sexta-feira, 5 de junho de 2009

POLÍTICA FISCAL E BANCOS ZUMBIS

OS GOVERNOS NÃO PODIAM CRUZAR OS BRAÇOS DIANTE DA CONTRAÇÃO BRUTAL DO INVESTIMENTO E DO CONSUMO DO SETOR PRIVADO

“Com a crise, a política fiscal voltou a ocupar um papel central. Keynes, que estava relegado a segundo plano, passou a ser frequentemente invocado. A doutrina econômica dominante considera, ou considerava, a política fiscal pouco eficaz como instrumento de reativação da economia. O aumento do déficit público costuma ser visto como ameaça à estabilidade da economia e à credibilidade do governo. Teme-se que o uso anticíclico da política fiscal leve à acumulação insustentável de dívida pública, desembocando cedo ou tarde em inflação ou inadimplência.

Essas preocupações não são inteiramente infundadas. Mas a grande realidade é que não há doutrina que resista a uma emergência. Os governos não podiam simplesmente ficar de braços cruzados diante de uma contração brutal do investimento e do consumo do setor privado, como a que vem ocorrendo desde o final do ano passado.

Até o FMI virou um defensor do ativismo fiscal e dos déficits públicos. Com as ressalvas habituais, o Fundo vem endossando ou até estimulando a redução de impostos e, sobretudo, o aumento dos gastos do governo como instrumentos antirrecessivos -uma reviravolta surpreendente para uma instituição conhecida por sua ênfase monocórdia no ajustamento das contas públicas. Nos países desenvolvidos, o déficit fiscal e a razão dívida pública/ PIB vêm aumentando dramaticamente.

Isso se deve, em parte, à recessão. Mas reflete também os pacotes fiscais anticíclicos e os gastos públicos para socorrer instituições financeiras. O ativismo fiscal vai funcionar? O tempo dirá se a combinação de estímulos fiscais e políticas monetárias expansivas será capaz de acabar com a recessão. Dada a natureza da crise atual, a principal dúvida é se essa combinação pode funcionar sem ações mais fortes na área financeira.

A experiência do Japão na década de 1990 tem sido muito citada. O Japão recorreu a políticas monetárias e fiscais anticíclicas. O déficit público cresceu enormemente, e o Estado japonês acumulou uma dívida elevada. Apesar disso, a economia não escapou de uma estagnação prolongada. Muitos analistas avaliam que isso resultou da relutância do governo em lidar decisivamente com instituições financeiras insolventes -os chamados bancos zumbis.

Na crise atual, o governo dos EUA tem abordado a questão dos bancos com luvas de pelica. Isso não mudou com a posse de Obama. Simon Johnson, que até o ano passado ocupava a posição de economista-chefe do FMI, publicou um artigo interessante sobre esse tema na edição de maio da revista "Atlantic Monthly".

Segundo ele, há dois problemas interligados. Primeiro, um setor bancário gravemente doente ameaça sufocar qualquer recuperação que a política fiscal expansiva possa gerar. Segundo, o enorme poder político dos bancos dá a eles um veto efetivo sobre as políticas públicas.

Em outras palavras, a turma da bufunfa não quer largar o osso. Faz tudo para preservar o seu poder e bloquear uma reforma financeira mais profunda. Depois de ter contribuído decisivamente para provocar uma crise monumental, os bufunfeiros agora obstruem a recuperação.

Se essa turma não for enquadrada, a recuperação ficará mais distante e difícil -por maior que seja o ativismo fiscal e monetário. Será provavelmente necessário nacionalizar por algum tempo os bancos insolventes. E implementar uma revisão profunda do sistema financeiro, reduzindo os bancos a dimensões mais modestas e submetendo-os a uma regulação e supervisão rigorosas.”

FONTE: artigo de PAULO NOGUEIRA BATISTA JR, diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago), publicado no jornal Folha de São Paulo de 04/06/09

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