliação desse seu governo, isso virou até um bordão do senhor: “Nunca antes na história deste país”, para mostrar todos os avanços que o senhor considera que conquistou para o Brasil, não só para a economia e para o país. A oposição diz que o senhor é um grande sortudo, que o senhor recebeu o governo com todas as bases da estabilidade econômica já implementadas, teve a responsabilidade de mantê-las, batalhar pela estabilidade econômica que já estaria com os pilares implementados. O primeiro mandato não teve crises mundiais e, quando veio a crise americana, o Brasil já estava mais vigoroso, com a economia mais vigorosa, para ultrapassar. O senhor é um sortudo como diz a oposição, ou é pura inveja isso?

Presidente:
Olha, primeiro, eu duvido que tenha uma empresa jornalística que contrate uma entrevistadora que não tenha sorte. Duvido que tenha um time que contrate um goleiro que não tenha sorte. Então, o país precisa de um presidente que tenha sorte. Agora, para essa sorte acontecer é preciso muito trabalho, muito trabalho. Eu vou lhe dar um dado, Adriana, porque essas coisas precisam ser... Nunca antes na história do país, desde que dom Pedro... desde que Cabral pôs os pés aqui, eu, sozinho, em oito anos, viajei mais no continente africano do que todos eles. Nunca antes na história do Brasil os presidentes do Brasil tiveram preocupação em viajar para a América Central. Eu viajei para quase todos os países da América Central e do Caribe. Por quê? Porque nós tomamos a decisão de diversificar as relações do Brasil, sejam políticas, culturais ou comerciais. Nós éramos muito dependentes dos Estados Unidos e muito dependentes da União Europeia. Quando eu cheguei ao governo, nós tínhamos 5 bilhões, de balança comercial, com a África. Hoje, nós temos 26 bilhões. Nós tínhamos menos de 5 [bilhões] com o Oriente Médio. Hoje, nós temos 20 bilhões. Nós tínhamos pouco com a América do Sul. Hoje, a América do Sul, a América Latina, é o nosso maior parceiro comercial. E por que eu queria diversificar? Porque a gente não pode ficar dependendo apenas de um. Porque, quando você depende apenas de uma farmácia, apenas de um médico, e ele se vai, como é que você fica? A gente aprende. Olha, quando um médico disser que você está doente, procure outras opiniões. Não vá ser operado na primeira opinião. Então, na política é a mesma coisa. Então, quando eu falo “nunca antes na história deste país”, é porque eu não consigo compreender, ô Adriana, como as pessoas tão inteligentes que governaram este país esqueceram de fazer o óbvio. Você não tem que inventar, a arte de governar é você fazer o óbvio, as coisas simples, as coisas que não precisam de grandes discussões. Então, veja: nós pegamos uma inflação indo para a casa dos 12%, nós pegamos um país que não tinha crédito para pagar as suas importações...

Jornalista: Mas o senhor reconhece, Presidente, que o sucesso da Era Lula teve a ajuda da Era FHC?

Presidente:
Eu reconheço que teve a ajuda da Era Getúlio Vargas, da Era dom Pedro... Todo mundo fez um pouco neste país. Alguns jogaram fora o que fizeram, alguns jogaram fora. Eu até... até... eu não gosto mais de fazer comparação com a Era do Fernando Henrique Cardoso, porque ele sofre demais. Acho que nem os governadores dele vão colocar ele defendendo a Era dele na televisão, nem isso eles vão fazer. Porque eu topo discutir qualquer número, mostrar na televisão os números: o que era o Banco do Brasil, o que é hoje; o que era a Caixa Econômica, o que é hoje; o que era o BNDES, o que é hoje; o que era o crédito; o que era a agricultura familiar, o que é hoje... Sabe? Nós podemos discutir qualquer coisa, qualquer coisa, qualquer coisa. Por quê? Porque eu acho que nós tomamos como decisão incluir mais gente na cidadania brasileira. O Brasil não poderia continuar sendo governado para 35 milhões de pessoas. Eu vou lhe dar um exemplo agora, que eu sei que os seus telespectadores vão entender: eu fui ao BNB, Banco do Nordeste, que tem a sede em Fortaleza. Em 2002, o BNB tinha emprestado R$ 262 milhões. Inadimplência: 37,5%. Em 2008, ou melhor, 2009, o Banco do Nordeste emprestou R$ 22 bilhões; emprestou R$ 1,3 bilhão para um milhão de pessoas, as pessoas mais pobres, que tomam R$ 1 mil, R$ 800. Sabe qual a inadimplência? 3,3%. Qual é o aprendizado que nós temos disso? É que uma pessoa muito rica sente orgulho de dizer que deve: “Olha, eu consegui 10 bilhões emprestados, eu consegui 50 bilhões emprestados”, ele gosta. O pobre, não. O pobre, ele paga o que ele toma emprestado porque o único patrimônio dele é o seu nome. Então, ele não gosta de passar por trás da padaria, ele gosta de passar pela frente e cumprimentar o dono da padaria pelo nome. É por isso que nós fortalecemos o microcrédito, é por isso que nós criamos o crédito consignado. São R$ 120 bilhões que estão no mercado hoje, pobre pegando dinheiro no banco para poder comprar as coisas. Então, eu acho que o Fernando Henrique Cardoso teve um momento importante, o primeiro mandato do Fernando Henrique Cardoso, o Plano Real foi importante, a URV, que nós, equivocadamente... eu falei mal, fiz uma campanha falando mal. Mas onde foi o suicídio político? O suicídio político foi, primeiro, a tese da reeleição e, segundo, não se dar conta do câmbio, não fazer a mudança do câmbio, por conta da eleição de [19]98. E este que vos fala não deixará de tomar nenhuma medida, por mais que ela seja dura para mim mesmo, por causa de uma eleição. A nação vale mais do que uma eleição. A eleição é uma coisa passageira e a nação é eterna.

