“Se o Iraque foi ruim, o Afeganistão será ainda pior. Nada que se diga ou faça na reunião da OTAN em Lisboa, que é, sobretudo, exercício de autoilusão, alterará essa clara evidência.
por Patrick Cockburn, "The Independent", Inglaterra
Não se trata só da guerra, que irá de mal a pior. Trata-se, sobretudo, da necessidade da OTAN de mostrar algum sucesso, [após] já ter levado a movimentos contraproducentes que só fizeram aprofundar a violência. Dentre essas perigosas iniciativas da OTAN, destaca-se a ideia de implantar milícias locais para combater os Talibã onde o exército afegão é fraco. São quase sempre milícias mercenárias, pagas por senhores-da-guerra locais, que caçam civis afegãos.
A estratégia do exército dos EUA é assassinar comandantes Talibã de nível médio. Mas estudo recente mostrou que, na maioria dos casos, os assassinados são homens de prestígio em suas respectivas comunidades. E que os assassinatos só fazem enfurecer cada vez mais a população. Nesses grupos indignados, os Talibãs recrutam soldados cada vez com mais facilidade.
Esta semana, em Lisboa, o comandante do exército dos EUA no Afeganistão, general David Petraeus, falou aos demais comandantes da OTAN sobre seu plano de começar, em 2011, a transferir ao governo afegão a responsabilidade pela segurança em algumas regiões do país. É mais desejo que projeto. De fato, a única preocupação do general Petraeus é conseguir escapar às acusações de que a OTAN não tem nem ideia de quando ou como sair do atoleiro em que está no Afeganistão.
Os Talibã controlam total ou parcialmente, hoje, metade do território afegão. Enquanto os EUA fazem jorrar reforços nas províncias de Helmand e Kandahar, o Talibã expande seus enclaves no norte.
Todo o plano de transferir a responsabilidade pela segurança para o exército afegão depende de o exército e a polícia afegãos serem rapidamente expandidos; para 171 mil soldados, o exército; e para 134 mil guardas, a polícia. São novos recrutas que, além de ainda terem de ser treinados, terão de ser recrutados nas comunidades tadjique, uzbeque e hazara, de tendência antiTalibã. Os pashtuns, 42% dos afegãos, e grupo onde os Talibã têm raízes historicas, sentir-se-ão cada vez mais agredidos.
As diferenças entre a guerrilha no Iraque e no Afeganistão mostram que a guerrilha afegã é muito mais ameaçadora para as forças de ocupação. No Iraque, os guerrilheiros antiEUA eram árabes sunitas, comunidade à qual pertence apenas um de cada cinco iraquianos. O governo pós-Saddam em Bagdá foi apoiado pelos curdos e pelos xiitas, quase quatro quintos da população. Os afegãos são mais xenofóbicos que os iraquianos. "Desconfiar de estrangeiros está no DNA de todos os afegãos", disse em Cabul um diplomata ocidental.
Os comandantes da OTAN reunidos em Lisboa talvez se interessem por conhecer dois outros detalhes, que fazem do Afeganistão país muito mais perigoso para as forças de ocupação. O governo afegão é muito mais fraco que o governo em Baddá, onde há tradição de controle central e o petróleo rende ao governo 60 bilhões de dólares. Em termos militares, o exército soviético não foi derrotado no Afeganistão pelo poderio das forças afegãs, mas pelos 2.500 km de fronteira com o Paquistão. Enquanto essa longa fronteira permanecer aberta, porosa, e os guerrilheiros encontrarem paraísos seguros no Paquistão, nem a OTAN nem o governo afegão derrotarão a resistência.”
FONTE: escrito por Patrick Cockburn, publicado no “The Independent” (UK) e transcrito no portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=141976&id_secao=9).
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