Paul Singer, o abutre da Argentina execrado globalmente
Por Frederico Füllgraf, especial para "Jornal GGN"
“1608% de lucro! Em seis anos! Um fundo hedge americano cobra o obsceno ágio e força o Estado argentino a ficar de joelhos. Ajudado pela Justiça americana. Eis um exemplo acabado de poder no sistema capitalista”.
A indignação expressa no parágrafo anterior não é de Axel Kicillof, ministro da Economia da Argentina, mas de Jacob Augstein - herdeiro e proprietário majoritário do "Grupo Der Spiegel" [da Alemanha], que edita o semanário homônimo, com tiragem de 1.050.000 exemplares – em sua coluna de 3 de julho passado, na "Spiegel Online", intitulada “Die Perversion des Profits” (A perversão do lucro): http://www.spiegel.de/politik/deutschland/hedgefonds-paul-singer-zwingt-argentinien-zur-zahlung-a-978916.html
“Cobrar dinheiro pode ser um negócio lucrativo: compra-se, barato, um título de dívida, depois obriga-se o devedor a pagar o valor de mercado. Mesmo ao custo da aplicação de violência. A diferença entre o preço de aquisição do título e o de sua recompra é o lucro. No cinema, é dessa forma que os mafiosos ganham seu dinheiro. Na vida real, são os "fundos multimercado" (hedge) do executivo Paul Singer. Os mafiosos têm seus espancadores, que sabem como arrebentar a rótula de um devedor. Paul Singer tem juízes americanos, que sabem fazer muito mais: por exemplo, jogar economias inteiras ao precipício da bancarrota", enfurece-se Augstein.
Reestruturação da dívida argentina
Em 2001, a Argentina encontrava-se no fundo do poço de um declínio econômico iniciado em 1998 [governo neoliberal Menem]. Enfrentando um endividamento de 132,0 bilhões de dólares, que comprometia 166% do PIB, então o FMI, Banco Mundial e o Tesouro dos EUA entraram em cena, concedendo ao país um empréstimo emergencial em troca da tradicional "receita de austeridade e cortes brutais de programas sociais".
Como em todo o mundo, o empréstimo do FMI teve efeito letal, em vez de aliviar, aprofundando e transformando a crise econômica em gravíssima crise social. Insolvente, no final de 2001, a Argentina sofreu bloqueio da próxima tranche pelo FMI. Diante do impasse, ao governo restava apenas uma opção: declarar 'default' soberano em suas obrigações com a banca privada, com valor nominal total de 95 bilhões de dólares.
Em 2005, no auge da recuperação econômica do país, o governo Nestor Kirchner promoveu a primeira etapa da reestruturação da dívida externa, trocando títulos antigos por novos títulos da dívida, com valor de face descontados 70 por cento da dívida nominal. Operação elogiada mundo afora como a mais aceitável e bem sucedida, quanto mais crescia a economia, mais os títulos indexados pagavam aos credores. Em 2010, empreendeu sua segunda reestruturação, mas com a Economia novamente desestabilizada.
Fundos abutre e lex americana globalizada
A disputa da Argentina com as aves de mau agouro começou em 2001, quando, figurativamente falando, o país era um animal moribundo e sobre sua cabeça começavam a circular os abutres.
Um deles, o "fundo Elliott" de Paul Singer, comprou títulos da dívida argentina por 48,7 milhões de dólares.
À época, os títulos valiam um lixo, contudo, quando a Argentina conseguiu negociar seu acordo com 93% dos credores internacionais, os abutres - com Singer à cabeça - rejeitaram as condições aceitas. Como os títulos estão estipulados em dólares, Singer recorreu à Justiça americana. Que lhe deu ganho de causa. Segundo a sentença do juiz Thomas Griesa, de um reles tribunal distrital de Manhattan, o governo Cristina Fernández de Kirchner “deve” 1,3 bilhão de dólares ao predador Singer.
“Um caso de loucura!”, comenta Jacob Augstein: “Juntos, um especulador novaiorquino e um juiz com 84 anos de idade... têm o poder de colocar de joelhos um Estado e seus 40 milhões de cidadãos. Tal é o sistema legal americano, diante do qual o mundo deve prostrar-se.”
Entretanto, o mais grave sinal de alerta foi a decisão do Supremo americano, que rejeitou recurso da Argentina e determinou que todos os demais pagamentos da dívida argentina estavam suspensos até Singer receber o “seu” – sentença que toma como refém não apenas a Argentina, mas o conjunto de seus credores. Negando-se a acatar a sentença, a Argentina torna-se “insolvente” sem sê-lo na verdade, pois disponibilizou pouco menos de 1,0 bilhão de dólares para saldar corretamente seus compromissos.
O efeito da decisão do Supremo americano é devastador para a Argentina, que afugentará por muitos anos os investidores internacionais.
Tribunais americanos sentenciam à torto e à direito, condenando empresas, bancos e governos soberanos. Segundo estimativa do grupo "Credit Suisse", naqueles tribunais tramitam cobranças que totalizam 104,0 bilhões de dólares mundo afora.
Diz um antigo provérbio chinês, “Você não pode impedir que abutres sobrevoem sua cabeça, mas pode impedir que eles façam um ninho nela”. O erro da Argentina foi não ter realizado em tempo a recompra dos títulos em mãos dos abutres por preço muitas vezes inferior.
Mas o caso Singer x Argentina ensina mais duas lições. A primeira é que não existe no âmbito financeiro global nenhum mecanismo para arbitragem imparcial de insolvências nacionais – os houvesse, e seriam o terror dos abutres! A segunda é mais grave: enquanto o mundo não abandonar o dólar como moeda-padrão, indivíduos, empresas e Estados continuarão à mercê do terrorismo financeiro abençoado pelas leis americanas.