Jornalista: Estamos de volta, conversando com o presidente Lula. Agora, Presidente, para falar de sucessão presidencial. Por força da Lei Eleitoral, as emissoras de TV não podem fazer perguntas e comentar sobre nenhum candidato. Eu vou me concentrar, então, nos fatos dessa sucessão, dessa campanha, que envolvem o senhor. O senhor foi multado seis vezes pela Justiça Eleitoral por propaganda irregular. O senhor admite que feriu a Lei todas essas vezes?

Presidente:
Ora, tanto é que eu não admito, que nós entramos com recurso em todas elas. Ganhamos algumas e perdemos outras.

Jornalista: Por que a Justiça entende que o senhor desrespeita a Lei?

Presidente:
Olha, veja, eu acho que a Justiça deve ter suas razões para entender que eu desrespeito a Lei quando eu falo o nome de um candidato. E, outro dia, eu culpei o próprio Congresso Nacional, que precisava definir melhor as regras do processo eleitoral. Eu vou lhe contar um episódio, para não ficar falando de pessoas. Quando eu criei a Olimpíada de Matemática, em 2005, foi um sucesso, se inscreveram 10 milhões de pessoas. No ano de 2006 tinha eleição presidencial. Ora, eu não estava fazendo propaganda minha, eu estava fazendo propaganda, que era um cartaz dizendo: “Matricule-se para participar da Olimpíada de Matemática”. A Justiça, simplesmente, proibiu aquilo.

Jornalista: A Lei é rígida demais?

Presidente:
Eu não acho que a Lei é rígida, o juiz interpreta a lei que é feita pelo Congresso Nacional. Eu acho que quem tem que ser mais claro é o Congresso Nacional, e eu tenho conversado muito com os deputados sobre isso. Veja, eu jamais, jamais, até porque eu sei da responsabilidade que eu tenho como Presidente da República, e eu sei o exemplo que eu devo ser para a nação brasileira, eu jamais iria fazer qualquer coisa para desrespeitar a lei. Ou seja, eu tenho tentado me portar dentro do limite daquilo que eu recebo orientação dos meus advogados: “Isso pode, isso não pode”, e falar. E, muitas vezes, mesmo aquilo que dizem que eu posso, eu não posso, no entendimento de um juiz. Quando ele toma a decisão, nós entramos com recurso e vamos julgar, para ver o que acontece. Eu, jamais me passou pela cabeça, nem quando eu não era Presidente, muito menos como Presidente, desrespeitar a Lei Eleitoral, até porque se eu der esse exemplo eu vou garantir que ninguém mais queira respeitar coisa nenhuma neste país. E eu acho que o Poder Judiciário é um dos pilares, um dos sustentáculos da garantia democrática deste país.

Jornalista: No último fim de semana, eu imagino que o senhor tenha visto, o senhor foi apresentado por uma revista, a revista Veja, como um rei, com a coroa na cabeça e acima de todas as leis, que passa um mau exemplo para o cidadão brasileiro, desrespeitando as leis. Como o senhor responde essa crítica?

