terça-feira, 16 de junho de 2009

SOLIDARIEDADE NA DOR

“Não há, na crônica dos desastres – naturais ou não – em território brasileiro ou próximo dele, nenhuma operação de busca e resgate com as dimensões das que envolvem o acidente com o Airbus 330 da Air France. A presença de navios, submarino nuclear e equipamentos sofisticados dos Estados Unidos, da França e do Brasil dão essa dimensão especial em torno do trágico vôo 447 e as implicações para a segurança da aviação comercial. Mas além de todos os avançadíssimos mecanismos que estão sendo utilizados há de se destacar hoje o fator humano. Primeiro, a grande comoção internacional, principalmente das nações de onde procediam os passageiros e, segundo, a ação que vem sendo desenvolvida pela Marinha e Aeronáutica brasileiras como exemplo de trabalho conjunto e solidariedade.

Seguramente não se podia esperar menos dessas instituições quando voltadas para seu papel constitucional – defesa da Pátria, garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes poderes, a garantia da lei e da ordem, como diz o artigo 142, que trata das Forças Armadas. Mas o que os brasileiros estão vendo é bem mais. A presença dos nossos militares no Recife, em Fernando de Noronha, no Oceano Atlântico, se revela pelo seu lado humanístico, de solidariedade, de dedicação em ações penosas, para localizar destroços e os corpos das vítimas do trágico acidente. Até agora não se viu ninguém, nenhum oficial ou qualquer membro da Marinha ou Aeronáutica tentando aparecer diante das câmeras, nem o mais remoto sinal de desrespeito à dor das famílias. Todo trabalho de localização e resgate é feito com profissionalismo e discrição.

Esse trabalho acentua as profundas mudanças de instituições que em alguns momentos de nossa história recente ultrapassaram, em nome da defesa nacional, seus papéis constitucionais. Elas entraram em um outro plano institucional, onde ficou visível a incompatibilidade no modo de agir e se expor de um militar e um político. Tivesse o atual momento de dor alguma conotação política, figurões de todos os partidos estariam procurando tirar proveito, aparecer mais, mostrar sua grandeza pessoal, sua liderança. Por sobre a tragédia apareceriam os personagens de sempre à carta de prestígio e votos mas, felizmente, na ausência do fator eleitoral o que temos são profissionais da segurança nacional e, portanto, habilitados para a luta armada, voltados sem estrelismos para o mais nobre gesto de paz.

Por isso caba destacar e saudar o comportamento dos militares brasileiros que vêm se entregando à tarefa de resgate, estendendo as mãos a autoridades do país de origem da aeronave, dedicando-se dia e noite a um processo de busca em condições dificílimas. É forçoso realçar, também a atenção dada pelos Estados Unidos, numa demonstração de que as relações internacionais vão muito além dos interesses econômicos ou de conflitos étnicos, religiosos ou ideológicos como os que alimentam tensão e dor em regiões como o Oriente Médio e África. A ausência dessas deformações do comportamento humano nos leva ao seu oposto, ao que estamos vendo todos os dias, em tempo real pela TV ou pela internet: ações integradas, solidárias, em sintonia perfeita entre brasileiros, franceses e norte-americanos, por uma causa que ensina os melhores caminhos da pacificação.

A tragédia do vôo 447 certamente deixará escombros imateriais que levarão um bom tempo para ser removidos, como o medo do transporte aéreo e a busca incessante das razões que levaram ao desastre, se técnicas apenas, se de ordem humana, se for força da natureza que pode estar bem acima da capacidade técnica. Mas deixa, também, para nós brasileiros, a convicções de que podemos e devemos confiar em nossas Forças Armadas, que mostram no episódio o seu melhor perfil, o que abstrai armas, força, capacidade de combater, e humaniza-se no mais louvável ato de solidariedade na dor.

FONTE: Jornal do Commercio, Editorial de 15/06/2009.

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