terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

BRASIL E ARGENTINA: IDENTIDADE DE DESTINOS


“É imensamente simbólico e representativo o fato de Dilma Roussef ter escolhido a Argentina como o primeiro país a ser por ela visitado na condição de Presidenta do Brasil. Foi uma visita impregnada de significados que, explícitos ou não, possuem grande transcendência e merecem um olhar de atenção.

Em primeiro lugar, percebe-se no ato uma afirmação do desejo de integração crescente entre dois dos mais importantes países do cone Sul, numa reafirmação enfática da política levada a cabo pelo governo Lula de fortalecimento da América do Sul. Palavras proferidas pela Presidenta na abertura da 54ª Legislatura do Congresso dão bem o tom do que podemos esperar do seu governo, nesse aspecto: “O Brasil reitera, com veemência e firmeza, a decisão de associar seu desenvolvimento econômico, social e político ao da América do Sul. Se geografia é destino,como se diz na geopolítica, estamos muito felizes com o nosso destino”.

Ressalte-se que a Argentina é, comercialmente, o terceiro maior parceiro do Brasil, apenas ficando atrás da China e dos Estados Unidos. Claro que há problemas. Um deles reside no fato de o país platino –que nos idos de 1950 possuía um PIB maior do que o nosso- ver-se compelido a perceber um relativo declínio diante da ascensão brasileira, o que provocou, mesmo na era Kirchner, algumas posturas governamentais de contenção ou restrição aos negócios brasileiros, com ruídos no relacionamento.

Na verdade, porém, somente na cabeça dos fanáticos pelo futebol é que se devem alimentar ódios e animosidades entre Brasil e Argentina, países que, no plano geopolítico, têm muito mais o que os possa irmanar do que aquilo que eventualmente os separe. Abstraindo-se uma ou outra questiúncula comercial, nossos interesses são comuns, nossas aspirações também, e são iguais as nossas dores, como de resto as de todos os países do continente sul americano. E as relações entre esses países de identidade regional deve mesmo constituir prioridade absoluta do Governo.

Infelizmente, mesmo no plano político, algumas visões que beiram a imbecilidade acabam por reforçar um falso antagonismo. Não sei se todos conhecem um cartaz, componente de campanha então desencadeada pela Prefeitura de São Paulo, em que o mosquito da dengue, inimigo a ser combatido, “vestia” a camisa da seleção argentina de futebol...

A animosidade entre nós e os ironicamente alcunhados de “hermanos” é fomentada por outros interesses facilmente identificáveis, que preferem que constituamos um bloco dividido, enfraquecido, anêmico, diante de potências economicamente poderosas... Sempre me incomodou, desde garoto, que nós, os brasileiros, ao mesmo tempo em que glorificávamos o modo de vida da América, nada soubéssemos ou quiséssemos saber da vida dos países sul-americanos, com problemas de similaridades incontestes com os nossos próprios. Ainda hoje me incomoda, e muito, que, dentre as várias dezenas de canais da TV a cabo em nosso país, não encontremos um sequer de qualquer país latino-americano. Quando se discutir com seriedade como é nefasto deixar-se ao bel-prazer da iniciativa particular dos detentores do poder midiático a escolha do que os brasileiros devem ou não devem ver na TV, um dos aspectos a considerar é em que medida existe intencionalidade nessa enxurrada de canais gerados nos EUA em detrimento da ausência absoluta dos produzidos nos países vizinhos.

Outros aspectos importantes há que se destacar nessa primeira escala internacional de nossa Presidenta. É emblemático, por exemplo, o fato de que Dilma tenha optado por um primeiro encontro com uma outra mulher que, da mesma forma que ela, exemplifica uma primeira eleição feminina para a Presidência, lá como aqui. Impossível não atribuir ao gesto o simbolismo da valorização do papel crescente das mulheres nas sociedades contemporâneas, chegando a posições de comando que lhes permitam uma efetiva interferência nas decisões planetárias da humanidade.

Também foi relevante, e emocionante, ver essas duas mulheres reverenciando outras, as Mães e Avós da Praça de Maio, que são a metonímia da combatividade aos regimes de exceção da América Latina nos anos de chumbo que todos desejamos que jamais voltem a existir. Esse encontro de Dilma nos faz supor que ela, em sua agenda política, não pretende apagar da memória nacional os atos da ditadura, entre eles o ocultamento dos restos mortais dos desaparecidos brasileiros.

Essas duas governantes, de idades similares, eram ainda jovens quando quem acenava e discursava das janelas da Casa Rosada era o então ditador Perón. De lá para cá, outros ditadores ali foram vistos, em perversos recortes da história argentina. Impossível não correlacionar esses momentos para demonstrar a maturidade política que o continente vem exercitando nos últimos anos.

Dilma Roussef, aos poucos, vai imprimindo ao novo Governo sua marca na condução dos mais variados assuntos. Sem muitas palavras, mas com muitas atitudes, sem açodamento, vai nos permitindo esperar, confirmando suas promessas de campanha, um governo pautado pelos valores humanos e pelos autênticos interesses nacionais. Tomara.”

FONTE: escrito por Rodolpho Motta Lima, advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ, com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil. Publicado no site “Direto da Redação” (http://www.diretodaredacao.com/noticia/brasil-e-argentina-identidade-de-destinos).

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