quarta-feira, 2 de março de 2011

"EXÉRCITO QUER MANTER O PODER NO EGITO"

Militares pretendem preservar força em governo civil, afirma Ellis Goldberg, professor da Universidade do Cairo

Para ele, manifestantes que derrubaram ditador desejam um Parlamento forte; já Exército quer regime presidencialista

O professor de ciência política Ellis Goldberg, da Universidade Americana do Cairo, diz acreditar que os militares tentarão preservar seu poder no Egito, ainda que não à frente do governo. Segundo ele, essa manutenção do status quo pode vir acompanhada de uma bem-vinda renovação geracional na política egípcia. Leia abaixo os principais trechos de sua entrevista.

-Folha - Até que ponto podemos esperar reformas reais dos militares no Egito?

Ellis Goldberg -
Estamos em uma situação muito transitória. O Exército não vai reescrever a Constituição -por isso nomeou uma comissão. Eles vão preferir emendar a Carta atual, mas muitos juristas preferem redigir uma nova.

O Exército prefere um sistema presidencial forte, enquanto os manifestantes querem um Parlamento com mais poderes. Acho que essas são questões cruciais, e envolvem em que medida eles vão se livrar das seções da Constituição que viabilizam as leis de emergência e até que ponto limitarão o poder do presidente.

Tariq al Bishri [jurista e ex-membro do Conselho de Estado], que coordena a revisão constitucional, é mais inclinado a restabelecer um Judiciário forte e limitar o poder do presidente. Isso é bom sinal. Mas o texto será submetido ao Conselho Supremo.

-O Exército aceitaria algum tipo de barganha no qual mantenha o poder econômico, mas abriria o regime?

Acho que eles querem um regime mais aberto ao mundo. A questão é quanta competição eles aceitam de fato.

-Se o Exército quiser manter poder, buscará cara nova?

Não acho que o Exército vá tentar se manter no poder no sentido de vermos uma autocracia militar. Acho que eles gostariam de ver um governo civil mais autoritário, que o deixe ter um papel forte. Mas não que eles planejem conduzir as coisas eles mesmos -deve haver eleição, dentro de 8 a 12 meses.

-Então o Sr. está entre os que acham que o modelo da Turquia [governo civil, mas com Exército que se vê como guardião da Constituição] é o mais provável?

Sim, e o Exército pode inclusive criar uma situação na qual possa intervir na política, que era o caso até bem recentemente na Turquia.

-Como ficará a relação com os EUA e com Israel? Os EUA preferirão lidar com o Exército do Egito a ver outros grupos no poder?

Certamente, embora os EUA não tenham uma relação próxima com o Exército hoje como tinham com Mubarak e seus amigos.

Já sobre Israel, acho que não há dúvidas de que, qualquer que seja o futuro governo, a posição será mais dura.

-O Exército ou o governo que emergirá serão capazes de lidar com os problemas que detonaram os protestos? O que pode ser feito já?

Uma coisa é parar com a ostentação dos mais ricos. Mas mais importante é melhorar a distribuição de renda, provavelmente aumentando os salários no setor privado. É preciso haver crescimento econômico.

Temos um número muito grande de trabalhadores sem qualificação, e é preciso descobrir como fazer isso funcionar na economia global.

-A economia então tem de ser totalmente transformada? Uma economia de serviços?

Sim, no longo prazo. No curto prazo, é preciso aumentar as exportações e, como você sabe, isso é difícil para qualquer nação nos dias de hoje, competindo com a economia da China.”

FONTE: reportagem de Luciana Coelho, em Boston-EUA, publicada na Folha de São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft0103201109.htm) [imagem do Google adicionada por este blog)

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