No quadro acima, o crescente custo das campanhas nos Estados Unidos, segundo “The Economist”, Sept. 8th-14th p. 61
O artigo é de Ladislau Dowbor
“The idea that in a democracy you should be able to trade your wealth into more influence over what the government does is just wrong.” Lawrence Lessig [1]
“Les vices n’appartiennent pas tant à l’homme qu’à l’homme mal gouverné” Rousseau [2]
“Transformar o exercício da justiça em espetáculo midiático não é correto nem ético. Fazê-lo "em nome da ética", menos ainda. Para muita gente, parece tratar-se de uma catarse política, canalização de ódios acumulados. Não se resolve grande coisa dessa maneira. e gera-se, sim, dinâmicas perigosas. E, sobretudo, canaliza-se toda a energia contra pessoas, obscurecendo os vícios do sistema. O sistema agradece, e permanece.
A realidade é que há imenso desconhecimento, por parte de não-economistas, de como se dão os grandes vazamentos de recursos públicos.
Bem, vamos por partes. Primeiro, a grande corrupção, a grande mesmo, aquela que é tão grande que se torna legal. Trata-se do financiamento de campanhas. A empresa que financia um candidato – um assento de deputado federal tipicamente custa 2,5 milhões de reais – tem interesses.
Esses interesses se manifestam do lado das políticas que serão aprovadas, por exemplo contratos de construção de viadutos e de pistas para mais carros, ainda que se saiba que as cidades estão ficando paralisadas. As empreiteiras e as montadoras agradecem. Do lado do candidato, apenas assentado, já lhe aparece a preocupação com a dívida de campanha que ficou pendurada, e a necessidade de pensar na reeleição. Quatro anos passam rápido. Entre representar interesses legítimos do povo – por exemplo, mais transporte coletivo, mais saúde preventiva – e assegurar a próxima eleição, ele, que estudou economia ou direito, e portanto sabe fazer as contas e sabe quem manda, está preso numa sinuca.
O próprio custo das campanhas, quando essas viram uma indústria de marketing político, é cada vez mais descontrolado. Segundo “The Economist”, no caso dos EUA, os gastos com a eleição de 2004 foram de 2,5 bilhões de dólares; em 2010 foram de US$ 4,5 bilhões; e a estimativa para 2012 é de US$ 5,2 bilhões. Isso está “baseado na decisão da corte suprema, em 2010, que permite que empresas e sindicatos gastem somas ilimitadas em marketing eleitoral”. Quanto mais cara a campanha, mais o processo é dominado por grandes contribuintes, e mais a política se vê colonizada. O resultado é a erosão da democracia. E resultam, também, custos muito mais elevados para todos, já que são repassados para o público através dos preços. [3]
Comentando os dados dos gastos corporativos na campanha eleitoral de 2010, Robert Chesney e John Nichols, da Universidade de Illinois, escrevem que os financiamentos corporativos “se traduziram numa virada espetacular para a direita: a captura da vida política por uma casta financeira e midiática mais poderosa do que qualquer partido ou candidato".
"Não se trata apenas de novo capítulo no interminável romance entre o dinheiro e o poder, mas de uma redefinição da própria política pela conjunção de dois fatores: o fim dos limites de doações eleitorais por parte das empresas e a renúncia por parte da imprensa ao exame dos conteúdos das campanhas. Resulta um sistema no qual um pequeno círculo de conselheiros mobiliza montantes surrealistas para orientar o voto para os seus clientes. Esse ‘complexo eleitoral dinheiro-mídia’ constitui, presentemente, uma força temível, subtraída a qualquer forma de regulação, liberada de qualquer obrigação de prudência por uma imprensa que capitulou. Essa máquina é permanentemente mediada por cadeias comerciais de televisão que faturaram, em 2010, 3 bilhões de dólares graças à publicidade política”. [4]
No Brasil, esse sistema foi legalizado em governos anteriores. A lei que libera o financiamento das campanhas por interesses privados é de 1997 [FHC/PSDB]. [5] Podem contribuir com até 2% do patrimônio, o que representa muito dinheiro. Os professores Wagner Pralon Mancuso e Bruno Speck, respectivamente da USP e da Unicamp, estudaram os impactos. “Os recursos empresariais ocupam o primeiro lugar entre as fontes de financiamento de campanhas eleitorais brasileiras. Em 2010, por exemplo, corresponderam a 74,4%, mais de R$ 2 bilhões, de todo o dinheiro aplicado nas eleições (dados do Tribunal Superior Eleitoral)”. [6]
E a deformação é sistêmica: além de amarrar os futuros eleitos, quando uma empresa “contribui” e, portanto, prepara o seu acesso privilegiado aos contratos públicos, as outras se vêm obrigadas a seguir o mesmo caminho, para não se verem alijadas. E o candidato que não tiver acesso aos recursos, simplesmente não será eleito. Todos ficam amarrados. Começa a girar a grande quantidade de dinheiro no sistema eleitoral. Criminalizar as empresas, ou as pessoas, não vai resolver, ainda mais se os criminalizados são apenas de um lado do espectro político. É preciso corrigir o sistema.
