"O IOF sobre ações deixa claro que o governo vai aumentar seu esforço para impedir a sobreapreciação do câmbio
Acertaram o presidente Lula e o ministro Guido Mantega ao decidirem pela imposição do IOF de 2% sobre as entradas de capital especulativo no Brasil.
Luiz Carlos Bresser-Pereira
O IOF é um imposto regulatório que foi criado nos anos 1970 por um notável economista desenvolvimentista -Mário Henrique Simonsen- para, através do desestímulo à entrada de capitais especulativos, corrigir a incapacidade dos mercados financeiros de arbitrar e, portanto, eliminar as diferenças de taxa de juros interna e internacional.
A novidade de Guido Mantega foi incluir no imposto os investimentos estrangeiros em ações compradas na Bolsa brasileira -um fenômeno que não existia nos anos 1970. Com isso, o governo deu clara mensagem ao mercado que pretende aumentar seu esforço para impedir a sobreapreciação da taxa de câmbio.
As críticas dos economistas e jornalistas econômicos convencionais não se fizeram esperar. Quase todos afirmaram que a grande prejudicada será a Bovespa, porque o IOF estimulará os investidores estrangeiros a comprar ações pela Bolsa de Nova York. E a queda imediata das ações na Bovespa pareceu confirmar a crítica. Porém o que está sendo esquecido é que o mercado arbitrará a diferença de custo no Brasil e em Nova York, de forma que os 2% de custo no Brasil farão com que o preço em Nova York seja 2% maior -e em pouco tempo não haverá prejuízos para uma instituição tão importante para o Brasil como é a Bovespa.
Outra crítica é a de que as entradas não especulativas de capitais também serão prejudicadas, já que a decisão do governo não faz distinções -nem poderia fazer- entre entradas especulativas e não especulativas. Esse problema, porém, não existe.
Para aqueles que pretendem investir seus capitais a longo prazo no Brasil, o custo de 2% se torna irrisório porque se diluirá à medida que aumente o tempo de permanência.
Uma terceira crítica é a de que o imposto será insuficiente para impedir a avalanche de dólares que está inundando o Brasil. Infelizmente essa afirmação é verdadeira, mas isso não é uma crítica: é o reconhecimento que mais deveria ser feito para neutralizar a tendência à sobreapreciação. Curiosamente, porém, é o oposto o que recomendam os economistas convencionais: querem apenas passividade -que o mercado resolva...- "porque", dizem eles, "contra toda evidência, é impossível administrar a taxa de câmbio a longo prazo". Na verdade, aceitam docilmente a prática danosa dos especuladores estrangeiros: como estes sabem que ao comprar ações estarão tanto empurrando para cima os preços da Bovespa como apreciando o real, eles ganham duas vezes: na Bolsa e com o câmbio. Quem perde é o Brasil, que fica sujeito à instabilidade e cresce pouco.
Com os 2% de IOF, o Brasil e os brasileiros estarão um pouco mais bem resguardados dessas práticas. Entretanto devemos ter claro que a neutralização da tendência à sobrevalorização da taxa de câmbio que existe no Brasil implica a tomada de um elenco de medidas coordenadas no quadro de uma estratégia nacional de desenvolvimento. Nessa estratégia, o presidente da República e o ministro da Fazenda desempenham papel importante, mas eles necessitam do apoio da sociedade brasileira.
É necessário que os brasileiros e suas elites empresariais se convençam de que o Brasil precisa dramaticamente de uma estratégia informal, mas efetiva, de competição internacional que assegure estabilidade e taxas elevadas de crescimento. E que dessa estratégia faça parte uma política de taxa de câmbio competitiva."
FONTE: artigo de Luiz Carlos Bresser-Pereira publicado hoje (26/10) na Folha de São Paulo. O autor é professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC). É autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
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