quarta-feira, 16 de março de 2011

VISITA DE OBAMA AO RIO: PROTESTO DAS MASSAS OU PLATEIA ADESTRADA?


Por Marcelo Salles, no “Escrivinhador”

“A visita do presidente dos Estados Unidos ao Brasil, no próximo final de semana, conta com uma forte ação midiática que objetiva sensibilizar o nosso povo. O site da embaixada pede que brasileiros enviem mensagens de boas-vindas e promete presentear as melhores com camisas, livros e outros presentes. Corporações de mídia foram contratadas –ou a cobertura que vemos seria apenas reflexo da simpatia?– para divulgar, diariamente, a vinda de Barack Obama. Tudo com muito entusiasmo e leveza, dando um ar “cool” ao mega-evento e fazendo parecer que se trata de uma grande oportunidade oferecida, gratuitamente, pelos sempre benevolentes vizinhos do norte. A visita já ganha contornos de megaevento, com direito a show musical e tradução simultânea.

A ação midiática tem sua razão de ser. Quando Bush visitou o Brasil, em 2007, milhares de pessoas protestaram no Brasil inteiro. Pude acompanhar as manifestações no Rio de Janeiro, onde o consulado estadunidense ficou todo pintado, assim como bancos ianques. O lado triste é que nossa polícia, composta por gente do nosso povo; agrediu os manifestantes.

E é exatamente isso que pode acontecer quando Obama chegar ao Rio no próximo domingo, dia 20. Se milhares saíram às ruas da capital fluminense quando Bush esteve em Brasília, o que podemos esperar quando Obama pisar no Rio? É certo que Obama não é Bush, mas se os ideólogos ianques estivessem tranquilos não haveria necessidade de investir tanto em ações midiáticas.

O Rio de Janeiro tem características específicas, assim como qualquer outra capital. No caso do povo fluminense, ex-capital da República, ex-capital da Colônia, palco de mistura infinita de religiões, raças e ideologias, acabamento perfeito da miscigenação de que fala Darcy Ribeiro. Por tudo isso e muito mais, trata-se de região cuja capacidade de rebelião não pode ser subestimada. Em 2007, uniram-se partidos de esquerda, movimentos sociais e grupos anarquistas contra a chegada de Bush. Deram demonstração clara de que parte expressiva do povo brasileiro não aceitava a política de guerra preventiva, Guantánamo e Abuh Graib de Bush. A aliança será mantida agora, quatro anos depois? Que fenômeno político terá mais relevância no dia 20: o protesto das massas ou a plateia inebriada pelas palavras e imagens sedutoras das corporações de mídia?

A visita de Obama acontece num momento de declínio do império ianque, que, apesar disso, ainda é a maior economia e a maior potência militar do planeta. No plano interno, o presidente estadunidense tem tido dificuldades de levar adiante sua agenda, ou pelo menos a agenda que foi prometida na campanha. Os EUA seguem invadindo Iraque e Afeganistão, e não conseguiram implementar um sistema público de saúde universal, duas de suas principais bandeiras de campanha.

Em artigo recente, o cineasta Michael Moore destaca um terceiro ponto: o roubo do povo pelos agentes do sistema financeiro, que, com a “crise” de 2008, receberam bilhões de dólares do erário com a chantagem de que, sem essa transferência, haveria uma quebradeira generalizada.

O Brasil, por outro lado, é o país com maior população, maior PIB, maior território e mais riquezas naturais da América Latina. Nos últimos oito anos, milhões de pessoas saíram da miséria e ingressaram na classe média. O mercado de consumo avança, o emprego cresce e as obras não param em todo o território nacional.

No cenário internacional, o Brasil é um país cada vez mais respeitado. Saímos da posição de espectadores para a condição de ator relevante. Somos escutados, requisitados para mediar conflitos, duplicamos nossas representações diplomáticas em todo o mundo e temos boas probabilidades de ingressar como membro efetivo do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Nos últimos anos, ao contrário do que certos colunistas afirmam, o Brasil não manteve posição de enfrentamento aos EUA. Nós simplesmente passamos a expressar nossas próprias opiniões –isso sim incomodou àqueles que só enxergam o Brasil seguindo ordens de Washington.

Na nova ordem multilateral seguida pelo Brasil, ampliamos nossas relações comerciais com nossos vizinhos latino-americanos e estabelecemos novas negociações com outros parceiros, especialmente países africanos e árabes. O eixo Sul-Sul foi fortalecido, de modo que, proporcionalmente, foi reduzida a relevância (e com isso a influência) da relação com os Estados Unidos.

Nessa conjuntura, Obama deve vir ao Brasil com discurso de conciliação. Vai querer ganhar o apoio do “gigante do Sul” para a sua esfera de influência, e dessa forma reforçar sua disputa global com China e União Europeia. No plano interno, uma aproximação comercial com o gigante do sul pode dar uma sobrevida ao país em crise. Mas quais seriam as consequências para a integração latino-americana?

Vamos acompanhar com atenção as movimentações das ruas e as articulações diplomáticas, com a certeza de que em jogo estão os interesses não apenas de Brasil e Estados Unidos, mas de todo o povo latino-americano.”

FONTE: escrito por Marcelo Salles, jornalista; atuou como correspondente da revista Caros Amigos no Rio de Janeiro (2004 a 2008), e em La Paz (2008 a 2009). Publicado no blog “Escrivinhador”, do jornalista Rodrigo Vianna (http://www.rodrigovianna.com.br/colunas/ate-a-vitoria-sempre/visita-de-obama-ao-rio-protesto-das-massas-ou-plateia-adestrada.html#more-7098) [imagem do Google adicionada por este blog].

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