DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO
Márcio Pochmann
“Diferentemente das décadas de 1970 e 1980 que registraram rápida expansão econômica nos países de menor dimensão territorial e populacional, como no caso dos tigres asiáticos (Coreia do Sul, Taiwan e Hong Kong), assiste-se atualmente à emergência mundial dos países-baleias. A maior importância das escalas do mercado interno (elevada população em grandes territórios nacionais), acrescida do crescimento do nível de emprego e da retirada de parcelas significativas da população em situação de pobreza indica o reposicionamento desses países na Divisão Internacional do Trabalho.
Dois são os principais fatores responsáveis pela emergência dos países-baleias. O primeiro relacionado ao movimento global de reorganização do capital, que, concomitantemente à decadência relativa dos Estados Unidos, força o deslocamento do antigo centro dinâmico unipolar para a multipolarização geoeconômica mundial (Estados Unidos, União Europeia, Rússia, Índia, China e Brasil). Com a proliferação de diversas cadeias de produção integradas globalmente e cada vez mais assentadas nas economias de custos mais eficientes, especialmente nos países-baleias, as economias desenvolvidas deixam de responder - depois de mais de 150 anos - pela maior parcela do Produto Interno Bruto (PIB) mundial.
O segundo fator de mudança na Divisão internacional do trabalho refere-se aos desdobramentos da crise internacional de 2008, que segue sem resolução definitiva, sobretudo nos países ricos. Se for considerado ainda que a crise acontece intercalada com o avanço da revolução tecnológica e de um segundo ciclo de industrialização tardia na Ásia, percebe-se que a dinâmica econômica mundial é cada vez mais desigual, ainda que combinada. De um lado, o quadro geral de semiestagnação nas economias desenvolvidas e, de outro, o avanço das economias e das relações comerciais Sul-Sul, responsáveis por quase metade de todo o comércio externo mundial.
Em grande medida, esse é o resultado não apenas da crise global, mas, sobretudo, das medidas adotadas mais recentemente, que fazem crer que a crise internacional reproduz traços similares aos verificados anteriormente na armadilha japonesa dos anos 1990, quando predominaram o baixo dinamismo no consumo das famílias e a postergação dos investimentos produtivos. Para as economias ricas, permanece o risco da deflação dos preços e da desvalorização cambial competitiva em busca de maior ampliação dos mercados externos. Nos países da União Europeia, por exemplo, ocorre a reprodução dos tradicionais programas de ajuste fiscal que transferem para as exportações a base da recuperação econômica. Adicionalmente, a redução no gasto público impõe, por consequência, prejuízos aos trabalhadores simultaneamente à redução de custos no setor privado voltado às exportações, geralmente de bens e serviços de maior valor agregado. Nos Estados Unidos, por outro lado, não tem havido medidas substanciais de ajuste fiscal, embora a pressão por elevação das exportações de bens e serviços de maior valor agregado seja crescente. Com o consumo interno contido, não obstante a baixa taxa de juros e a elevada liquidez em dólares, difundem-se medidas de desvalorização do dólar voltadas à elevação da competitividade dos produtos estadunidenses.
Nos países-baleias, as medidas de defesa do emprego e da produção nacional tornaram maior a responsabilidade pela dinâmica econômica mundial, o que configura, pela primeira vez desde a Depressão de 1929, a recuperação da produção global por força maior das regiões periféricas. Apesar disso, a evolução recente da trajetória nos países-baleias segue diferenciada, uma vez que as ações nacionais têm sido desiguais em torno da aceitação ou não da valorização de suas moedas e do aprofundamento da heterogeneidade estrutural por conta de vantagens comparativas diferenciadas entre o setor de manufatura e serviços de maior valor agregado e os segmentos primário-exportadores. Pela perspectiva chinesa, por exemplo, percebe-se a crescente correlação da expansão produtiva e das exportações de manufatura com a elevação das importações de produtos primários, o que permitiu multiplicar por quase 5 vezes sua presença no comércio externo entre 2000 e 2009. A redução dos preços de bens industriais chineses permitiu a ocupação de novos espaços comerciais adicionais, com forte ênfase na desvalorização de sua moeda e pressão inflacionária doméstica.
No caso brasileiro nota-se que a valorização de sua moeda nacional estanca a alta dos preços internos, embora pareça aprofundar ainda mais a heterogeneidade de sua estrutura produtiva, com decréscimo relativo na vantagem comparativa da manufatura e serviços de maior valor agregado em relação ao setor primário-exportador. Como resultado, constata-se que, em relação à China, por exemplo, o Brasil conseguiu multiplicar as exportações por quase três vezes entre 2005 e 2009 com base na expansão relativa da presença de produtos primários (minério de ferro, soja, madeira, entre outros), que passou de 65% para 79,2% do total da pauta do comércio externo. Por outro lado, a Índia segue o esforço do caminho exportador - especialmente nos serviços - frente à persistência do déficit na balança comercial de bens. Em 2009, por exemplo, a Índia respondeu por 2,8% das exportações mundiais de serviços contra 1,1% em 2000. No mesmo período, a região latino-americana e caribenha reduziu sua participação relativa nas exportações mundiais de serviços de 3,2% (2000) para 2,8% (2009).
Resumidamente, constata-se que a emergência dos países-baleia termina por alterar a divisão internacional do trabalho neste início do século 21, com redução do peso relativo dos países do centro do capitalismo mundial. Apesar disso, a trajetória dos países-baleia segue desigual e combinada, com distintos impactos internos em termos de combinação dos desempenhos econômicos e sociais, que geram oportunidades inéditas de superação da condição de subdesenvolvimento. Sobre isso, aliás, destaca-se que o IPEA realizou, com apoio de dezenas de instituições públicas e da sociedade civil, a maior conferência nacional sobre desenvolvimento, entre os dias 24 e 26 de novembro, em plena Esplanada dos Ministérios, em Brasília, por meio de quase uma centena de oficinas, painéis, documentários, filmes, apresentações culturais e minicursos.”
FONTE: escrito por Marcio Pochmann, presidente do IPEA, professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT) da Unicamp. Publicado no jornal “Valor Econômico” e transcrito no blog de Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-ascensao-dos-paises-baleia#more).
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