sábado, 6 de outubro de 2012

“Mensalão”: NOVA JURISPRUDÊNCIA ou JULGAMENTO DE EXCEÇÃO?

“Enquanto os pessimistas falam em “julgamento de exceção”, os otimistas acreditam que o “mensalão” fixará "nova jurisprudência" para crimes de colarinho branco. Mas os próprios ministros do STF afirmam que não há mudança alguma em curso. Se é assim, quem garante que, passado o mensalão, o STF não retomará o tipo de entendimento que já beneficiou Collor, Maluf e Daniel Dantas, entre outros?


Por Najla Passos e Vinicius Mansur

O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que o dinheiro movimentado pelo esquema do chamado “mensalão” era, em parte, público. Entendeu que houve, sim, compra de votos parlamentares para aprovar matérias de interesse do governo. E já condenou - ou deixou claro que irá condenar - os principais políticos denunciados como envolvidos. O que ainda não está claro é qual legado deixará este julgamento, que alguns classificam como “o maior do século”, mas outros definem como “de exceção”.

À exceção dos conservadores convictos, há, pelo menos, duas linhas. Os mais otimistas, embalados pela mídia, acreditam que o julgamento fixará jurisprudência positiva para o enfrentamento dos crimes de colarinho branco e acarretará a revisão de matérias polêmicas aprovadas nas votações ditas fraudulentas, como a questionada reforma da previdência.

Já os mais pessimistas apontam a excepcionalidade deste julgamento, que servirá para acalmar o clamor da opinião "pública" [a "publicada" pela direita, via mídia], sem fixar parâmetros mais rígidos para avaliações futuras [como a do mensalão do PSDB], mas apenas possibilitando a adoção de uma elasticidade tal que permita ao Judiciário julgar de acordo com "critérios mais subjetivos" [leia-se "partidários"]. E desdenham da perspectiva de revisão de matérias, devido à postura conservadora do Tribunal. Ou, ainda, alertam para a insegurança jurídica que a enxurrada de processos decorrentes disso poderá causar.

INOVAÇÕES E JURISPRUDÊNCIAS?

É fato que, para o bem ou para o mal, as anunciadas “inovações” do julgamento [cinicamente] não encontram eco entre os ministros da corte, em especial entre os mais antigos da casa. Dos quatro decanos, apenas Marco Aurélio Mello ainda não se manifestou especificamente sobre o assunto. “O Tribunal tem é que julgar, porque esse é seu trabalho. E não ficar respondendo críticas. Mas respeito os ministros que pensam diferente de mim”, disse ele à “Carta Maior”, por telefone.

Celso de Mello, Ayres Britto e Gilmar Mendes, porém, têm sido enfáticos em ressaltar [sem rir ao expressar] que o “mensalão” não tem criado jurisprudências, mudado conceitos ou inovado em procedimentos. Mello, inclusive, abriu a leitura do seu voto, na última terça, abordando o tema. “Quero registrar que o STF está julgando a presente causa da mesma forma que sempre julgou os demais processos que foram submetidos a sua apreciação”.

Na quarta-feira passada, dia em que todas as atenções estiveram voltadas ao descontrole do ministro-relator, Joaquim Barbosa, Mello já havia manifestado esse entendimento. "O Supremo não tem procedido a alterações processuais, nem alterado sua própria jurisprudência, ao contrário. As diretrizes firmadas em diversos precedentes têm pautado, neste caso, a atuação do STF", prosseguiu. “É o que penso”, emendou o presidente da corte, Ayres Britto.

Naquela ocasião, Mello chegou, inclusive, a justificar que o ex-presidente Fernando Collor de Mello foi absolvido do crime de corrupção não pela falta de um ato de ofício que o comprovasse, como vem sendo alegado pelos críticos do julgamento em pauta, mas porque sua conduta não se encaixou devidamente na tipicidade do crime.