Presidente:
Primeiro, que eu não vejo essa revista, portanto, para mim não quer dizer nada, isso. Veja, eu me comporto como um brasileiro que respeita não apenas a lei, mas como respeita as decisões tiradas no governo. Eu aprendi a respeitar decisão no time que eu jogava, na Vila Carioca, quando eu era jogador de várzea, e depois no sindicato. Eu duvido que tenha tido um presidente da República que tenha sido mais democrático do que eu e mais respeitador das leis do que eu. Pode ter sido igual, pode ter sido igual. Eu poderia pegar uma coisa, para dar como exemplo, a questão dos direitos humanos, o último documento que nós fizemos, dos direitos humanos, como o documento foi demonizado. Aí, eu fui pegar o documento de [19]96, e fui pegar o documento de 2002, era muito mais duro, muito mais sectário do que o nosso. Entretanto, naquela ocasião ninguém falou nada. Então, você sabe o comportamento de algumas revistas, com relação ao governo, antes, durante e depois. Como eu não preciso deles para nada, para nada, eles têm liberdade de dizer o que eles quiserem a meu respeito, e eu quero ter liberdade de dizer o que eu penso deles, do jeito que eu quiser. Não posso dizer tudo, porque eu sou o presidente da República.

Jornalista: Vai dizer, um dia?

Presidente:
Sei lá, um dia, quem sabe...

Jornalista: No processo eleitoral, Presidente, o senhor disse que o Brasil não pode passar por retrocessos. Do que o senhor estava falando? Que retrocessos?

Presidente:
Olhe, nós temos candidatos, cada um com a sua característica, cada um com a sua vontade, cada um com a sua aptidão. Eu, quando indiquei uma candidata, é porque eu indiquei uma pessoa que estava infinitamente mais preparada do que os demais, apesar de eu ser amigo de todos. Eu sou amigo da Marina, eu sou amigo do Serra e sou companheiro de partido da Dilma. Eu acho que o Brasil precisa de alguém mais preparado, alguém que tenha sustentação política para fazer uma coisa, sabe, que continue as políticas para os mais pobres, que continue a luta contra o desmatamento, que continue fazendo a inclusão social... Então, eu estou convencido de que eu fiz a escolha correta para o Brasil, estou convencido. Agora, obviamente que eu sou um democrata e o que o povo decidir será... quem for eleito, será o presidente que eu vou respeitar.

Jornalista: Agora, Presidente, quando o senhor afirma que o Brasil não pode passar por retrocessos, o senhor não está falando de um risco, caso a oposição ganhe? Assim como o senhor disse um dia que falaram “risco Lula”, e nada do que temiam em relação ao “risco Lula” aconteceu?

Presidente:
Mas falaram. No meu caso, chegaram a falar até que 800 mil empresários iriam embora para Miami. Bom, eu não vou dizer tudo o que já falaram de mim, eu não vou dizer tudo o que já falaram, porque todos vocês sabem o que falaram, o que fizeram, o terrorismo que praticaram contra mim... Eu fico triste quando eu vejo um homem da história do Serra dizer que o PT é ligado às Farc, eu fico triste. Porque o mínimo que eu esperava do Serra é que ele respeitasse o PT. Porque o Serra sabe que a gente tem afinidade histórica, a gente pode ter divergência político-ideológica agora, mas ele jamais poderia dizer uma insanidade dessa contra o PT, jamais.

Jornalista: Essa é uma denúncia que surgiu novamente.

Presidente:
Não, é uma... Todo ano falam isso, todo ano falam isso. Aí, quando faz pesquisa, qual é o partido da preferência do povo? O PT aparece com 30% e eles aparecem com 2 [%]. Talvez porque só saibam falar mal. As pessoas precisam aprender a falar bem de alguém, ou pelo menos reconhecer alguma coisa. O mundo não é... Nesses dias, eu vi o nosso adversário fazer uma crítica, dizendo que o BNDES está privatizando os recursos públicos, porque nós estamos emprestando o dinheiro para as empresas privadas. Ora, meu Deus do céu! O BNDES vai emprestar dinheiro para quem? Só para as empresas estatais? Ou o BNDES é o banco de desenvolvimento para emprestar dinheiro para quem quiser? Para a Record, para a Globo, para o SBT, para a TV Cultura. É financiamento. Quem quiser pagar, vai pagar e vai ter o dinheiro emprestado. Então, quando as pessoas começam a entrar nesse processo de embolamento na cabeça, fica difícil. A gente não ganha a eleição falando mal dos outros. Eu perdi três eleições falando mal de todo mundo. O dia em que eu resolvi reconhecer que nem tudo era tão ruim, eu ganhei as eleições.

