quinta-feira, 25 de novembro de 2010
ACORDO BRASIL-FRANÇA NA ÁREA DE SUBMARINOS
Detalhes do projeto do estaleiro de Itaguai no Rio de Janeiro
PROSUB
COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DE DEFESA NACIONAL DA CÂMARA FEDERAL
MENSAGEM Nº 908, DE 2009
"Submete à deliberação do Congresso Nacional o texto do Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa na Área de Submarinos, celebrado no Rio de Janeiro, em 23 de dezembro de 2008.
I - RELATÓRIO
Cuida-se de Mensagem do Poder Executivo que submete à deliberação do Congresso Nacional o texto do Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa na Área de Submarinos, celebrado no Rio de Janeiro, em 23 de dezembro de 2008.
O Acordo define as formas de apoio e cooperação entre o Estado brasileiro e o Estado francês no domínio das tecnologias de defesa, com o objetivo de viabilizar o desenvolvimento do programa brasileiro de forças submarinas.
Segundo o artigo 1, a cooperação abrange:
1) os métodos, as tecnologias, as ferramentas, os equipamentos e a assistência técnica em todas as fases do projeto de submarinos convencionais do tipo SCORPENE (SBR), bem como de um submarino com armamento convencional (SNBR) destinado a receber um reator nuclear e respectivos associados, desenvolvidos pela Parte brasileira;
2) a assistência para a concepção e construção de um estaleiro de construção e manutenção desses submarinos e de uma base naval capaz de abrigá-los. A concepção – consistente na expressão dos requisitos e projeto básico –, a construção e a manutenção das infraestruturas e dos equipamentos necessários à construção e manutenção da parte nuclear; e
3) a transferência de conhecimento acadêmico relativa a submarinos, nas áreas da ciência e da tecnologia, por meio de formação de estudantes, professores e instrutores, em instituições pertencentes ao Ministério da Defesa, em complemento às cooperações existentes em matéria de formação dos domínios conexos, pertinentes à execução do Acordo.
O artigo 2 estabelece os princípios básicos do Acordo, prevendo que, na sua execução, as Partes respeitarão suas obrigações e compromissos internacionais, assim como suas leis e regulamentos em vigor. O referido artigo define ainda que a cooperação realizar-se-á no contexto da aquisição de quatro submarinos SBR, com transferência de tecnologia ampliada para todas as fases deste projeto de submarinos, sendo a Parte brasileira a autoridade de concepção do submarino SNBR.
O artigo 3 dispõe sobre as condições gerais de transferência de tecnologia, ficando a Parte brasileira comprometida a não autorizar a reexportação, a revenda, o empréstimo, a doação ou transmissão do conhecimento, da tecnologia e dos equipamentos fornecidos pela Parte francesa sem a concordância prévia do Governo francês, e a utilizá-los somente para os fins definidos pelo Acordo.
O artigo 4 prevê que as modalidades de cooperação serão definidas e detalhadas em Ajustes específicos. As Partes deverão manter sigilo das informações produzidas ou trocadas no âmbito do Acordo, conforme disposto no artigo 5. De acordo com o artigo 6, as Partes considerarão favoravelmente a possibilidade de isenção total ou parcial de tributos diretos e indiretos sobre bens e serviços importados ou produzidos no âmbito da execução de contratos decorrentes do Acordo. O artigo 7 dispõe sobre modalidades para ressarcimento dos danos ocorridos no contexto da aplicação do Acordo.
Desde a entrada em vigor do Acordo, fica criado, segundo o artigo 8, um Comitê de Cooperação Conjunto para supervisão de sua execução, que se reunirá sempre que necessário e ao menos uma vez por ano. Os artigos 9 e 10 tratam, respectivamente, da solução de controvérsias e das possibilidades de emendamento do Acordo.
A vigência do Acordo será de 3 (três) anos após o primeiro mergulho estático do primeiro submarino SNBR, não podendo exceder o limite de 25 (vinte e cinco) anos. As Partes poderão, ainda, prorrogar o Acordo por meio de via diplomática.
É o relatório.
II - VOTO DO RELATOR
O artigo 49, inciso I, da Constituição Federal, atribui ao Congresso Nacional a competência de resolver definitivamente sobre acordos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, os quais lhe devem ser submetidos por meio de encaminhamento do Poder Executivo para a respectiva anuência e aperfeiçoamento do ato internacional.
É assente o entendimento de que a atribuição constitucional do Parlamento brasileiro, na hipótese, não é meramente homologatória; vale dizer, deve o Congresso Nacional, em sua análise, verificar a adequação do ato contratual internacional ao interesse nacional e às normas constitucionais e infraconstitucionais brasileiras.
Portanto, na hipótese vertente, é de se registrar que a presente análise será pautada pela constatação acerca do tratado ora submetido ao Congresso Nacional ao interesse nacional e às respectivas normas que o pautam.