Mas custos econômicos incomparavelmente maiores resultam do impacto indireto, pela deformação do processo decisório na máquina pública, apropriada por corporações. O resultado, no caso de São Paulo, por exemplo, de eleições municipais apropriadas por empreiteiras e montadoras, são duas horas e quarenta minutos que o cidadão médio perde no trânsito por dia. Só o tempo perdido, multiplicando as horas pelo PIB do cidadão paulistano e pelos 6,5 milhões que vão trabalhar diariamente, são 50 milhões de reais perdidos por dia. Se reduzirmos em uma hora o tempo perdido pelo trabalhador a cada dia, instalando, por exemplo, corredores de ônibus e mais linhas de metrô, serão 20 milhões economizados por dia, 6 bilhões por ano se contarmos os dias úteis. Sem falar da gasolina, do seguro do carro, das multas, das doenças respiratórias e cardíacas e assim por diante. E estamos falando de São Paulo, mas temos Porto Alegre, Rio de Janeiro e tantos outros centros. É muito dinheiro. Significa perda de produtividade sistêmica, aumento do custo-Brasil.
Esse tipo de corrupção leva a que se deformem radicalmente as prioridades do país, que se construam elefantes brancos. A deformação das prioridades mediante desvio dos recursos públicos daquilo que é útil em termos de qualidade de vida para o que é mais interessante em termos de contratos empresariais, gera um círculo vicioso, pois financia a sua reprodução.
Uma dimensão importante desse círculo vicioso, e que resulta diretamente do processo, é o sobrefaturamento. Quanto mais se eleva o custo financeiro das campanhas, conforme vimos acima com os exemplos americano e brasileiro, mais a pressão empresarial sobre os políticos se concentra em grandes empresas. Quando são poucas, e poderosas, e com muitos laços políticos, a tendência é a distribuição organizada dos contratos, o que, por sua vez, reduz a concorrência pública a um simulacro, e permite elevar radicalmente o custo dos grandes contratos. Os lucros assim adquiridos permitirão financiar a campanha seguinte.
Se juntarmos o crescimento do custo das campanhas, os custos do sobrefaturamento das obras, e sobretudo o custo da deformação das grandes opções de uso dos recursos públicos, estamos falando em muitas dezenas de bilhões de reais. Pior: corrói o processo democrático, ao gerar perda de confiança popular nos processos democráticos em geral.
Não que não devam ser veiculados os interesses de diversos agentes econômicos. Mas para isso existem as associações de classe e diversas formas de articulação. A FIESP, por exemplo, articula os interesses da classe industrial do Estado de São Paulo, e é poderosa. É a forma correta de exercer a sua função, de canalizar interesses privados. O voto deve representar cidadãos. Quando se deforma o processo eleitoral através de grandes somas de dinheiro, é o processo democrático que é deformado.
A moral da história é simples. Comprar votos é ilegal. Vincular o candidato com dinheiro não é ilegal. Já comprar o voto do candidato eleito é de novo ilegal.