Jornalista: O senhor gostaria de falar com o candidato José Serra sobre essa afirmação que ele fez da ligação do PT com as Farc?

Presidente:
Eu estou falando via você. Espero que ele ouça.

Jornalista: Pessoalmente?

Presidente:
Espero que ele tenha abertura suficiente para ver outro canal de televisão. Espero que ele utilize o controle remoto e mude de canal, para ele ver que tem coisa acontecendo, que ele está equivocado, ele está muito equivocado. Eu tenho acompanhado algumas críticas dele, que eu acho que ele não pensa aquilo, eu acho que ele não acredita naquilo. E se ele tem algum assessor orientando ele, esse assessor não é tão amigo dele, porque está no caminho errado.

Jornalista: O Brasil está com a democracia consolidada e a economia forte o bastante, para qualquer candidato que o eleitor escolher nas urnas?

Presidente:
Veja uma coisa... Eu não vou chorar, não.

Jornalista: Fique à vontade.

Presidente:
Eu estava na Índia no dia em que a Índia anunciou US$ 100 bilhões de reservas. Aquilo me deu uma sensação de poder, uma sensação de fortaleza que eu pensei: Puxa vida, o dia, o dia em que o Brasil tiver US$ 100 bilhões de reservas, nós vamos ser o máximo. Hoje nós temos 255 bilhões de reservas, até essa hora; talvez o Meirelles já tenha comprado mais alguns. Hoje nós somos o sexto ou sétimo país em reservas em dólar, em moeda estrangeira. Isso é uma garantia excepcional para um país, excepcional para um país. Você veja que quando veio a crise americana, que todo mundo se apavorou... Eu, naquela época, eu achava que o Bush deveria ter chamado o Obama e ter tomado decisão rápida. Eu falei com eles, falei com o presidente Bush: “Nessa crise não pode demorar para tomar decisão, tem que ser rápido”. Possivelmente, com 60 ou 70 milhões, naquela época, em julho de 2008, teria se evitado que o Lehman Brothers quebrasse.

Aqui, no Brasil, quando eu tomei a decisão de comprar a Nossa Caixa, diziam para mim: “Ô Lula, pelo amor de Deus, você é louco. Você vai comprar a Caixa do governador Serra? Ele é candidato contra você. Você vai dar 6 bilhões na mão dele?” Eu falei: “Eu não estou preocupado com a candidatura do Serra, eu estou preocupado em fazer o Banco do Brasil voltar a ser o maior banco do Brasil”. Aí, eu descobri que, na crise, faltou crédito e não tinha carteira para financiar carro utilizado. Eu chamei o companheiro do Banco do Brasil e perguntei: “Como é que a gente faz para financiar carro usado? Vocês têm expertise para isso?”. Porque eu também aprendi a falar a palavra “expertise” aqui na Presidência. “Vocês têm expertise para isso?”. “Não, Presidente, nós precisamos formar quadro” Eu falei: “Quanto tempo demora?” “Ah, vai tempo”. “Então, meu filho, vamos parar com isso. Vamos comprar um banco”. Fomos atrás do Banco Votorantim, e compramos 50% do Banco Votorantim, que tinha uma carteira de R$ 90 bilhões de financiamento de carro usado. Acabou o negócio da expertise.

Jornalista: Então, agora, eu preciso de expertise, Presidente, para te fazer responder minha pergunta: o Brasil está preparado para qualquer candidato que vença a eleição?

Presidente:
Eu acho, eu acho que o Brasil não corre risco. Obviamente que o Brasil não pode eleger um, um louco, uma pessoa que não respeite a democracia, uma pessoa que não respeite o Congresso Nacional, uma pessoa que não respeite os partidos, uma pessoa que não tenha respeito pela sociedade.

Jornalista: Mas o senhor vê esse risco nos três principais candidatos?

Presidente:
Não, veja, eu acho que os três principais candidatos têm qualidades extraordinárias. A única diferença é que eu acho que a minha candidata tem mais.

Jornalista: Presidente, o senhor teme uma campanha de baixaria? O senhor reclamou da acusação feita contra o PT, de ligação com as Farc, já respondeu isso. O senhor teme uma campanha de troca de insultos, acusações sem provas? A propaganda na TV nem começou e é o que o eleitor está vendo agora.