Inicialmente, é importante pontuar que a idéia brasileira de desenvolver um programa de defesa baseado em submarinos, notadamente nucleares, remonta à década de 1970. Três pontos básicos no ciclo de desenvolvimento da tecnologia deveriam ser enfrentados, a saber:
1) o domínio do ciclo do combustível nuclear (projetos ZARCÃO e CICLONE);
2) projeto e desenvolvimento de um reator nuclear (projeto REMO) suficientemente compacto para um casco de submarino; e
3) projeto e desenvolvimento de um casco de submarino que recebesse o reator em desenvolvimento (projeto COSTADO).
Passados mais de trinta anos do início dos projetos, nenhum desses foi inteiramente concluído. As razões se fundam tanto em dificuldades econômico-financeiras como também políticas enfrentadas pelo Brasil ao longo desse período. Feitas essas considerações, não se pode deixar de reconhecer que o projeto em análise reveste-se de caráter de interesse do Estado brasileiro, e não interesse desse ou daquele governo de ocasião, razão pela qual deve ser assim analisado.
Não restam dúvidas, portanto, de que, no aspecto geral, o instrumento contratual firmado entre as repúblicas brasileira e francesa atende aos interesses nacionais do Brasil. Há que se verificar, em adendo, se as especificidades do projeto também se coadunam com os objetivos estratégicos estabelecidos pelo Estado brasileiro.
O primeiro ponto a se levar em consideração para essa análise mais minuciosa reside na verificação da racionalidade da opção pelo modelo francês, à luz da outra proposta existente e, especialmente, à luz da frota que o País já detém.
O Brasil possui, hoje, submarinos convencionais da classe Tupi (U-209) de fabricação da alemã HDW (Howaldtswerke-Deutsche Werft). Tratam-se de submarinos dotados de propulsão diesel-elétrica.
Assim, quando do ressurgimento concreto do projeto de aquisição de novos submarinos com tecnologia mais moderna, chegou-se a cogitar a aquisição do modelo U-214, também da HDW, este dotado de sistema de propulsão independente da atmosfera (AIP – Air-Independent Propulsion), auxiliar aos sistema de propulsão diesel-elétrica. Entretanto, tais submarinos, dotados de sistemas que representam verdadeira e inegável evolução do modelo convencional, ainda são muito distantes dos submarinos de propulsão nuclear no que concerne à aplicabilidade das embarcações.
O submarino convencional, em regra, deve ser utilizado para estratégias de posição, ou seja, são utilizados para o patrulhamento de áreas específicas. Referidas áreas são, geralmente, canais, portos, rotas comerciais, etc, normalmente próximas à costa. As limitações de utilização de submarinos convencionais em estratégias de manobra reside no fato de que as baterias que alimentam o seu sistema de propulsão devem ser recarregadas regularmente. Ademais, os submarinos convencionais, embora atinjam, hoje, velocidades superiores a vinte nós, não conseguem manter essa velocidade por muito tempo, porquanto quanto maior a velocidade, mais rapidamente ocorrerá o esgotamento das baterias, impondo-lhes a necessidade de “esnorquear”, diminuindo-lhes a discrição. Ainda que os modernos submarinos convencionais, dotados de propulsão AIP, consigam oferecer uma autonomia de submersão substancialmente maior do que os modelos antigos, de propulsão exclusivamente diesel-elétrica, fato é que estes não são capazes de substituir os submarinos de propulsão nuclear.
O sistema de propulsão AIP gera potência relativamente baixa – permite que o submarino navegue em velocidades máximas que variam entre cinco e oito nós – por períodos finitos, ainda que maiores que aqueles permitidos pelos sistemas de propulsão diesel-elétrica. De outro lado, os sistemas de propulsão nucleares permitem desenvolver velocidades que variam entre vinte e cinco e trinta e dois nós por períodos, na prática, ilimitados.
Essa é a razão pela qual os submarinos de propulsão nuclear são mais adequados para estratégias de manobra. Em razão de sua autonomia e velocidade média, não se limitam às áreas costeiras. São empregados em áreas oceânicas, podendo acompanhar uma força tarefa inimiga por dias, analisando e aguardando o melhor momento de atacá-la. O sistema de propulsão nuclear dispõe de autonomia, velocidade, mobilidade e discrição em águas profundas que jamais serão igualados por submarinos de propulsão convencional, mesmo dotados do sistema AIP.
Não por acaso, as grandes potências militares operam submarinos nucleares. Os Estados Unidos da América, o Reino Unido e a França operam exclusivamente submarinos nucleares e continuam desenvolvendo novas classes deles. A Rússia os possui quase que exclusivamente e, assim como a China, continua investindo no desenvolvimento e produção de novos modelos. Por último, também a Índia lançou um submarino nuclear, o que revela o acerto da Marinha do Brasil em procurar dotar-se de embarcações deste perfil. Em razão da opção pelo submarino nuclear, mais que justificável conforme exposto, é que, de plano, o Brasil descartou a proposta alemã de renovação da frota nacional.
Ademais, estudos da Marinha do Brasil foram conclusivos a respeito da melhor aplicabilidade dos Scorpène à necessidade brasileira.
