quarta-feira, 30 de março de 2011
Emir Sader: “1964 - DATA INCÔMODA PARA A DIREITA”
"A data é incômoda para a direita e, especialmente, para a imprensa. Escondem, envergonhados, seu passado para que ninguém saiba o papel que tiveram a favor da ditadura e contra a democracia. Por isso, tem que ressoar sempre nos ouvidos de todos a pergunta: onde você estava no golpe de 1964?
A cada ano, quando nos aproximamos da data do golpe de 1964, uma sensação incômoda se apossa da direita –dos partidos, políticos e dos seus meios de comunicação. O que fazer? Que atitude tomar? Fingir que não acontece nada, abordar de maneira “objetiva”, como se eles não tivessem estado comprometidos com a brutal ruptura da democracia no momento mais negativo da história brasileira ou abordar como se tivessem sido vítimas do regime que ajudaram a criar?
Difícil e incômoda a situação, porque a imprensa participou ativamente, como militância política, da preparação do golpe, ajudando a criar falso clima de que o Brasil estaria sob risco iminente de ruptura da democracia por parte da esquerda, como também do falso isolamento do governo Jango.
Pregaram o golpe, mobilizaram para as “Marchas da Família, com Deus, pela Liberdade”, convocadas pela Igreja, tentaram passar a ideia de que se tratava de movimento democrático contra riscos de ditadura e promoveram a maior ruptura da democracia que o Brasil conheceu e a chegada ao poder da pior ditadura que conhecemos.
Na guerra fria, a imprensa brasileira esteve plenamente alinhada com a política norte-americana da luta contra a “subversão” contra o “comunismo”, isto é, com o radicalismo de direita, com as posições obscurantistas e contrárias à democracia, estabelecida com grande esforço no Brasil.
Estiveram em todas as tentativas de golpe contra Getúlio e contra JK. Em suma, a posição golpista da imprensa brasileira em 1964 não foi um erro ocasional, um acidente de percurso, mas a decorrência natural do alinhamento na guerra fria com as forças pró-EUA e que se opuseram com todo empenho ao processo de democratização que o Brasil viveu na década de 1950.
Deve prevalecer um misto de atitude envergonhada de não dar muito destaque ao tema, com matérias que pretendam renovar a ideia equivocada de que a imprensa foi vítima da ditadura –quando foi algoz, aliado, fator no desencadeamento do golpe e da ditadura. (O livro de Beatriz Kushnir, “Cães de guarda”, da Boitempo, continua a ser leitura indispensável para uma visão real do papel da mídia no golpe e na ditadura.). Promoveu o golpe, saudou a instalação da ditadura e a ruptura da democracia, tratou de acobertar isso como se tivesse sido um movimento democrático, encobriu a repressão fazendo circular as versões falsas da ditadura, elogiou os ditadores, escondeu a resistência democrática, classificou as ações desta resistência como terroristas –em suma, foi instrumento do regime de terror contra a democracia.
Por isso, a data é incômoda para a direita, mas especialmente para a imprensa, que quer passar por arauto da democracia, por ombudsman das liberdades políticas. Quem são os Mesquitas, os Frias, os Marinhos, os Civitas, para falar em nome da democracia?
Por isso, escondem, envergonhados, seu passado, buscam a falta de memória do povo, para que não saibam seu papel a favor da ditadura e contra a democracia, no momento mais importante da história brasileira. Por isso, tem que ressoar sempre nos ouvidos de todos a pergunta: Onde você estava no golpe de 1964?”
FONTE: escrito pelo cientista político Emir Sader e publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=687) [imagem do Google adicionada por este blog].
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