Presidente:
Quem fizer isso, vai perder a eleição descaradamente. Quem fizer jogo rasteiro vai perder a eleição descaradamente. Ou seja, ou as pessoas aprendem a elevar o nível do debate político, em função das coisas que o povo brasileiro precisa e necessita, ou se a pessoa achar que ficar atacando os outros, fazendo acusações sem provar, falando de defeito de pessoas vai ganhar as eleições, pode tirar o cavalo da chuva. Esse povo aprendeu a ter autoestima, esse povo aprendeu a gostar do Brasil, e esse povo, se Deus quiser, está aprendendo a escolher as pessoas certas para governar este país.

Jornalista: Para encerrar, Presidente, o assunto “eleições”, mais um fato desta eleição: a Receita Federal reconheceu que os dados fiscais do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, foram acessados. O senhor pode se comprometer a esclarecer esse caso antes da eleição?

Presidente:
Veja, primeiro, quem tem que esclarecer é a Receita Federal.

Jornalista: O senhor é o chefe do Governo Federal.

Presidente:
Somente ela, somente ela. A Receita Federal é intocável. Até para o presidente da República, a Receita Federal é tão intocável que, se eu pedir a declaração do meu pior inimigo, a Receita precisa me denunciar. Somente assim a gente vai garantir a manutenção do processo democrático deste país. A Receita Federal não pode estar a serviço de A, B ou C. A Receita Federal tem que estar a serviço do sigilo que este país precisa sobre as declarações das pessoas.

Jornalista: O acesso aos dados do vice-presidente do PSDB pode ter sido um jogo rasteiro?

Presidente:
Eu não sei. Eu não sei, porque no Brasil tem gente especialista em fazer dossiê. A história mostra. A gente não precisa ficar lendo só o jornal de amanhã. É ler o jornal de algum tempo atrás, que a gente vai ver. Tem gente que acha que isso é sucesso. Eu acho isso um desastre, acho um desastre. Eu posso te garantir uma coisa, Adriana – é como se eu estivesse falando para a minha mulher, para o meu filho ou para a minha mãe, que é a pessoa que eu mais adoro: se eu tiver informação de que alguém da Receita Federal vazou a declaração do Eduardo Jorge ou a de qualquer outra pessoa neste país, esse cidadão será exonerado a bem do Serviço Público, uma hora antes. Porque, senão, a gente não garante a democracia neste país. E todo mundo que me conhece sabe, inclusive os meus adversários sabem: eu posso ter todo o defeito do mundo. Agora, tem uma coisa que eu não abro mão, que é a lealdade no meu comportamento em relação às pessoas. É isso.

Jornalista: Presidente, preparado para abrir o coração, para a nossa reta final da entrevista, vamos para um bate-bola? O senhor que gosta de bate-bola.

Presidente:
Estou pronto.

Jornalista: Então, vamos lá. Oito anos, Presidente. Agora, nesses últimos dias, nesses últimos meses. Quando o senhor põe a cabeça no travesseiro, qual é a lembrança que vem à sua mente?

Presidente:
Nessa semana toda, a lembrança que vem à minha mente foi o encontro que eu tive com os quase 400 estudantes da periferia, do ProUni que se formaram em Medicina. Você não imagina o... Eu cheguei em casa, eu quase que não conseguia dormir, de ver meninas e meninos pobres da periferia, que jamais poderiam estudar Medicina, por conta do ProUni se formaram, e no ano que vem, se Deus quiser, já estarão fazendo a sua Residência e trabalhando. Foi... se eu morresse naquele dia, para mim já teria valido a pena ter passado pela Terra.

Jornalista: Qual foi a sua maior glória?

Presidente:
Olha, eu acho que a minha maior glória não foi minha, foi do povo brasileiro ter tido confiança no torneiro mecânico que só tem o quarto ano primário para ser Presidente da República deste país.

Jornalista: O seu maior erro?

Presidente:
Eu acho que o meu maior erro foi o meu maior acerto, ou seja, eu errei na campanha de [19]89, sobretudo naquele último debate. Eu passei praticamente 28 horas sem dormir antes do debate, o que era um crime para qualquer debatedor minimamente experiente, e eu perdi aquelas eleições. Eu agradeço a Deus de não ter ganhado em 89 e ter ganhado somente em 2002, porque eu estava mais maduro, mais calejado, mais preparado, eu estava mais no ponto, possivelmente, se eu tivesse vindo tão cedo, eu não tivesse tido condições de fazer tudo que nós fizemos agora.

Jornalista: Como Presidente o senhor não errou?