A conclusão é óbvia: vincula-se os interesses do candidato à empresa, o que é legal, e tem-se por atacado quatro anos de votação do candidato já eleito, sem precisar seduzi-lo a cada mês [7]. O absurdo não é inevitável. Na França, a totalidade dos gastos pelo conjunto dos 10 candidatos à presidência em 2012 foi de 74,2 milhões de euros. [8]
A grande corrupção gera a sua própria legalidade. Já escrevia Rousseau, no seu “Contrato Social”, em 1762, texto que hoje cumpre 250 anos: “O mais forte nunca é suficientemente forte para ser sempre o dono, se não transformar a sua força em direito e a obediência em dever” [9]. Em 1997 [governo FHC/PSDB/DEM], transformou-se o poder financeiro em direito. O direito de influenciar as leis, às quais seremos todos submetidos.
Ético, mesmo, é reformular o sistema, e acompanhar os países que evoluíram para regras do jogo mais inteligentes, e limitaram drasticamente o financiamento corporativo das campanhas.”
NOTAS
[1] “A ideia de que numa democracia você deveria poder trocar a sua riqueza por maior influência sobre o que faz o governo é simplesmente errada” – Lawrence Lessig – “Republic Lost: how money corrupts congress – and a plan to stop it” – Twelve, New York, 2011, p. 313
[2] “Os vícios não pertencem tanto ao homem, quanto ao homem mal governado” – J.J. Rousseau, Narcisse
[3] Ver dados completos em “The Economist”, “Of Mud and Money”, September 8th 2012, p. 61; Sobre essa decisão da corte suprema americana, Hazel Henderson produziu excelente análise intitulada “Temos o melhor congresso que o dinheiro pode comprar” (“We have the best congress money can buy”).
[4] Robert W.McChesney e John Nichols – “Et les spots politiques ont envahi les écrans” – “Le Monde Diplomatique”, “Manière de Voir”, n. 125,”Où va l’Amérique”, Octobre-Novembre 2012, p. 62 – A liberação do financiamento corporativo das campanhas eleitorais foi conseguida pelo lobby conservador “Citizens United”, junto à Corte Suprema dos Estados Unidos, em 21 de janeiro de 2010, em nome da “liberdade de expressão”.
[5] O financiamento está baseado na Lei 9504, de 1997: "As doações podem ser provenientes de recursos próprios (do candidato); de pessoas físicas, com limite de 10% do valor que declarou de patrimônio no ano anterior no Imposto de Renda; e de pessoas jurídicas, com limite de 2%, correspondente [à declaração] ao ano anterior", explicou o juiz Marco Antonio Martin Vargas, assessor da Presidência do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo.” – Revista Exame, 08/06/2010, Elaine Patricia da Cruz, “Entenda o financiamento de campanha no Brasil”.
[6] “Pouquíssimos candidatos conseguem se eleger com pouco ou nenhum dinheiro”, comenta Mancuso, que coordena o projeto de pesquisa “Poder econômico na política: a influência de financiadores eleitorais sobre a atuação parlamentar”. Ver em Bruna Romão, Agência USP.
[7] No plano propositivo, há um excelente trabalho de Lawrence Lessig, professor de direito da Universidade de Harvard, “Republic Lost: how money corrupts Congress and a plan to stop it”, Twelve, New York 2011, em particular p. 266 e seguintes.
[8] “Le Monde Diplomatique”, “Manière de Voir”, “Où va l’Amérique”, Octobre-Novembre 2012, p.11
[9] “Le plus fort n’est jamais assez fort pour être toujours le maître, s’il ne transforme sa force en droit et l’obéissance en devoir”. “Du Contrat Social”, 1762. “Maître” em francês é muito mais forte do que “mestre” em português, implica força, controle.”
FONTE: artigo de Ladislau Dowbor, economista, professor da PUC de São Paulo, e consultor de várias agências das Nações Unidas. Artigo publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21000).
O artigo é de Ladislau Dowbor
Ladislau Dowbor
“The idea that in a democracy you should be able to trade your wealth into more influence over what the government does is just wrong.” Lawrence Lessig [1]
“Les vices n’appartiennent pas tant à l’homme qu’à l’homme mal gouverné” Rousseau [2]
“Transformar o exercício da justiça em espetáculo midiático não é correto nem ético. Fazê-lo "em nome da ética", menos ainda. Para muita gente, parece tratar-se de uma catarse política, canalização de ódios acumulados. Não se resolve grande coisa dessa maneira. e gera-se, sim, dinâmicas perigosas. E, sobretudo, canaliza-se toda a energia contra pessoas, obscurecendo os vícios do sistema. O sistema agradece, e permanece.
