domingo, 15 de novembro de 2009

CELSO AMORIM COBRA MAIOR FRANQUEZA DOS EUA


Celso Amorim (à esq.) conversa com Lula em solenidade em Caracas no fim do mês passado

"Amorim cobra "maior franqueza dos EUA com América do Sul"

Para chanceler brasileiro, militares americanos em bases na Colômbia preocupam mais que Chávez falando em guerra

De acordo com avaliação do ministro, enquanto Obama prioriza outras questões, relação dos americanos com a região pode se deteriorar

"O chanceler Celso Amorim cobrou "maior franqueza dos EUA com a América do Sul", na primeira reação pública do governo ao documento do Pentágono para o Congresso americano confirmando o que os EUA sempre negavam: que o objetivo das bases na Colômbia não é só de combate ao narcotráfico, mas de projeção de poder na região.

Em entrevista à Folha, Amorim alertou: "Pode ser que, quando o presidente Obama venha a se concentrar nos temas da região, ele descubra que as relações dos EUA com a América do Sul já tenham se deteriorado. Espero que isso não ocorra".

FOLHA - O que mais assusta o Brasil: as ameaças de guerra de Chávez ou as bases americanas de Uribe?

CELSO AMORIM -
O presidente Chávez já voltou atrás, e uma coisa é falar em guerra, uma palavra que não deveria nem ser pronunciada, e outra é a questão prática e objetiva das bases na Colômbia.

FOLHA - Como o Brasil reage aos termos do acordo EUA-Colômbia, agora públicos?

AMORIM -
O acordo contém ambiguidades. Não fala apenas de combate ao narcotráfico, fala também em ameaças comuns à paz e à democracia. O que são ameaças comuns à paz e à democracia? Quem define o que é? Quem dirá quais são? Então, não é uma questão de se assustar ou não, é de você se preparar juridicamente e por meio da conversa. É da soberania colombiana ter auxílio americano para combater a guerrilha e o narcotráfico no país? É. Mas bases estrangeiras na América do Sul preocupam? Preocupam. Se amanhã tiver uma base iraniana ou russa na Venezuela, nós também vamos manifestar preocupação.

FOLHA - Os EUA e a Colômbia desdenharam o texto da Força Aérea que Chávez leu na Unasul como "papel acadêmico", mas o teor do documento oficial do Pentágono é a mesma coisa. Eles tentaram enganar a região?

AMORIM -
Os dois textos são muito próximos e, em algumas partes, praticamente idênticos, só com uma redação um pouquinho diferente. Eles falam inclusive em autonomia de voo e no quanto isso é muito importante para os EUA, para ter uma projeção de poder sobre a América do Sul. Sem dúvida, é muito preocupante, sim.

FOLHA - Quando os americanos falam em países inamistosos, é uma referência direta à Venezuela?

AMORIM -
Se os venezuelanos pensarem dessa maneira, você não poderá dizer que eles têm mania de perseguição.

FOLHA - Portanto, Chávez está certo em preparar o espírito venezuelano para a guerra?

AMORIM -
Não, não, não, não, porque não creio que guerra ocorrerá.

FOLHA - Quanto aos EUA?

AMORIM -
Acho que os EUA precisam ter mais franqueza com a região. Até por isso o presidente Lula propôs a reunião com o presidente Obama. Ele não fez. O presidente Obama talvez esteja muito preocupado com o Iraque, o Afeganistão, os problemas internos, e talvez isso venha impedindo que ele se concentre nesses temas. Pode ser que, quando ele venha a se concentrar, ele descubra que as relações dos EUA com a América do Sul tenham se deteriorado. Espero que isso não ocorra, mas que as bases são fator de preocupação, isso são.

FOLHA - O Brasil ainda tenta mediar conversas de EUA e Venezuela?

AMORIM -
Por que não dialogam diretamente? Se os EUA conversassem diretamente com a Venezuela, dariam uma percepção para o governo e para a sociedade venezuelana de que os EUA podem ter suas divergências, mas que não vão voltar a se envolver no futuro em nenhum golpe, como em 2002. Então, por que não destacam um enviado especial?

FOLHA - A Venezuela mal dialoga com a própria Colômbia...

AMORIM -
A Venezuela pode até ter rivalidades com a Colômbia, mas ela não se sente ameaçada pela Colômbia, ela se sente ameaçada é pelos Estados Unidos. Então, no dia em que ela caminhar para um diálogo com os EUA, com uma certa franqueza, grande parte do problema desaparece. No mínimo, diminui.

FOLHA - A Venezuela no Mercosul aumenta resistências ao bloco?

AMORIM -
Falam até que isso é que impede o acordo do Mercosul com a União Europeia. Ora! A gente não faz acordo com a União Europeia porque a oferta de carnes deles é uma porcaria, a oferta agrícola é uma droga.

FOLHA - E o Paraguai? O Brasil promete mundos e fundos desde julho, mas até agora nada.

AMORIM -
Até meados da próxima [desta] semana, o acordo [sobre Itaipu] vai para o Congresso. É uma determinação do presidente Lula.

FOLHA - O mito Obama está sofrendo um choque de realismo?

AMORIM -
Bem, avançou na questão de Honduras, pelo menos até agora, mas não quero fazer um inventário de culpas e responsabilidades. As intenções declaradas são positivas, vamos apostar nas intenções. Ainda é cedo. Eles têm lá seus obstáculos internos, não conseguiram nem nomear o embaixador no Brasil até agora."

FONTE: reportagem de Eliane Cantanhêde publicada hoje (15/11) na Folha de São Paulo.

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