Presidente:
Ah, devo ter errado muito. É aquilo que eu digo sempre às pessoas: quando você deixa a Presidência da República, você passa a ser que nem um vaso chinês, esse vaso maravilhoso, bonito, que a câmera deve mostrar em algum momento aí...Quando você é Presidente você é esse vaso, quando você deixa de ser Presidente, você fica preocupado onde guardar esse vaso chinês, porque você passa a não ter mais importância, não tem lugar para você. Todo mundo pergunta: “Ô, Lula, o que você vai fazer quando você deixar a Presidência?”. Eu vou voltar para casa, ora!

Jornalista: São Bernardo do Campo?

Presidente:
Para São Bernardo do Campo.

Jornalista: Para a mesma casa?

Presidente:
Para a mesma casa, para o mesmo apartamento. Isso aqui não é um emprego, isso é o exercício de uma função que tem data para entrar e data para sair. Então, as pessoas ficam incomodadas. Eu vou voltar para casa, obviamente que eu vou continuar fazendo política, eu sou um político por natureza.

Jornalista: Como? Fazendo política...atuando como?

Presidente:
Eu só não quero participar de mais reunião de partido político. Pelo amor de Deus! Eu estraguei tantos sábados da minha vida fazendo reunião. Sábado de sol, que eu saía para a reunião do PT; sábado de sol que eu saía para reunião da CUT; sábado de sol que eu saía para a reunião do sindicato, minha mulher, em casa com as crianças: “Vamos não sei para onde, vamos para a represa, vamos para a praia, vamos não sei para onde”, e eu não fui. Então, isso eu não faço mais. Eu, agora, posso participar, até dia de semana, de reunião, mas pelo amor de Deus, não me convoquem mais para uma reunião de domingo, não.

Mas, eu acho que...uma coisa que eu quero fazer de coração, Adriana: eu acho que nós precisamos socializar para o mundo aquilo que foram os acertos das políticas públicas que nós conseguimos colocar em prática neste país.

Você sabe que eu tenho orgulho, porque não é pouca coisa. Eu sou o único presidente da República do Brasil que não teve diploma universitário, e sou o presidente da República que mais fiz universidades na história deste país. Em 93 anos, todos eles juntos fizeram 140 escolas técnicas. Eu, em oito anos, vou entregar 214 escolas técnicas. Então, isso, para mim, é um orgulho, é um orgulho. E Deus queira, Deus e Nossa Senhora Aparecida, que quem vier depois de mim faça muito mais, me humilhe, que faça 500 escolas técnicas, que faça 50 universidades, que dobre o salário mínimo mais do que eu já dobrei, ou seja, Deus queira que aconteça isso.

Jornalista: No primeiro sábado de sol, sem a faixa de Presidente, o que o senhor vai fazer como cidadão comum?

Presidente:
Ah, meu Deus do céu, eu ainda não pensei. Eu fico, eu fico pensado o que vai ser da minha vida no dia 2 de janeiro de 2011, quando eu já estiver lá em São Bernardo, que levantar de manhã, não ter ninguém para xingar, não ter ninguém para eu ficar bravo, não ter ninguém para eu pedir para fazer uma ligação para mim, eu e a Ma... Não tem mais os filhos em casa, porque todos estão morando fora de casa. Vai ficar eu e a Marisa olhando um para a cara do outro, e ela pergunta: “E agora, Lulinha?” E eu falo: “E agora, Marisa?”

Jornalista: E o Lulinha vai responder como?

Presidente:
Eu vou dizer: “Vamos tocar a vida, vamos procurar o que fazer”. Eu acho que eu já dei minha contribuição para o país, acho que... Se daqui a uns 10 meses a Record resolver pedir para você fazer uma entrevista comigo, para saber como é que eu estou me sentindo, aí eu vou poder ter uma reflexão mais profunda daquilo que eu deixei de fazer, daquilo que eu não fiz. Eu, por exemplo, não fiz a reforma política que eu queria fazer, mas vou brigar para que o PT assuma a responsabilidade de fazê-la.

Jornalista: Esse foi um erro?

Presidente:
Não é que é um erro. É que não era obrigação do presidente da República, era obrigação dos partidos políticos e do Congresso Nacional. Eu mandei duas propostas de reforma tributária, não foram votadas, porque tem um inimigo oculto. Todo mundo concorda com os projetos. A proposta que o Guido Mantega levou para o Congresso Nacional, os empresários concordavam, os governadores concordavam, os deputados concordavam, os sindicatos concordavam. Quando chega no Congresso, ela não anda.

Jornalista: Presidente, do que o senhor vai sentir falta, quando o senhor tirar a faixa de Presidente, na intimidade da vida do senhor, como cidadão comum, político mas sem ser Presidente, do que o senhor vai sentir falta?

