sábado, 12 de março de 2011

O NOVO McCARTHY


“Bristol (EUA) – Numa época em que crescem as tensões no mundo inteiro entre cristãos e muçulmanos (vejam os novos conflitos no Cairo), era bastante previsível que um novo demagogo surgisse no horizonte.

Seu nome é Peter King (foto), deputado republicano por um distrito na parte central de Long Island, no estado de Nova York. Ele está chefiando, a partir de quinta-feira (10), como chairman do “House Homeland Security Committee” (a Comissão de Segurança Doméstica da Câmara de Deputados) um inquérito sobre “o perigo da radicalização muçulmana nos Estados Unidos”.

Soa como o “perigo vermelho” dos tristemente célebre Joe McCarthy, senador republicano pelo estado de Winconsin, na década de 50?

Soa porque é uma repetição da mesma irresponsabilidade.

O termo McCarthyism tornou-se famoso nos Estados Unidos como símbolo de investigações levianas, que primavam por questionar, de saída, o patriotismo das pessoas que compareciam perante a Comissão de Inquérito, e que acabavam por se mostrar infundadas. Muitas carreiras e mesmo vidas foram assim destruídas, até que Joe McCarthy caiu ele mesmo em desgraça, por se ver exposto como um demagogo e um hipócrita.

Num notável paralelo, o New York Times de quarta-feira, nove de março, traz reportagem de primeira página exibindo a hipocrisia do deputado Peter King antes mesmo de ele ouvir a primeira testemunha.

O jornal revela que Peter King foi até recentemente ardente seguidor de um grupo terrorista, o IRA (Irish Republican Army).

Peter King declarou textualmente em 1985 que “a morte de civis num ataque é lamentável, mas eu não posso moralmente condenar o IRA”.

Um outro paralelo curioso é que a luta do IRA (que desejava anexar a Irlanda do Norte à República da Irlanda) tinha, há séculos, um fundo religioso: os desentendimentos entre católicos e protestantes na região. Há outros fatos intrigantes: o “Irish Republican Army” era apoiado pela Líbia e pela “Organização para a Libertação da Palestina”, muçulmanas.

Certa ocasião Peter King pretendeu ser testemunha em julgamento por assassinato, em Belfast, mas o juiz rejeitou sua presença, declarando que se tratava de um “óbvio colaborador”.

Não estou discutindo o mérito da disputa entre Belfast e Dublin. As ligações de Peter King com o IRA fizeram com que mais tarde ele participasse das negociações encabeçadas por Bill Clinton e Tony Blair para um acordo de paz na região. Mas seu comprometimento com uma organização que o governo americano havia oficialmente classificado como “terrorista” fizeram com que Peter King fosse investigado pelo Serviço Secreto como “risco de segurança”.

Qual será sua autoridade moral para agora chefiar inquérito sobre “segurança”? As pessoas de bom senso estão convencidas de que a atuação de Peter King somente servirá para inflamar mais ainda as relações dos Estados Unidos com o mundo muçulmano. O governo americano já está envolvido no Iraque, no Afeganistão, no Paquistão, assiste agora meio perplexo ao que se passa na Líbia e certamente não precisa angariar ainda mais má vontade com uma religião que compreende 25% da população mundial e cresce dia a dia nos próprios Estados Unidos.

Se depender de Peter King, as relações se tornarão ainda piores.”

FONTE: escrito por Inácio Werneck, de Bristol, EUA. O autor é jornalista e escritor com passagem em órgãos de comunicação no Brasil, Inglaterra e Estados Unidos. Publicou "Com Esperança no Coração: Os imigrantes brasileiros nos Estados Unidos", estudo sociológico, e "Sabor de Mar", novela. É intérprete judicial do Estado de Connecticut. Artigo publicado no site “Direto da Redação” (http://www.diretodaredacao.com/noticia/o-novo-mccarthy)

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