Arruda recebendo propina
Por Washington Araújo, no “Observatório da Imprensa” e “Carta Maior”
“Existem notícias que nos fazem rever o conceito do valor-notícia. Estou com isto em mente após ler a entrevista que o ex-governador do DF José Roberto Arruda concedeu em setembro de 2010 à revista Veja. Na entrevista, Arruda decidiu dar uma espécie de freio de arrumação em suas estripulias heterodoxas como governador do Distrito Federal: atuou como principal protagonista no festival de vídeos dirigido pelo ex-delegado de polícia Durval Barbosa e que tratavam de um único tema: a corrupção graúda correndo solta nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Distrito Federal.
Na entrevista publicada na quarta-feira (17/3) no sítio de Veja, encontramos o ex-governador desarrumando as biografias de seus antigos companheiros de partido, pessoas como os senadores Agripino Maia, Demóstenes Torres, Cristovam Buarque e até o sempre correto Marco Maciel. Não faltaram mísseis dirigidos aos deputados ACM Neto, Rodrigo Maia e Ronaldo Caiado. E também ao presidente do PSDB, o agora deputado Sérgio Guerra. Na fala de Arruda, sobra ressentimento e, mesmo tendo passado alguns meses, ainda trai uma certa conotação de vingança.
Não. Não estou desmerecendo o valor de uma única palavra de Arruda nessa entrevista. Após ler os desmentidos de todos os novos citados no escândalo conhecido como o “panetone do DEM”, confesso que nenhum me convenceu: a defesa esteve muito inferior ao ataque desferido e onde as palavras deveriam ser adjetivas conformaram-se como nada mais que substantivas. Naquele velho diapasão do “nada como tudo o mais além, ainda mais em se tratando deste assunto, muito pelo contrário”. Ou seja, a bateria antimíssil deixou muito a desejar e, considerando a virulência verbal dos agora acusados de receberem apoio financeiro no mínimo com “origem suspeita”, os desmentidos surgem como bolhas de sabão que tanto animam festas infantis. Desmancham-se no ar.
MIÚDOS E GRAÚDOS
O que me causou profunda estranheza nessa entrevista nem foi seu conteúdo, menos ainda seu personagem. O que me deixou perplexo, com todas as pulgas aninhadas em volta da orelha, foi o timing da publicação da entrevista. Por que Veja, tendo entrevistado o ex-governador em setembro de 2010, somente agora, quase 190 dias depois, resolveu levá-la ao conhecimento de seu público leitor? O ponto é que o mais robusto episódio de explícita corrupção, o único escândalo com tão formidável aparato midiático, com dezenas de vídeos reproduzidos nos principais telejornais do Brasil, merecia ter tratamento realmente jornalístico: descobrindo-se novos fatos, novos meliantes, novas falcatruas, tudo teria que vir à luz, a tempo e a hora.
Convém refrescar a memória com essas autoexplicativas manchetes dos principais jornais brasileiros no dia 28/11/2009:
-O Globo: “Governador do DEM é suspeito de pagar propina a deputados“. E diz que “PF grava José Roberto Arruda negociando repasse de dinheiro com assessor”;
-Folha de S.Paulo: “Governo do DF é acusado de corrupção“;
-O Estado de S.Paulo: “Polícia flagra ‘mensalão do DEM’ no governo do DF“. E diz que o esquema “teria até mesmo participação do governador Arruda”.
No dia seguinte, 29/11/2009, as manchetes continuaram com tintas denunciatórias:
-O Globo teve como manchete principal “PF: Arruda distribuía R$ 600 mil todo mês“;
-Folha de S.Paulo optou por “Documento liga vice-governador do DF a esquema de corrupção“;
-O Estado de S.Paulo não deixou por menos: “Em vídeo, Arruda recebe R$ 50 mil“.
E, para concluir essa sessão “refresca memória”, compartilho as manchetes dos jornalões no dia 30/11/2009:
-O Globo abriu sua edição com a manchete “Arruda: TSE vê indício de caixa 2“;
-Folha de S.Paulo destacou na primeira página: “Vídeos mostram aliados de Arruda recebendo dinheiro“;
-O Estado de S. Paulo abriu manchete com “Vídeos ‘letais’ levam DEM a preparar expulsão de Arruda“, destacando em subtítulo que “Provas contundentes da PF deixam governador em situação insustentável”.
-Até o fluminense Jornal do Brasil passou a tratar do assunto com a importância que o assunto requeria: “Aliados deixam Arruda isolado“.
Tudo bem, esse foi o início da divulgação do escândalo. E, como sempre acontece, o início de todo escândalo político tende a ser megapotencializado. É assim aqui no Brasil, na Itália, no Reino Unido, no mundo todo. No caso atual, pela primeira vez, um governador no Brasil esteve trancafiado por tão longo tempo: 60 dias, de 11 de fevereiro a 12 de abril de 2010. A carceragem se deu na sede da Superintendência da Polícia Federal, em Brasília.
Antes de completar um ano de sua divulgação, o escândalo produziu a cassação de mandatos de diversos deputados distritais, a renúncia de um senador da República, a instauração de diversos inquéritos para apurar responsabilidades de políticos miúdos e graúdos e também de procuradores do Ministério Público do Distrito Federal.
E foi nesse meio tempo que, segundo os advogados de Arruda, em setembro de 2010, o ex-governador concedeu a entrevista ao carro-chefe da Editora Abril. O que as teclas de meu micro querem saber é por que Veja escondeu comprometedora entrevista de Arruda.
INSIDIOSA, RASTEJANTE
Tenho exposto aqui neste ‘Observatório’ minhas teses sobre a forma e o modus operandi de como a imprensa, a grande imprensa, tem se comportado como agremiação político-partidária. E essa defasagem de mais de seis meses entre a data da entrevista e a data de sua divulgação é de chamar a atenção.
Quais as reais motivações para que fosse esquecida, largada na gaveta de um editor aparentemente displicente? Por onde andaria aquele polvo-caçador-de-corruptos-no-Planalto que não deu a mínima trela para essa entrevista? Ninguém na redação de Veja considerou um mísero grama de valor-notícia para buscar a versão dos “novos acusados”? Ou seria mais um desserviço à campanha presidencial de José Serra? Desserviço que, com certeza, cobriria tal campanha de portentosa agenda negativa, incluindo sob suspeição até mesmo o presidente de seu partido.
Todos sabemos que o papel da imprensa é informar a população. Aprendemos isso ainda nos primeiros dias de aula de qualquer curso de jornalismo, mesmo aqueles chamados “meia-boca”. Por que à população brasileira foram suprimidas tais informações?
É, não é necessário muitos decênios de madura experiência como analista da política brasileira para entender que, dentre as mil possíveis razões para que ocorresse tal ocultação, uma delas sobressai, insidiosa, sibilina, rastejante: a entrevista de Arruda, que hoje causa apenas perplexidade, publicada em setembro de 2010 traria em seu cerne forte componente explosivo capaz de desarrumar por completo o pleito presidencial de 2010.
Mas, como dizem nossos oráculos da imprensa… o leitor vem sempre em primeiro lugar.
PS do “Viomundo”: A entrevista que saiu da cova teria sido um petardo para demolir [agora] Sérgio Guerra?
FONTE: escrito por Washington Araújo e publicado no “Observatório da Imprensa”, “Carta Maior” e portal “Viomundo” (http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/washington-araujo-a-entrevista-que-a-veja-escondeu.html) [imagem do Google adicionada por este blog].
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