quinta-feira, 17 de março de 2011

BRASIL-ÍNDIA: ENTREVISTA COM O INDIANO Sunil Khilnani

"BRASIL E ÍNDIA TÊM DE SER UM CAMALEÃO EM NEGOCIAÇÕES"

"PAÍSES NÃO DEVEM ASSUMIR IDENTIDADE ÚNICA COMO ATORES GLOBAIS E PODEM ATUAR COMO PONTE ENTRE CHINA E EUA, DIZ ESPECIALISTA EM ÁSIA"

O Brasil, como a Índia, deve atuar como um camaleão nas negociações internacionais, alinhando-se ora com países em desenvolvimento, ora com nações ricas”.

Esse é o conselho do professor Sunil Khilnani, diretor do programa de estudos do sul da Ásia da Johns Hopkins University e autor do livro "A Ideia da Índia".

Para Khilnani, os dois países estão na posição única de atuar como "ponte" entre os EUA e a China.

"Brasil e Índia têm muito mais em comum do que Brasil e China", afirma Khilnani, que vem ao Brasil para participar da conferência Internacional “Foresight Brazil”, promovida pela “Alfred Herrhausen Society”, o IPEA e a USP, hoje, em São Paulo.

Trechos de entrevista concedida por telefone:

-Folha - Qual é o papel do Brasil em um novo mundo multipolar?

Sunil Khilnani - Do ponto de vista da Índia, o Brasil é um parceiro muito importante. Há muita ressonância entre o que o Brasil e a Índia querem fazer hoje em dia.

Os dois são enormes democracias com muita diversidade, os dois estão lutando com a questão de como atingir desenvolvimento com mais igualdade, e os dois querem um mundo em que o poder tem distribuição mais justa entre os países.

-O Sr. vê ressonância também com a China ou há mais em comum entre Brasil e Índia do que entre China e Brasil?

Certamente, pelo comprometimento com a liberdade política e democracia para todos os seus cidadãos, há mais proximidade entre Índia e Brasil. A Índia, em vários aspectos, vê-se como a antítese da China.

No que se refere ao modelo para sua sociedade e suas políticas, a Índia não se vê na imagem da China de jeito nenhum. Brasil e Índia lidam com sociedades com grande diversidade étnica e econômica e tentam encontrar forma democrática para lidar com os desafios que essa sociedade representa.

Já a China está interessada em manter a homogeneidade de sua sociedade.

-Mas a Índia convive com o sistema de castas...

Sim, não digo que nossa diversidade não seja problemática, mas estamos buscando maneiras democráticas, como a ação afirmativa, para lidar com isso.

Temos longo caminho a percorrer, mas essencialmente buscamos a reforma democrática da sociedade, e não a reforma autoritária, como a China.

-A Índia vem lidando com a competição e o poder econômico da China há algum tempo. Algum conselho para o Brasil?

A Índia também enfrenta o problema de desindustrialização ante a competitividade chinesa. O quebra-cabeças do crescimento indiano é que ele está ancorado no setor de serviços, que representa mais de 50% da economia.

Para o estágio de desenvolvimento da Índia, isso é bastante inusual, porque o setor de serviços normalmente é maior em economias mais desenvolvidas.

O problema é que esse modelo de crescimento ancorado em serviços não gera empregos suficientes, então precisamos desenvolver mais o setor de manufatura. Há sinais de que a indústria começa a decolar na Índia, mas a China vai continuar dominante por muito tempo.

Os EUA e a Índia vêm se aproximando bastante. Bush assinou acordo de cooperação nuclear em 2006; Obama apoiou abertamente a Índia para assento permanente em um Conselho de Segurança da ONU ampliado. Como essa aproximação muda o cenário geopolítico mundial?

A aproximação entre Índia e EUA é uma das maiores mudanças geopolíticas que ocorreram nos últimos anos. Começou com Clinton, aprofundou-se com Bush -foi o único sucesso em política externa do governo Bush- e Obama está mantendo.

Do ponto de vista dos EUA, há três motivos por trás da aproximação:

1) claramente, o crescimento econômico indiano e as oportunidades para empresas americanas;

2) o desejo de que a Índia atue como uma âncora de estabilidade entre Afeganistão e Paquistão;

3) e, obviamente, a China.

Do ponto de vista dos EUA, a Índia é um "hedge" [proteção] contra a incerteza representada pela China. Mas, do ponto de vista da Índia, as coisas são um pouco diferentes. Para os indianos, os EUA são extremamente importantes, porque podem trazer novas tecnologias, investimentos, educação e defesa.

Portanto, a Índia quer ter um bom relacionamento com os EUA. Mas, em outros aspectos, há divergências.

A Índia quer manter certa distância da China, mas não antagonizar com ela. Se a Índia firma parceria estratégica com os EUA, é uma enorme provocação à China, então não fará isso. A Índia quer atuar como potência que faz a ponte entre EUA e China.

O Brasil também poderia atuar fazendo pontes?

Sim, o Brasil, como a Índia, é uma potência que compartilha interesses com nações ricas, mas também com países pobres. Índia e Brasil têm interesses que coincidem com o de vários países, então não podem assumir identidade única como ator internacional, precisam ser camaleão.

Em algumas questões, vão se alinhar a certos países, em outras, com outras nações. Não é uma inconsistência, é a particularidade de ser um país como Índia ou Brasil.”

FONTE: reportagem de Patrícia Campos Mello publicada na Folha de São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me1603201118.htm) [imagem do Google adicionada por este blog].

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