O campo de concentração de Gaza sob fogo israelense
Naturalmente, nenhuma das duas iniciativas político-militares norte-americanas foi considerada juridicamente crime de guerra. É que, do ponto de vista jurídico internacional, crimes de guerra são atos de genocídio que só são reconhecidos quando praticados pelos perdedores. Se praticados por vencedores, são celebrados como "atos de defesa e de heroísmo", ensinados como tal nos livros escolares.
Do ponto de vista moral, vistos retrospectivamente, o Holocausto, Hiroshima e Dresden estão no mesmo plano. São atos de genocídio praticados a partir de uma decisão racional por forças militares de estados organizados. Ninguém pode dizer que as mortes, nesses episódios, de crianças, mulheres e civis não combatentes foram "resultado imprevisível" da ação bélica. Ao contrário, a ação bélica os incluía como vítimas incontornáveis. Claro, não haverá réus por esses crimes. Nem pelos crimes de Gaza. Os vitoriosos é que escrevem a história.
Existe alguma dúvida de que Israel vencerá? Certamente que não. Israel tem um dos exércitos mais modernos do mundo e conta com um fluxo contínuo de [armas e] tecnologia militar sofisticada fornecida pelos Estados Unidos. Agora mesmo, o Senado americano acabou de aprovar a "venda" de alguns milhões de dólares em equipamentos de “defesa” de último tipo para Israel. Essa vantagem em poderio bélico incontornável impõe a Israel o dever moral de ser o primeiro a criar as condições de paz na Palestina. Ao contrário, ele acaba de recusar-se a comparecer a uma reunião de paz mediada pelo Egito.
Toda a civilização ocidental, e em especial a então reconhecida alta cultura alemã, levarão eternamente o sentimento de culpa pelo Holocausto. Contudo, os fornos crematórios nazistas foram por longos anos uma experiência camuflada do nazismo. Os campos de concentração correspondiam a uma iniciativa quase secreta, só reconhecida plenamente no fim da guerra. Os nazistas de alguma forma se “envergonhavam” deles e tentaram durante muito tempo escondê-los do mundo.
Agora, estamos diante de algo próximo de uma carnificina servida à humanidade como distração noturna no noticiário de tevê após o jantar. É uma força de expressão equivocada chamar o que está acontecendo de "guerra". Guerra supõe conflito entre forças em algum sentido equiparáveis, onde se pode ganhar, mas sempre a custa de perder alguma coisa. O que temos é que o exército operacional mais poderoso do mundo cerca uma comunidade de centenas de milhares de civis, crianças, mulheres, deficientes, velhos, e despeja sobre eles uma espécie de bombardeio de saturação por semanas seguidas. Gaza tornou-se um campo de concentração ampliado. Dele ninguém sai ou entra sem autorização de Israel. Uma vez lá dentro, Israel tem um alvo fácil e concentrado: nada de câmaras de gás; são muito onerosas. Basta uma câmara a céu aberto vulnerável à artilharia, aos bombardeios de mar e ar, e aos foguetes.
Por favor, não me falem dos "extremistas do Hamas". Em qualquer sociedade, em qualquer tempo, há extremistas. Eles devem ser combatidos dentro de regras estabelecidas de direitos humanos se não quisermos renegar as conquistas da civilização. É que o extremismo é fruto das circunstâncias. Tomem a minha terra, invadam a minha casa, cancelem a minha liberdade de ir e vir, liquidem com a minha condição de ser humano, e o que resta de minha dignidade me dirá, subjetivamente, para buscar em algum espaço que ficou livre um elemento que me ajude a afirmar minha autoestima, mesmo que isso signifique me tornar um homem-bomba.
Israel tem os maiores recursos de tecnologia do mundo para combater o extremismo do Hamas. O Estado judeu e a população israelense, sob proteção das excepcionais forças armadas do país, não correm diante dos foguetes de fabricação caseira dos Hamas maiores riscos do que os que corremos em termos de segurança em qualquer grande capital ocidental. O recuo civilizatório está na própria contabilidade de mortos. Para cada judeu morto, no mínimo mil palestinos têm que ser dizimados. Foi essa contabilidade macabra que, de certa forma, levou a diplomacia brasileira a advertir contra o uso desproporcional da força em Gaza. A lei bíblica de Talião tem uma versão exponencial em Israel: não olho por olho, mas mil olhos por olho, inclusive os olhos dos inocentes.
Há uma pálida esperança. Como Israel não parará a política de genocídio conduzida por sua liderança sanguinária enquanto tiver o apoio material e moral dos Estados Unidos, a salvação é que os Estados Unidos retirem o apoio incondicional a Israel em apoio aos israelenses não belicistas. Isso só acontecerá se a sociedade americana, rompendo o poder do lobby judaico no país e no mundo, começar a se movimentar contra a matança, distinguindo o direito de Israel de existir de seu pseudodireito de matar impunemente. Uma grande mobilização contra a matança aconteceu sábado em Washington. Os mais velhos se lembram: foi assim o começo do fim da Guerra do Vietnã!
O que o Exército israelense está fazendo, como um espetáculo sinistro exibido ao mundo, diariamente, pela televisão, é uma forma atualizada de genocídio. É o genocídio escancarado, exposto na televisão, para alegria de todos os sádicos do planeta. As mortes dos inocentes de Gaza me lembram o editor do “Estrela Vermelha”, o jornal do exército soviético, quando se aproximava de Berlim no fim da Segunda Guerra. Ele escreveu: “alemão já é nazista no útero mãe”, portanto, justificava-se matar qualquer alemão. Na versão israelense atual, a mensagem é que ninguém se importe com as mortes de mães e crianças em Gaza: é porque na Palestina, segundo a versão da direita israelense, as crianças já são terroristas no útero das mães. Portanto, fogo nelas!"
FONTE: escrito por J. Carlos de Assis, economista, doutor em Engenharia de Produção pela Coppe-UFRJ, professor de Economia Internacional na UEPB. Artigo publicado no "Jornal GGN" (http://jornalggn.com.br/noticia/o-campo-de-concentracao-de-gaza-sob-fogo-israelense-por-j-carlos-de-assis).[Título adicionado por este blog 'democracia&política'].
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