quinta-feira, 4 de novembro de 2010

“DILMA NÃO PRECISA DE PROPOSTAS GRANDIOSAS”


Entrevista: PRESIDENTE DO BRADESCO DIZ QUE LULA É UMA ‘RESERVA DE VALOR’

Luiz Carlos Trabuco Cappi, do Bradesco: “O Brasil tem hoje uma situação que permite trabalhar com demandas e prioridades que não sejam espetaculares”

“No comando do Bradesco, segundo maior banco privado do país, o executivo Luiz Carlos Trabuco Cappi é de opinião que a presidente eleita Dilma Rousseff não precisará de “propostas grandiosas” na área econômica para manter o país em ciclo de crescimento. Para ele, existe uma “agenda virtuosa” prioritária, já em andamento, que inclui combater os gargalos da infraestrutura, as obras do PAC e a exploração do pré-sal. “O Brasil tem hoje uma situação que permite trabalhar com demandas e prioridades que não sejam espetaculares.”

Trabuco, que ascendeu à presidência do Bradesco em março do ano passado, na segunda metade do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acredita que Dilma não poderá abrir mão de “um conselho do presidente Lula”, que, em sua opinião, “representa uma reserva de valor do Brasil”.

Trabuco acredita, entretanto, que o fato de Dilma ter participado do governo Lula desde o início, de “seu núcleo duro”, a credencia para ocupar a Presidência. “Foi uma escola de graduação e pós-graduação para conhecer com profundidade os meandros do governo, as pessoas e a composição partidária que dá sustentação.” A seguir, a entrevista:

Valor: Qual o senhor acredita que será a tônica do governo da presidente Dilma Rousseff na área econômica?

Luiz Carlos Trabuco Cappi:
A nossa expectativa é a continuidade do modelo estabilidade econômica, crescimento e mobilidade social. O lastro é o tripé câmbio flutuante, meta de inflação e disciplina fiscal. Em algumas áreas, há demandas geradas pela nova realidade, o que deve endereçar uma reordenação. O petróleo é um exemplo. O novo governo vai tocar a exploração do pré-sal, que tem um grande valor estratégico para o Brasil. A preocupação deve ser agregar valor social, com a criação de empregos e distribuição de renda. O momento é oportuno. Estamos iniciando uma fase de bônus demográfico que vai fazer com que, nas próximas décadas, o Brasil tenha mais gente trabalhando e produzindo que na inatividade. Ou seja, milhões de pessoas consumindo. O desdobramento é o estímulo ao espírito empreendedor, com o surgimento de milhares de novas empresas no Brasil. As condições são semelhantes às dos Estados Unidos no pós-guerra.

Valor: E qual o senhor gostaria que fosse a tônica? Aspectos que o senhor considera importantes e que não vê como prioritários para a futura presidente.

Trabuco:
O alongamento dos prazos da economia vem sendo uma das características positivas da economia brasileira. Seria importante avançar, criando mais estímulos para a poupança de longo prazo. Associado ao mercado de capitais, uma mexida na tributação, seria o caminho para aumentar as taxas de investimento da economia. O BNDES cumpre um papel estratégico na economia brasileira, foi fundamental no momento da crise, mas não pode arcar sozinho com a responsabilidade de financiar o investimento das empresas.

Valor: O senhor acredita que haverá mudanças de orientação em relação ao governo Lula? Quais?

Trabuco:
O mote da campanha que elegeu a presidente Dilma define bem: mudou e vai continuar mudando. Mudanças pontuais, de reorientação, vão acontecer. O Brasil está crescendo, é preciso garantir energia abundante. O projeto Minha Casa, Minha tem um forte impacto econômico e social, é preciso olhar para a questão urbana e os investimentos em saneamento. São problemas positivos, cujas soluções virão para modernizar o Brasil. Mais pessoas estão usando avião, será preciso dotar os aeroportos de condições para receber esse aumento. Mais carros continuarão sendo produzidos, o que torna necessário trabalhar a mobilidade urbana.

Não dá para abrir mão de um conselho do Lula, que, depois de oito anos de governo, sai com a popularidade que ele sai

Valor: Em sua opinião a presidente deveria adotar um ajuste fiscal na largada do governo ou não vê necessidade disso?

Trabuco:
A ideia parece ser focar no tamanho da dívida pública em relação ao PIB. É interessante, cria a expectativa de uma política de superávits primários sucessivos, com consequências na política monetária. Em nossa opinião, é importante não ser muito ambicioso, sendo pragmático, operando com os instrumentos que o governo tem. É como ir cortando a unha sem movimento brusco, para não ferir o dedo. A mensagem deve ser clara, equilibrar as contas, olhando principalmente os gastos correntes. Não pensamos em propostas de impacto.

Valor: O senhor vê necessidade de elevação da Selic em 2011? Em que momento? Ou o senhor acredita que a inflação vai convergir para o centro da meta com a taxa atual?