Presidente:
Ah, eu acho que eu não vou sentir falta. Eu não acho porque, veja... Obviamente que e vou sentir falta dos meus companheiros, dos meus amigos, da convivência de oito anos que eu estabeleci com meus companheiros. Mas, da função, eu acho que eu sabia que eram quatro anos de mandato, me deram mais quatro anos, ou seja, eu vou ter que transformar as outras coisas que eu vou fazer em coisas prazerosas.

Jornalista: O senhor já pensa no discurso da despedida? O senhor certamente não vai se lembrar disso. Eu me encontrei com o senhor, como repórter, no elevador do STF, quando o senhor subia para receber o diploma. Eu consegui, como repórter, burlar, ali, a segurança e entrar no subsolo do Supremo, e consegui pegar o senhor no elevador, entrando com a dona Marisa, e o senhor falava naquela época de um coração mais palpitante, de emoção, o senhor chorou ao receber o diploma... Como é que vai ser o momento de dizer adeus?

Presidente:
Então deixa eu te contar uma coisa: eu não penso em dizer adeus. Porque eu vou andar muito pelo Brasil. Eu vou... eu tenho planos, eu vou voltar a viajar o Brasil inteiro. Ou seja, cada estado deste país eu vou voltar a visitar. Eu tenho vontade de voltar a fazer caravana para ver o que aconteceu nas coisas. Ou seja, eu quero voltar a andar. Uma coisa é certa: eu aprendi a conviver com esse povo durante tantos anos, que eu utilizava “eu não governo, eu cuido desse povo”.

Jornalista: O senhor tem...

Presidente:
...com o carinho que eu cuido da minha família.

Jornalista: O senhor tem um plano, um sonho de voltar Presidente...

Presidente:
Não.

Jornalista: ...em 2014 ou depois?

Presidente:
Não, não, não, não, não tenho. Não tenho. Eu te falo de coração, porque, qualquer coisa que eu falar, você vai dizer que não é verdade. Veja, eu trabalho para eleger uma candidata. Se essa candidata for eleita, ela tem o direito de ser candidata outra vez. Tem gente que é tão maquiavélica que prefere que o adversário ganhe para ele poder voltar quatro anos depois. Eu não quero, eu quero que a minha candidata ganhe. Portanto, não trabalho... Agora, também, em política, a gente nunca pode dizer “não”. Sabe? “Nunca mais eu vou fazer isso”. A gente nunca pode dizer. Agora, eu acho que eu já cumpri com a minha obrigação como presidente do Brasil. Eu, se tiver juízo e tiver os meus neurônios perfeitos, eu me contentarei em ser um bom ex-presidente da República, sem dar palpite na vida de quem está governando.

Jornalista: Agora, sucessão, uma pergunta que a lei eleitoral não te proíbe de responder. Quem é o seu sucessor no lugar do Dunga? Essa o senhor pode responder!

Presidente:
Olhe... não, eu posso. Eu tenho quatro pessoas que eu respeito e gosto: Eu tenho o Felipão, que é o que nos traz a imagem de maior saudade, porque foi campeão em 2002; eu tenho o Luxemburgo, que eu acho sempre um grande técnico brasileiro; tem o Muricy, que ganhou tantos títulos pelo São Paulo e está agora recuperando o Fluminense; e tem o Mano Menezes, do meu Coringão, que eu não gostaria que ele deixasse o Coringão agora.

Jornalista: Então, se fosse eleição, o senhor votaria em quem?

Presidente:
Ah, eu, sinceramente, votaria no Felipão. Agora, o Felipão está com um problema, que ele tem contrato com o Palmeiras até 2012, e a Seleção não pode ficar esperando, porque tem que ter um técnico já, porque tem que formar a Seleção de 2014. Nós precisamos começar a convocar meninos de 21 anos, de 20, de 19, de 22, para quando chegar à Copa ele estar com 25, 26 anos, estar maduro e preparado. Então, a gente não pode... Tem muitos jogadores que disputaram essa Copa que estarão com a chuteira pendurada, já em 2014. Então, o técnico que for chamado agora será... ele não vai convocar, ele vai formar a Seleção brasileira. É diferente. Então, ele tem que ser menos mandão e mais líder, porque é diferente. O cara mandão é aquele cara que você tem medo, o líder é aquele cara que você respeita. Então, eu acho que o Felipão ficaria bem.

Jornalista: Faltou um líder nesta Copa?

Presidente:
Eu acho que faltou.

Jornalista: Um jogo do Corinthians pode ser uma boa programação para o Lula pós faixa presidencial?

