Plano Collor, 20 anos depois
Na época do lançamento do plano, Fidel Castro comentou, espantado: "Em Cuba, nunca fizemos nada de parecido"
No dia 16, o Plano Collor -o bloqueio da maior parte dos ativos financeiros no país- completa 20 anos. Talvez fosse melhor esquecê-lo. Trata-se de um dos maiores desastres da nossa acidentada história monetária e financeira. Mas lembrar desastres pode ter alguma função pedagógica.
Quem melhor retratou o ambiente psicológico do país naquele momento foi Walter Salles, no seu filme "Terra Estrangeira", de 1996. O filme abre com a paisagem cinzenta da cidade de São Paulo, filmada em preto e branco. Uma senhora de classe média baixa toma conhecimento pela televisão de que as suas economias haviam sido congeladas -e sofre um ataque cardíaco fulminante. O seu filho resolve então deixar o país. O título do filme se refere, ao mesmo tempo, ao percurso do rapaz no exterior e à "terra estrangeira" em que havia se transformado o Brasil para os próprios brasileiros, submetidos a uma violência financeira sem precedentes.
Era essa a sensação que eu tinha na época. O Brasil parecia um país ocupado por tropas estrangeiras.
Não por acaso, uma das inspirações do Plano Collor foi a reforma monetária, com bloqueio de ativos financeiros, realizada na Alemanha em 1948, nas zonas ocupadas pelos EUA, pelo Reino Unido e pela França.
A equipe econômica de Collor, com poucas exceções, era relativamente jovem e inexperiente. O próprio presidente da República, que acabara de tomar posse, era jovem e bastante despreparado. Segundo relatos que me fizeram na época, a equipe econômica levou ao presidente eleito várias versões do plano de bloqueio dos ativos financeiros no período que antecedeu a posse.
Collor sempre pedia medidas mais radicais. "Aumenta o laço, aumenta o laço!", exigia ele.
O resultado foi um bloqueio que não isentou nem as cadernetas de poupança nem os depósitos à vista!
Só escapou quem ficou com papel-moeda ou comprou moeda estrangeira. Fidel Castro comentou, espantado: "Em Cuba, nunca fizemos nada de parecido".
As circunstâncias que o novo governo enfrentava eram inegavelmente muito difíceis.
Mas o Plano Collor talvez fique na história como um exemplo dramático de como não enfrentar uma hiperinflação.
No meu entender, o plano se baseava em uma interpretação equivocada do fracasso do Plano Cruzado e de outros planos de estabilização dos anos 1980. A leitura que diversos economistas faziam do insucesso do Cruzado e de planos posteriores era que a excessiva liquidez dos ativos financeiros solapava o controle da inflação. Segundo essa leitura, quando havia uma estabilização temporária dos preços, provocada, por exemplo, por um congelamento de preços, salários e/ou da taxa de câmbio, a remonetização acelerada da economia, permitida pela liquidez dos ativos financeiros, acabava levando a uma expansão exagerada da demanda por bens e moeda estrangeira, impedindo o controle definitivo da inflação.
Depois de alguns meses, o Plano Collor fracassou. Surgiu então a explicação de que a volta da inflação alta se devera à liberação desordenada dos ativos financeiros congelados.
Porém, como bem observou Carlos Eduardo Carvalho, um dos economistas que mais estudaram esse episódio, o plano era inaplicável. Reter os ativos financeiros naquela escala por muito tempo teria levado à paralisação do sistema de pagamentos e a uma grave crise bancária.
Felizmente, quatro anos depois, diante de um novo surto hiperinflacionário, o Brasil encontrou o caminho [com o Plano Real, lançado pelo governo Itamar Franco]. Apesar de erros graves na área cambial, a URV e o real abririam caminho para o restabelecimento da moeda nacional."
FONTE: escrito por PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago) [entre colchetes no último parágrafo colocado por este blog].
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