Trabuco:
Essa discussão permeia as análises dos economistas de forma permanente. Acreditamos que o Copom tem uma meta a cumprir e, por ora, faltando uma reunião para acabar o calendário 2010, não vemos grandes mudanças. Vamos aguardar, até porque existe uma predisposição de maior rigidez em relação aos gastos. E o ritmo de expansão do crédito deverá diminuir um pouco.

Valor: Em sua opinião o país precisa de reformas estruturais – tributária, trabalhista, por exemplo – urgentes ou pode prescindir delas devido ao cenário de crescimento que se espera para os próximos anos?

Trabuco:
Cada coisa ao seu tempo. O problema das propostas grandiosas é que elas geram expectativas desproporcionais aos efeitos práticos do dia seguinte. Da mesma forma, é muito difícil administrar frustrações quando elas não são aprovadas. O Brasil tem hoje uma situação que permite trabalhar com demandas e prioridades que não sejam espetaculares. Vamos trabalhar nos gargalos da infraestrutura, vamos olhar para atender aos objetivos do PAC, a exploração do pré-sal é fundamental, temos a Copa e as Olimpíadas. Essa agenda é virtuosa, de trabalho concreto, e já está em andamento. Agora, é inevitável que, mais cedo ou mais tarde, o país tenha a necessidade de iniciar uma discussão sobre o modelo previdenciário, levando em conta as futuras gerações. O paradigma é a nova demografia, com pessoas vivendo cada vez mais. Outra questão importante, fundamental para a competitividade das empresas brasileiras, é o encargo trabalhista. Não podemos ser vulneráveis do ponto de vista da competição global.

Valor: Qual o seu prognóstico para o país em termos de taxa de crescimento, inflação, juros e câmbio com a nova presidente?

Trabuco:
Não tenho a virtude dos economistas, que conseguem encontrar projeção para tudo, a partir de cálculos e modelos econométricos. É uma arte que respeito e admiro. Mas não é preciso ser oráculo para dizer que as condições gerais, enquanto tendência, não indicam solavancos. O crescimento vai continuar, um pouco menor que neste ano, mas num ritmo que as pessoas vão se sentir confiantes. Teremos a inflação dentro da meta, portanto, juros comportados. E o câmbio vai flutuar de acordo com o fluxo, que, dadas as condições positivas da nossa economia, tende a ser positivo. Medidas pontuais, administrativas, devem ser uma tônica nesse campo.

Valor: A questão cambial está no centro das discussões do momento, aqui e lá fora. O Brasil precisa conter a valorização do real? Por que?

Trabuco:
O Brasil tem passado sem sustos por essa fase de ajuste cambial global. Devemos isso aos bons fundamentos da economia. Temos reservas que apontam para US$ 300 bilhões. Isso tem seu custo, mas também tem seu benefício, que não é desprezível. O ministro Guido Mantega [Fazenda] tem atuado de forma extraordinária com a expectativa dos agentes econômicos, fazendo o diagnóstico preciso do problema, sinalizando tendências e também adotando medidas pontuais. É importante. Na questão da capacidade exportadora brasileira muita coisa pode ser feita, um pouco na área tributária, outro tanto no custo trabalhista, combate a práticas desleais de comércio, estímulo ao financiamento, o governo está fazendo e vai continuar trabalhando, pois as coisas não vão se resolver sozinhas.

Valor: O que foi feito até agora lhe parece acertado?

Trabuco:
Não há dúvida que houve muito mais acertos que erros, o que se pode traduzir em números e estatísticas. Mas a grande conquista, a meu ver, é o surgimento de milhões de novos consumidores. Somos hoje um país de classe média. O fenômeno gera várias demandas novas da sociedade e isso é muito bom, pois mostra pessoas que conquistaram padrões de comportamento e de consumo que geram mais expectativas, como melhorar de emprego, ganhar aumento de renda e perspectiva na carreira. Vemos as pessoas querendo estudar, ter mais conhecimento, aprender uma segunda língua, isso significa construir um novo país.

Valor: O senhor acredita que o crédito continuará em expansão no próximo governo? Em que medida? Existem prognósticos de taxas menores de crescimento nessa área.

Trabuco:
O crédito é a alavanca do crescimento, não podemos ter dúvida em relação a isso. O crédito é bom e existe para fazer o bem. Não podemos negligenciar os controles de risco, é certo. Graças à qualidade do nosso Banco Central, conduzido com sabedoria pelo ministro Henrique Meirelles, a supervisão dos balanços dos bancos, que são dos mais transparentes do mundo, é feita com segurança, prudência e boa dose de antecipação, neutralizando os riscos. Em 2011, o crédito vai continuar crescendo a taxas menores, pois o setor público tende a se ajustar, passada a fase de enfrentamento da crise. Os bancos públicos tiveram um papel crucial na crise. É crescer passo a passo.

