quinta-feira, 26 de agosto de 2010

ECONOMIA E HISTÓRIA

“Infelizmente, um número ainda muito grande de analistas financeiros e importantes membros da academia continua a discutir nossos problemas com enorme viés ideológico e sem sentir remorso pelo seu profundo desconhecimento da história do Brasil e da evolução da economia mundial.

Ainda agora, um deles, à custa de torturar preconceitos e acumular falsos silogismos, "quase" concluiu que a crise que se abateu sobre o Brasil e o mundo em 1979 foi produzida porque o governo brasileiro terminou com a independência legal do seu Banco Central em 1967! É como se ela não tivesse destruído as finanças públicas de dezenas de países e também promovido, de fato, a desintegração dos satélites da finada URSS.

O que esquece é que o magnífico trabalho de arrumação da economia brasileira produzido por Octávio Gouveia de Bulhões e Roberto de Oliveira Campos nunca poderia ter sido aproveitado se a política monetária "independente" (apoiada num fundamentalismo monetário inconsequente) continuasse impedindo o desenvolvimento sem reduzir a inflação.

O BC apoiava a teoria governamental: era preciso, mesmo à custa de uma profunda recessão se necessária, educar o mercado com uma nova expectativa sobre a evolução da taxa inflacionária. O pequeno problema é que quem pagava a conta (a sociedade) mostrava uma resistência crescente a aprender a lição.

Entre 1967 e 1973, o PIB cresceu à taxa média anual de 10%, e a taxa de inflação caiu de 46% para 14%. Em 1973, nossa dívida externa líquida era de US$ 8,5 bilhões, e as exportações (que cresceram à taxa de 20% ao ano) eram de US$ 6,2 bilhões, com uma saudável relação dívida líquida/exportação de 1,4.

Os problemas a partir de 1974 tiveram muito mais a ver com as duas crises do petróleo do que com as pressões criadas pelas tentativas equivocadas de substituir importações com um aumento generalizado de tarifas e o congelamento dissimulado da taxa cambial real (aproveitando o aumento das relações de troca) para controlar a inflação.

Mais importante do que tudo foi o fato que, entre 1954 e 1980, a Petrobras produzia apenas 20% do petróleo que consumíamos.

Quando seu preço foi multiplicado por seis, em 1975, e depois por mais sete, em 1979, só restava ao Brasil a alternativa de endividar-se (como fizeram todos os países emergentes não produtores de petróleo). Outra saída (felizmente abandonada num ataque de lucidez em 1978) seria um racionamento, que teria transformado o Brasil em Bangladesh...”

FONTE: escrito por Antonio Delfim Netto e publicado na Folha de São Paulo.

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