sábado, 31 de outubro de 2009

"LOUCURA" DE MICHELETTI NÃO COMPROMETE ACORDO, DIZ CASAES

Terra Magazine

"Um dia após iniciar um processo contra o governo brasileiro na Corte Internacional, o presidente de facto de Honduras, Roberto Micheletti, assinou acordo com o deposto Manuel Zelaya. O embaixador brasileiro na Organização dos Estados Americanos (OEA), Ruy Casaes, presume "boa fé do governo golpista" e acredita que "a loucura" de Micheletti não chegará ao ponto de fazê-lo recuar do acordo.

- O problema é que esse regime de facto sempre atuou erraticamente. Um dia diz uma coisa, no outro diz outra coisa. A posição do regime de facto é uma posição oscilante e, portanto, muito contraditória.

Casaes diz que nesta sexta-feira, 30, a OEA se reunirá para discutir ponto a ponto os termos do acordo. Na avaliação do embaixador, o pacto firmado abre a perspectiva de que o processo eleitoral ocorra dentro do prazo previsto, 29 de novembro, e "com reconhecimento internacional de resultados", acrescenta.

"Haverá uma espécie de vigilância pela comunidade internacional e uma das coisas a ser assistida é o processo eleitoral", diz Casaes. Segundo o acordo, o processo eleitoral será assitido por uma comissão de verificação formada por dois integrantes escolhidos pela OEA e mais dois, um indicado pelo deposto outro pelo golpista.

A "negociação de Guaymuras", como foi batizada a discussão entre os opositores hondurenhos, foi iniciada no começo deste mês. O retorno do presidente deposto era o entrave para a solução da crise política no país. Se confirmada a volta ao poder, Zelaya deixaria a Embaixada do Brasil na capital Tegucigalpa, onde está abrigado desde 21 de setembro.

Conforme o acordo firmado, o retorno do deposto às suas atividades institucionais será definido pelo Congresso Nacional. Casaes acredita que, tendo a Corte Suprema autorizado o golpe, ela não pode decidir sobre o regresso de Zelaya.

Leia abaixo a íntegra da entrevista:

Terra Magazine - Ao seu ver, o que representa para Honduras a assinatura deste acordo?

Ruy Casaes -
Hoje a OEA irá se reunir para recebermos todos os pontos do acordo na íntegra. Se ambas as partes aceitaram os termos do acordo é porque ambas estão satisfeitas, em maior ou em menor grau, com as soluções que foram encontradas. Com a solução desta crise, Honduras volta a normalidade institucional e política, isto abre a perspectiva de eleições com reconhecimento internacional de resultados.

O senhor acredita que isto aconteça na data prevista de 29 de novembro?

Olha, isto faz parte do acordo. Será criado também, segundo um dos pontos constitutivos, uma comissão de verificação para saber se os pontos do acordo estão sendo respeitados, cumpridos. Haverá uma espécie de vigilância pela comunidade internacional e uma das coisas a ser assistida é o processo eleitoral.

Quem integra a comissão?

Ainda não se sabe. Conforme o decidido, que está presente no acordo desde o primeiro momento, serão escolhidas duas pessoas pela OEA, claro que serão pessoas reconhecidas internacionalmente e de prestígio. E mais duas pessoas, uma indicada por Micheletti e outra por Zelaya. Cada uma das partes envolvidas indica um membro.

Não causou nenhum estranhamento o fato de Micheletti ter assinado esse acordo depois de iniciar um processo contra o Brasil na Corte internacional por ter abigado Zelaya na embaixada?

É, é... O problema é que esse regime de facto sempre atuou erraticamente. Um dia diz uma coisa, no outro diz outra coisa. A posição do regime de facto é uma posição oscilante e, portanto, muito contraditória. É uma absurda contradição, porque no mesmo momento em que as negociações estavam ativadas, ele entrou com um processo absolutamente sem sentido, até porque o Brasil não reconhece a jurisdição compulsória da Corte Internacional de Justiça. Portanto nesse caso, seria necessário que o Brasil declarasse que naquele caso reconhece a jurisdição desta Corte.

O senhor comentou que politicamente Micheletti é muito oscilante. Isto aumenta a preocupação de que ele recue da assinatura do acordo?

Não, não, não. Agora já passou para uma outra fase. Ele agora não tem o poder de interferir na medida em que ele tinha até a assinatura deste acordo. Ele terá que forçosamente respeitar os termos do acordo. Claro que há um risco, ninguém poderá dizer, com absoluta certeza e até que as coisas passem, que uma ou outra parte vai respeitar. Neste caso, há legitimamente a presunção de boa fé. A comissão de verificação existe justamente para fiscalizar e controlar a execução de todos os pontos do acordo. Se porventura Micheletti fizer algo fora do acordo, o que eu acho que será altamente improvável, pode haver um conflito dentro do país. Isto é pouquíssimo provável, a loucura dele não chegará a esse ponto.

Qual a importância de o Congresso decidir sobre o retorno de Zelaya?

Foi com base numa decisão da Corte Suprema, na minha opinião inconstitucional, que desatou o processo. O golpe de Estado houve porque houve uma decisão da Corte. Se é preciso fazer consulta a quem quer que seja, não pode ser a Corte Suprema, tem que ser o Congresso, que funciona, nesse caso, como um juízo político.

Muito se criticou certa ausência dos EUA nessa crise hondurenha. Agora, a missão americana foi muito importante na assinatura deste acordo.

A participação dos EUA sempre teve um eixo central, havia mudanças de nuances para refletir inclusive uma discussão no plano interno do que os EUA deveriam fazer ou deixar de fazer. Mas no ponto central, eu acho que ele permaneceu desde o início. No Brasil, sempre insistimos que os EUA deveriam tomar posições mais firmes, por uma razão simples: se entramos numa fase de sanções individuais, quem tem mais arsenal são os EUA, porque 70% das exportações hondurenhas vão para lá e 52% das importações em Honduras vem dos EUA. O nível de investimento americano no país é incomparavelmente maior do que qualquer outro. A economia hondurenha depende muito da chamada remessa de imigrantes, então, tudo isso, representa um poder que os EUA tinham e tem com relação a Honduras que nenhum outro país tem; isso fazia crer que eles poderiam elevar o grau de pressão. A ida da missão foi conosco da OEA. O Brasil fez o que poderia fazer.

E agora?

O próximo passo será discutir e examinar os calendários. Esse acordo não apenas recompõe um tecido político hondurenho, mas cria condições para que, apesar de todas as dificuldades, as eleições aconteçam dentro de alguma normalidade. Que a vida volte ao seu leito normal em Honduras."

FONTE: reportagem de Marcela Rocha publicada no portal "Terra Magazine", do jornalista Bob Fernandes.

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