Dilma é uma mulher de personalidade. Ela mostrou resistência a pressões nessa campanha, que foi dura e longa

Valor: Desenvolver fontes de financiamento de longo prazo para sustentar os grandes investimentos de que o país precisa parece ser um desafio, inclusive para reduzir a dependência do BNDES. Como o setor privado pode contribuir? E o que o novo governo pode fazer nessa área?

Trabuco:
Há muito a debater nessa área, sem dúvida. Estamos agora com essa questão do limite dos recursos da poupança para financiar a casa própria. A poupança tem prazo de um mês, mas o financiamento da casa chega a 30 anos. Temos, por outro lado, os recursos da previdência privada complementar. São recursos com o prazo mais longo da economia. Pode ser interessante lançar mão dessa reserva para também financiar a casa própria. Como esse exemplo, há muitos outros que podem viabilizar o alongamento de prazo dos financiamentos. Uma coisa é certa: os bancos privados vão ser cada vez mais a ferramenta de apoio aos objetivos estratégicos do governo de disponibilizar mecanismos de financiamento aos investimentos das empresas.

Valor: No governo do presidente Lula as tarifas bancárias para pessoas físicas foram regulamentadas e em breve o mesmo deve acontecer com cartões de crédito. O senhor reconhece exagero em cobranças? Vê necessidade de mais regulação em outras tarifas, como de pequenas e médias empresas, que têm menor poder de barganha que as grandes corporações e têm sido um motor de crescimento dos bancos neste ano?

Trabuco:
A tarifa bancária não é alta, nem cara, ela representa adequadamente o valor de mercado do serviço bancário, pois é constituída a partir da competição entre os bancos, que é acirrada. Há, também, a regulamentação do governo, que estabeleceu o que pode e o que não pode. E nós precisamos saber competir dentro desses parâmetros. Acho que a atuação dos órgãos de controle é importante. Legitima a possibilidade de um canal de comunicação institucional, onde cada parte coloca democraticamente suas opiniões, apresentando alternativas.

Valor: Na área de educação, o que o senhor acha que a presidente Dilma deveria fazer?

Trabuco:
O Brasil cresce e se defronta com o problema da falta de qualificação da mão de obra. Há oferta de trabalho, mas também falta preparação básica. As grandes empresas resolvem isso com grandes investimentos em treinamento e qualificação. Mas é insuficiente se pensarmos no tamanho do país, a velocidade do nosso crescimento e a importância de todos disputarem igualmente as oportunidades de ingresso no mercado de trabalho. A educação é fator de competição. Vi outro dia uma estatística que mostrava que o povo brasileiro vem aumentando rapidamente o número médio de anos estudados, mas ainda estamos devendo. As políticas públicas são fundamentais e o aumento dos investimentos é o caminho. A presidente Dilma falou em elevar para 7% do PIB o volume de investimento em educação, esse é o caminho.

Valor: Que papel o sr. acha que Lula terá fora da presidência?

Trabuco:
Não dá para abrir mão de um conselho do presidente Lula, que, depois de oito anos de governo, sai com a popularidade que ele sai. Um líder político como ele representa uma reserva de valor do Brasil. Mas tudo é uma questão de bom senso, respeitando o espaço político da presidente Dilma. O presidente Lula já conquistou seu lugar na história.

Valor: O sr. acha que Lula continuará a galvanizar apoio popular ao governo Dilma? Isso não tiraria legitimidade da presidente eleita?

Trabuco:
A legitimidade da presidente Dilma foi dada pelas urnas. O apoio popular será o resultado da capacidade de realizar um bom governo, exercendo a liderança num contexto de empatia com o povo. Um bom governo confere carisma. Este é um governo da presidente Dilma, suas preferências e suas escolhas. A composição política do Congresso também ajuda.

Valor: Lula sempre foi maior que o PT. A presidente eleita não tem a mesma relação com o partido. Como o sr. vê riscos de Dilma ficar sob excessiva pressão da disputa interna petista?

Trabuco:
A presidente Dilma está no governo há oito anos, é uma das poucas que está lá desde a primeira posse. Foi ministra de uma pasta estratégica e depois participou do núcleo duro do governo. Foi responsável por tocar o governo na sua parte operacional, executiva. Acho que essa é uma experiência que poucas pessoas tiveram oportunidade de ter. Foi uma escola de graduação e pós-graduação para conhecer com profundidade os meandros do governo, as pessoas e a composição partidária que dá sustentação. Além disso, sabemos que a presidente Dilma é uma mulher de personalidade. Ela mostrou liderança e resistência a pressões nessa campanha, que foi dura e longa. Todo poder sofre pressão, a todo momento você tem que dizer sim ou não, principalmente não. Acredito que ela saberá lidar com as pressões do cargo.”

FONTE: reportagem de Vanessa Adachi publicada no jornal “VALOR Econômico”e transcrita no blog de Luis Favre (http://blogdofavre.ig.com.br/2010/11/dilma-nao-precisa-de-propostas-grandiosas/).

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