Na quinta-feira (4), foi a vez de Gilmar Mendes sair em defesa do comportamento-padrão da corte. Quando o ministro Luiz Fux, durante eu voto, deixou escapar que, com o entendimento deste julgamento, “caixa dois é corrupção”, o colega mais velho correu para corrigi-lo [já pensando no perigo para o mensalão do PSDB caso fixado esse critério]: “O que se criou foi um fundo alimentado com recursos públicos e privados para fidelizar essa base partidária”, pontuou.

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, faz a mesma leitura. “O Supremo está julgando este caso, que foi submetido pela Procuradoria-Geral da República, e julgando a partir do contexto fático destes autos. Como disse o ministro Celso de Mello, sem abrir mão de nenhuma das posições tradicionais do Supremo”, afirmou ele à “Carta Maior”.

Os advogados, críticos das mudanças, ironizam o comportamento dos ministros. “Eles estão na defensiva”, avalia o advogado Luiz Fernando Pacheco, que defende José Genoino. “É claro que há muitas mudanças em curso que irão influenciar todas as decisões de primeira e segunda instância”, acrescenta Antônio Malheiros, que defende Delúbio Soares no processo. Para ambos, o comportamento dos ministros é apenas uma resposta às diversas críticas de que este é um julgamento de exceção.

Das falas dos decanos, pode-se depreender outro efeito colateral, que significa uma pá de cal na esperança dos mais otimistas. Afinal, se "não há mudança de jurisprudência", quem garante que, transitada e julgada esta ação penal, o STF não retomará o tipo de entendimento que permitiu Collor de Mello sair ileso, Maluf transitar pelo país e Daniel Dantas escapar da cadeia?

REVISÃO DAS MATÉRIAS APROVADAS

Ao refutar a tese central da denúncia, na quinta-feira (4), o ministro-relator, Ricardo Lewandowski, alertou o país sobre as implicações práticas do entendimento manifestado pelos colegas de que houve compra de votos para a aprovação de matérias do interesse do governo. “Se esse plenário, em transitado e julgado, decidir que houve fraude na reforma tributária, na reforma previdenciária, ou seja, que a consciência dos parlamentares foi comprada, aí surge a questão da nulidade”, afirmou.

Em conversa com os jornalistas, no final da sessão de terça (2), o ministro-relator, Joaquim Barbosa, já havia manifestado entendimento contrário. Segundo ele, não é porque houve fraude em uma etapa que todo o ato administrativo se torna imperfeito. Portanto, para ele, as matérias aprovadas, mesmo que em votações “compradas”, permanecerão válidas.

Barbosa também fez questão de salientar que utiliza a expressão “compra de apoio político”, e não em “compra de votos”. Por trás dessa sutil mudança de palavras podem estar grandes diferenças: a expressão “compra de apoio político” joga a conduta criminosa "no genérico" e "dilui a importância de se comprovar" em que votação qual parlamentar vendeu seu voto. Ameniza-se, portanto, a importância da aprovação de uma medida específica na configuração do crime, assim como a possibilidade de nulidade de votações. A não ser que as reivindicações futuras sejam pela anulação de todas as mais de 200 votações vencidas pelo governo durante o período dos repasses ilícitos, entre 2003 e 2004.

Já o ministro Marco Aurélio não descarta a possibilidade de se rever decisões do Legislativo. “Ainda é cedo para se imaginar qualquer desdobramento, mas é necessário dizer que há elementos que permitem suscitar a discussão. E cabe também lembrar que o Judiciário não atua de ofício, mas suas portas estão sempre abertas”, observou na entrevista à “Carta Maior”.

No quarta-feira, o PSOL anunciou que, tão logo encerrado o julgamento, irá ingressar com ação de inconstitucionalidade pedindo a revisão da reforma da previdência, a mais polêmica das matérias aprovadas no período. Corre o risco, entretanto, de ficar isolado. Mesmo tendo sido proposta pelo governo, a reforma encontrou mais resistência dentro do próprio PT do que entre os partidos de oposição, que a apoiaram com gosto.”

FONTE: escrito por Najla Passos e Vinicius Mansur no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21026). [Trechos entre colchetes e aspas adicionados por este blog 'democracia&política'].

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