Presidente:
Ah, pode ficar certa, pode ficar certa, pode ficar certa que muitas torcidas vão me ver voltando ao estádio de futebol, para torcer para o meu time, se Deus quiser.

Jornalista: O senhor deixa a Presidência tranquilo?

Presidente:
Tranquilo, com a consciência tranquila. Ainda tenho muita coisa para fazer, eu tenho muita obra para inaugurar, tem muita coisa, mas tem muita coisa para fazer mesmo. Mas eu deixo com a consciência tranquila, de dever cumprido, de dever cumprido. Tanto é que eu vou pedir para cada ministro meu me entregar uma prestação de contas registrada em cartório. Não adianta tentar alguém me enganar, não, mentir para mim. Eu quero cada centavo, cada coisa que foi feita registrada em cartório, que eu quero dar para cada universidade brasileira, para cada diretor de jornalismo de cada televisão, de cada rádio, de cada jornal, para cada dirigente sindical, para cada deputado. Eu quero que as pessoas saibam o que eu fiz e o que eu não fiz. Eu não quero ter vergonha nem do que eu fiz, nem do que eu não pude fazer.

Jornalista: E as últimas palavras desta entrevista, para o povo brasileiro?

Presidente:
Olha, eu sou, sou uma pessoa que sou agradecido, Eu acho que o povo brasileiro foi muito generoso comigo, acho que Deus foi muito generoso comigo. Eu agradeço a Deus todo santo dia. Eu tenho Cristo pendurado na minha sala, ali, que é para todo dia, de manhã, conversar com ele, agradecer, e, de noite, me despedir dele, agradecendo o dia que eu tive.

Eu acho que valeu a pena o povo confiar em mim. Obviamente que eu sei que eu não fiz tudo, mas eu sei que nós demos um passo importante. Então, eu sou grato, grato, grato, grato de coração a cada mulher, a cada homem. E mesmo aquele que não gosta de mim, mesmo aquele que não gosta de mim.

Adriana, você não sabe o que é preconceito. Eu não era Presidente, uma vez eu estava em um bar em São Paulo, eu fui entrando para jantar, aí eu passei em uma mesa, uma mulher falou para a outra assim: “Não sei por que ele diz que é representante dos trabalhadores e vem comer aqui”. Aí, um amigo meu que estava atrás perguntou para a mulher: “É a senhora que vai pagar?” Ela falou: “Não”. “Então não se incomode”. O preconceito é uma doença. Então, eu sou agradecido ao povo brasileiro por não ter tido preconceito com relação a mim, sabe. Eu sou agradecido a todos aqueles que um dia acreditaram que era possível a gente chegar ao estágio em que nós estamos, conquistar as Olimpíadas. Eu nunca vou morrer do coração, porque você não sabe o que foi a emoção da Olimpíada. O dia em que aquele suíço falou com aquela boca cheia de bala “Rio de Janeiro”, eu quase caí de bico ali de emoção, porque foi uma coisa tão forte... Porque, aqui no Brasil, eu ouvia as pessoas dizerem: “Não, o Brasil não tem condições. O Brasil é pobre, tem que fazer escola, tem que fazer...” Lógico que nós somos pobres! Lógico que nós temos que fazer escola! Lógico que nós temos que fazer um monte de coisa. Mas isso não impede que a gente tenha uma Olimpíada. A maioria dos atletas é pobre nas Olimpíadas. Diferentemente do futebol, que tem alguns que ganham muito dinheiro, nas Olimpíadas são poucos os que ganham dinheiro. Porque o cara ganha medalha de pingue-pongue. Aquilo não deve dar muito dinheiro para ninguém. Ou medalha de negocinho de jogar na praia. Aquilo também não deve dar muito dinheiro. Nem judô dá muito dinheiro, nem... sabe? É tudo esporte mais pobre. Então, por que o Brasil não pode fazer, um país apaixonado, alegre como esse? Por que a gente não pode fazer? Vamos dar um banho, Adriana. Vamos dar um banho nessas Olimpíadas, de alegria, de competência, de organização e de tratamento que o povo brasileiro vai fazer [dar] aos que vierem de fora para nos conhecer.

Jornalista: Presidente, muito obrigada por mais esta entrevista exclusiva.

Presidente:
Obrigado a você.

Jornalista: Muito obrigada.

Presidente:
Muito obrigado.

Jornalista: De Brasília, Adriana Araújo para o Jornal da Record.

FONTE:
Blog do Planalto (http://blog.planalto.gov.br/)

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