Vejamos:
Desde 2004, em face da proximidade do término da construção do Submarino Tikuna, último dos IKL construídos no AMRJ, a Marinha do Brasil, com vistas à manutenção das construções, tanto para não perder a tecnologia, quanto para repor os meios que fossem retirados de utilização, realizou estudos com vistas à seleção de um projeto de submarino que melhor atendesse às suas necessidades estratégicas. Foram selecionados três modelos: o AMUR 1650, da Rússia, o IKL-214, da Alemanha, e o Scorpène, da França, todos de mesma geração tecnológica.
Dos estudos envolvendo as três propostas, concluiu-se que o Scorpène era o que melhor atendia à Marinha do Brasil, não só por ser tecnologicamente mais moderno, mas, principalmente, por seu maior intervalo entre manutenções, fator primordial para o Brasil, cujos interesses marítimos estendem-se, prioritariamente, por toda a extensão do Atlântico Sul.
Por fim, a opção pelo modelo alemão, que, inicialmente, poderia afigurar-se como mais racional, em razão de possível taxa de comunalidade em equipamentos e tecnologia, mostrou-se inadequada, além da disparidade tecnológica com o modelo francês, também pela ausência da suposta comunalidade de componentes entre o U-209 e o U-214, especialmente pela distância de vinte anos de geração entre os modelos.
Mostra-se, pois, plenamente racional e adequada a opção pela tecnologia francesa, que oferece um projeto moderno e adequado às finalidades estratégicas do País, especialmente constatada a homogeneidade de custos entre os modelos alemão e francês, e a inexistência de qualquer vantagem estratégica que privilegiasse a opção por aquele modelo. Opção que, diga-se, foi a mesma feita por Chile, Malásia e Índia.
Em complemento às disposições genéricas do acordo, têm-se as seguintes informações. O valor total do contrato é da ordem de 6,7 bilhões de euros e engloba quatro pacotes de materiais e serviços para a construção, no Brasil, de quatro submarinos baseados no modelo Scorpène, com projeto adaptado – mediante a participação de engenheiros navais brasileiros – aos requisitos da Marinha do Brasil; a transferência de tecnologia de construção, segundo métodos e processos franceses, e transferência de tecnologia de projeto de submarinos, inclusive de seus sistemas de combate; projeto e construção de um submarino com propulsão nuclear; e o projeto e construção de um estaleiro naval dedicado à construção de submarinos nucleares e de uma base naval capaz de abrigá-los.
Verificada a adequação do modelo francês aos interesses nacionais, é imperioso que se analise a razão pela qual o projeto é tão custoso, e se tais custos são adequados às necessidades do Brasil.
Inicialmente, é imperioso que se esclareça que a construção de submarinos nucleares, em razão de suas especificidades, demanda um estaleiro próprio, totalmente adaptado aos inúmeros requisitos necessários à construção de tal sorte de embarcações. Também se deve esclarecer que desde 1993, muito antes do acordo firmado com a República Francesa, a Marinha do Brasil já havia selecionado a área de Itaguaí, no Rio de Janeiro, para a construção de um estaleiro para desenvolvimento de submarinos nucleares.
Além da necessidade de estaleiro próprio, tem-se que a atual base de submarinos do Brasil, localizada no interior da Baía de Guanabara, junto à ponte Rio-Niterói, sequer tem profundidade junto ao cais para permitir a atracação de um submarino desse tipo, além de não atender aos requisitos ambientais que se impõem. Há que se sopesar também, no tocante à construção do estaleiro e da base naval, a opção na DCNS (Direction des Constructions Navales Services) pela brasileira Odebrecht para a realização da obra, o que foi objeto de ampla divulgação e discussão.
Por certo que as obras em questão seriam isentas de processo licitatório em razão do sigilo que as reveste, por envolverem questão de segurança nacional. Tratam-se de plantas de instalações nucleares militares, envolvendo características que não podem ser objeto de divulgação pública. Assim, a observância à Lei 8.666/1993 (Lei de Licitações) se deu pela confecção de termo de dispensa de licitação aprovado pela Advocacia-Geral da União. De outro modo, como as obras civis de construção do estaleiro e da base naval seriam realizadas no Brasil, sob orientação e supervisão francesa, recomendável que as obras fossem realizadas por uma empresa brasileira, à qual deveria se associar a DCNS.
Pelo exposto, e considerando os interesses marítimos do Brasil diante da necessidade de se dotar de submarinos de propulsão nuclear, obtendo-se, ao mesmo tempo, transferência de tecnologia, e sendo ainda a França o único país que se apresentou disposto a estabelecer a cooperação tecnológica necessária ao Brasil, voto pela aprovação do Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa na Área de Submarinos, celebrado no Rio de Janeiro, em 23 de dezembro de 2008, nos termos do Projeto de Decreto Legislativo anexo."
Sala da Comissão, em de 2010.
Deputado Raul Jungmann, Relator
FONTE: publicado no site “DefesaNet”.
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