Terrorismo jurídico, morte de operários nos EUA e de crianças no Congo
Psicólogo por formação, para barbarizar a Argentina, Singer conseguiu a penhora de peças de museu argentinas e, em 2005, quando o avião oficial da presidência, "Tango 01", fez escala técnica nos EUA, o especulador tentou impedir sua decolagem rumo a Buenos Aires. Em 2012, conseguiu uma verdadeira proeza: mandar a Justiça de Ghana arrestar o navio-escola “Libertad”. Apreensão, meses depois, suspensa pela Corte Internacional de Direito Marítimo, em Hamburgo. Todos esses lances foram acompanhados por ensurdecedora campanha midiática em favor de Singer, descrito como “vítima” da Argentina".
Dez anos antes, durante o governo Fujimori, a Elliott comprou títulos podres do Peru pelo valor de face de 20,0 milhões de dólares. Após extenso e penoso litígio, além de tentativas de Singer de empenhar bens do Peru, uma Corte determinou ao país andino ressarcir o especulador, pagando-lhe 58,0 milhões de dólares.
Nos EUA, o especulador protagonizou uma disputa mais que abjeta. Lá, as empresas "WR Grace", "USG and Owens-Corning" foram condenadas a indenizar seus operários por graves intoxicações por asbesto cancerígeno. Mas Singer teve “uma ideia melhor”, escreve Greg Palast, jornalista investigativo norte-americano, que em 2007 dirigiu para o programa "BBC Newsnight" a reportagem “Fundos abutre ameaçam Terceiro Mundo" ("Vulture Fund Threat to Third World", 14/2/2007) e é autor do livro “Vultures' Picnic: In Pursuit of Petroleum Pigs, Power Pirates and High-Finance Carnivores” [O piquenique dos abutres: no encalço de porcos petroleiros, piratas do poder e carnívoros das altas finanças].
Singer comprou a "Owens-Corning" a preço de banana e junto com George Bush Jr. - cuja corrida à presidência recebera fundos de Singer - desencadeou uma violenta campanha de RP na mídia, acusando os 500.000 trabalhadores do asbesto que o processavam, de “bando de fingidores” e “mentirosos” (Bush). Cúmulo da perversão, os ataques às vítimas do asbesto fizeram disparar o valor das compensações determinadas pelos tribunais. Então, Singer saltou fora, revendendo seus títulos por 500 milhões de dólares.
Em 2008, foi a vez do Congo. Naquele ano, a "Elliott" comprou títulos da dívida pública do Congo pelo valor nominal de 32.6 milhões de dólares, na verdade adquiridos por meios ilícitos pela bagatela de 2,3 milhões de dólares (The Argentina Independent. 14/11/2012). Em 2003, um tribunal inglês sentenciou que a "Elliott" tinha direito a receber 100,0 milhões de dólares pelos mesmos títulos. Como o Congo não pagou. Em 2011, Singer passou a cobrar-lhe 400 milhões de dólares. Nesse mesmo ano, no país africano eclodiu uma epidemia de cólera, com 5.666 casos de contágio. Fácil de tratar, o governo congolês não tinha recursos para enfrentar o surto, e 329 pessoas morreram, sobretudo crianças. Palast acusa Singer pelas mortes e também pela subnutrição das crianças.
Odiado na Alemanha
"Porsche", "Celesio" e "Kabel Deutschland" são algumas das brigas mais famosas de Singer com empresas europeias.
Imaginando suas costas esquentadas pela leviana Justiça americana, Singer foi logo meter-se com a "Porsche" e a 'Volkswagen", processando os todo-poderosos Ferdinand Piëch e Wolfgang Porsche em 1,8 bilhão de Euros por “lucros cessantes”.
Pano de fundo da “cobrança” foi a negociação fracassada, pela qual a "Porsche" deveria assumir o controle acionário de sua irmã, "VW". Voraz por carne fresca, Singer especulou que ganharia dinheiro, comprando ações da Porsche – e quebrou a cara. Porsche e VW dizem que o sujeito é demente e recorreram da ação.
Outro caso polêmico foi a compra da alemã "Celesio", do ramo farmacêutico, pela multinacional americana "McKesson". Em primeira instância, o negócio fracassou, porque Singer, acionista minoritário da empresa, se opôs ao negócio, forçando a disparada artificial das ações. Quando caiu a ficha, de que perderia muito dinheiro, o abutre tirou seu time de campo e o negócio foi efetivado.
É longa a lista de empresas alemãs nas quais o judeu americano tentou meter o bedelho. Na "Vodafone" inglesa e na "Kabel Deutschland", provedora de internet, o nome Singer provoca urticária.
Em 2012, a inglesa, provedora de telefonia celular, fez uma oferta de compra à alemã, e Singer imaginou que beberia sangue a preços módicos. Empregando terrorismo bursátil, tentou aumentar o número de suas ações na "Vodafone" e manipular sua elevação em pregões.
Finalmente, a "Vodafone' conseguiu comprar 75 por cento das ações da "Kabel", mas Singer tentou o "squeeze-out", ou seja: empurrar para fora os acionistas minoritários.
Os próximos na lista de vítimas de Singer são a "Demag Cranes", a "Medion", "Chrysler" e "Lehman Brothers", a empresa aérea"TWA" e o combalido ex-gigante do setor de energia, "Enron". O portifolio de “administrações” do sanguessuga Singer é estimado em 20,o bilhões de dólares."
FONTE: escrito por Frederico Füllgraf, especial para "Jornal GGN" (http://jornalggn.com.br/blog/frederico-fuellgraf/paul-singer-o-abutre-da-argentina-execrado-globalmente).
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