terça-feira, 29 de março de 2011
OS CRIMES DOS EUA E ALIADOS NA LÍBIA
“Os EUA e os seus aliados repetem na Líbia crimes contra a humanidade similares aos cometidos no Iraque e no Afeganistão".
Por Miguel Urbano Rodrigues
"A agressão ao povo líbio difere das outras apenas porque o discurso que pretende justificá-la excede o imaginável no tocante à hipocrisia.
A encenação prévia, pela mentira e perfídia, traz à memória as concebidas por Hitler na preparação da anexação da Áustria e das campanhas que precederam a invasão da Checoslováquia e da Polônia.
Michel Chossudovsky, James Petras e outros escritores progressistas revelaram em sucessivos artigos -citando fontes credíveis- que a rebelião de Benghazi foi concebida com grande antecedência e minúcia e alertaram para o papel decisivo nela desempenhado pelos serviços de inteligência dos EUA e do Reino Unido.
A suposta hesitação dos EUA em apoiar a Resolução do Conselho de Segurança da ONU que criou a chamada zona de “Exclusão Aérea”, e posteriormente, em assumir a “coordenação das operações militares” foi também grosseira mentira. Farsa idêntica caracterizou o debate em torno da transferência para a OTAN do comando da operação dita “Amanhecer de Odisseia”, titulo que ofende o nome e a epopeia do herói de Homero.
O Pentágono tinha elaborado planos de intervenção militar na Líbia muito antes das primeiras manifestações em Benghazi, quando ali apareceram as bandeiras da monarquia fantoche inventada pelos ingleses após a expulsão dos italianos. Tudo isso se acha descrito em documentos (alguns constantes de correspondência diplomática divulgada pela Wikileaks) que principiam agora a ser tornados públicos por webs alternativos.
OS CRIMES ENCOBERTOS
Os discursos dos responsáveis pela agressão ao povo líbio e a torrencial e massacrante campanha de desinformação montada pelos grandes media ocidentais, empenhados na defesa e apologia da intervenção militar, são diariamente desmentidos pela tragédia que se abateu sobre a Tripolitania, ou seja, o ocidente do país controlado pelo governo.
Hoje não é mais possível desmentir que o texto da Resolução do CS —que não teria sido aprovado sem a abstenção cúmplice da Rússia e da China— foi desafiadoramente violado pelos Estados agressores.
Os ataques aéreos não estavam previstos. Mas foram imediatamente desencadeados pela força aérea francesa e pelos navios de guerra dos EUA e do Reino Unido que dispararam em tempo mínimo mais de uma centena de mísseis de cruzeiro Tomahwac sobre alvos muito diferenciados.
Têm afirmado, repetidamente, os governantes dos EUA do Reino Unido, da França, da Itália que a “intervenção é humanitária” para “proteger as populações” e que “os danos colaterais” por ela provocados são mínimos.
Mentem consciente e descaradamente.
As “bombas inteligentes” não são cegas. Têm atingido, com grande precisão, depósitos de combustíveis e de produtos tóxicos, pontes, portos, edifícios públicos, quartéis, fábricas, centrais elétricas, sedes de televisões e jornais. Reduziram a escombros a residência principal de Muammar Kadafi.
Um objetivo transparente foi a destruição da infraestrutura produtiva da Líbia e da sua rede de comunicações.
Outro objetivo prioritário foi semear o terror entre a população civil das áreas bombardeadas.
Afirmaram repetidas vezes o Secretário da Defesa, Robert Gates, e o Secretário do Foreign Ofice, William Haggue, que as forças daquilo a que chamam a “coligação” mandatada pelo Conselho de Segurança, não se desviaram das metas humanitárias de “Odisseia”. Garantem que o número de vítimas civis tem sido mínimo e, na maioria dos bombardeamentos “cirúrgicos”, inexistente.
Não é o que informam os correspondentes de alguns influentes media ocidentais e árabes.
Segundo a Al Jazeera e jornalistas italianos, o “bombardeamento humanitário” de Adhjedabya foi, na realidade, matança sanguinária, executada com requintes de crueldade.
Outros repórteres utilizam a palavra tragédia para definir os quadros dantescos que presenciaram em bairros residenciais de Tripoli.
Generais e almirantes norte-americanos e britânicos insistem em negar que instalações não militares ou afins tenham sido atingidas. É outra mentira. As ruínas de um hospital de Tripoli e de duas clínicas de Ain Zara, apontadas ao céu azul do deserto líbio, expressam melhor do que quaisquer palavras a praxis dos “bombardeamentos humanitários”. Jornalistas que as contemplaram e falaram com sobreviventes do massacre afirmam que em Ain Zara não havia um só militar nem blindados, sequer armas.
Numa tirada de humor negro, no primeiro dia da agressão, um oficial dos EUA declarou que a artilharia antiaérea líbia, ao abrir fogo contra os aviões aliados que bombardeavam Tripoli, estava a “violar o cessar-fogo” declarado por Kadafi.
Cito o episódio por ser expressivo do desvario, do farisaísmo, do primarismo dos executantes da abjeta agressão ao povo líbio, definida como “nova cruzada” por Berlusconi, o clown neofascista da coligação ocidental.
Kadafi é o sucessor de Bin Laden como inimigo número um dos EUA e dos governantes que há poucos meses o abraçavam ainda fraternalmente.
O dirigente líbio não me inspira hoje respeito. Acredito que muitos dos seus compatriotas que participam na rebelião da Cirenaica e exigem o fim do seu regime despótico atuam movidos por objetivos louváveis.
Mas invocar a personalidade e os desmandos de Muammar Kadafi no esforço para apresentar como exigência de princípios e valores da humanidade a criminosa agressão ao povo de um país soberano é o desfecho repugnante de uma ambiciosa estratégia imperialista.
O subsolo líbio encerra as maiores reservas de petróleo (o dobro das norte-americanas) e de gás da África. Tomar posse delas é o objetivo inconfessado da falsa intervenção humanitária.
É dever de todas as forças progressistas que lutam contra a barbárie imperialista desmascarar a engrenagem que mundo afora qualifica de salvadora e democrática a monstruosa agressão à Líbia.
A Síria pode ser o próximo alvo. Isso quando não há uma palavra de crítica às monarquias teocráticas da Arábia Saudita, do Bahrein, dos Emirados.
Uma nota pessoal a terminar. Os líderes da direita Europeia, de Sarkozy e Cameron à chanceler Merkel, cultivam nestes dias –repito- o discurso da hipocrisia. Nenhum, porém, consegue igualar na mentira e na desfaçatez a oratória de Barack Obama, que, pelos seus atos, responderá perante a História pela criminosa política externa do seu país, cujo povo merecia outro presidente.”
FONTE: escrito por Miguel Urbano Rodrigues, jornalista e escritor português. Publicado no site “odiario.info” e transcrito no portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=150482&id_secao=9) [imagem do Google adicionada por este blog].
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