A realidade é que há imenso desconhecimento, por parte de não-economistas, de como se dão os grandes vazamentos de recursos públicos.
Bem, vamos por partes. Primeiro, a grande corrupção, a grande mesmo, aquela que é tão grande que se torna legal. Trata-se do financiamento de campanhas. A empresa que financia um candidato – um assento de deputado federal tipicamente custa 2,5 milhões de reais – tem interesses.
Esses interesses se manifestam do lado das políticas que serão aprovadas, por exemplo contratos de construção de viadutos e de pistas para mais carros, ainda que se saiba que as cidades estão ficando paralisadas. As empreiteiras e as montadoras agradecem. Do lado do candidato, apenas assentado, já lhe aparece a preocupação com a dívida de campanha que ficou pendurada, e a necessidade de pensar na reeleição. Quatro anos passam rápido. Entre representar interesses legítimos do povo – por exemplo, mais transporte coletivo, mais saúde preventiva – e assegurar a próxima eleição, ele, que estudou economia ou direito, e portanto sabe fazer as contas e sabe quem manda, está preso numa sinuca.
O próprio custo das campanhas, quando essas viram uma indústria de marketing político, é cada vez mais descontrolado. Segundo “The Economist”, no caso dos EUA, os gastos com a eleição de 2004 foram de 2,5 bilhões de dólares; em 2010 foram de US$ 4,5 bilhões; e a estimativa para 2012 é de US$ 5,2 bilhões. Isso está “baseado na decisão da corte suprema, em 2010, que permite que empresas e sindicatos gastem somas ilimitadas em marketing eleitoral”. Quanto mais cara a campanha, mais o processo é dominado por grandes contribuintes, e mais a política se vê colonizada. O resultado é a erosão da democracia. E resultam, também, custos muito mais elevados para todos, já que são repassados para o público através dos preços. [3]
Comentando os dados dos gastos corporativos na campanha eleitoral de 2010, Robert Chesney e John Nichols, da Universidade de Illinois, escrevem que os financiamentos corporativos “se traduziram numa virada espetacular para a direita: a captura da vida política por uma casta financeira e midiática mais poderosa do que qualquer partido ou candidato".
"Não se trata apenas de novo capítulo no interminável romance entre o dinheiro e o poder, mas de uma redefinição da própria política pela conjunção de dois fatores: o fim dos limites de doações eleitorais por parte das empresas e a renúncia por parte da imprensa ao exame dos conteúdos das campanhas. Resulta um sistema no qual um pequeno círculo de conselheiros mobiliza montantes surrealistas para orientar o voto para os seus clientes. Esse ‘complexo eleitoral dinheiro-mídia’ constitui, presentemente, uma força temível, subtraída a qualquer forma de regulação, liberada de qualquer obrigação de prudência por uma imprensa que capitulou. Essa máquina é permanentemente mediada por cadeias comerciais de televisão que faturaram, em 2010, 3 bilhões de dólares graças à publicidade política”. [4]
No Brasil, esse sistema foi legalizado em governos anteriores. A lei que libera o financiamento das campanhas por interesses privados é de 1997 [FHC/PSDB]. [5] Podem contribuir com até 2% do patrimônio, o que representa muito dinheiro. Os professores Wagner Pralon Mancuso e Bruno Speck, respectivamente da USP e da Unicamp, estudaram os impactos. “Os recursos empresariais ocupam o primeiro lugar entre as fontes de financiamento de campanhas eleitorais brasileiras. Em 2010, por exemplo, corresponderam a 74,4%, mais de R$ 2 bilhões, de todo o dinheiro aplicado nas eleições (dados do Tribunal Superior Eleitoral)”. [6]
E a deformação é sistêmica: além de amarrar os futuros eleitos, quando uma empresa “contribui” e, portanto, prepara o seu acesso privilegiado aos contratos públicos, as outras se vêm obrigadas a seguir o mesmo caminho, para não se verem alijadas. E o candidato que não tiver acesso aos recursos, simplesmente não será eleito. Todos ficam amarrados. Começa a girar a grande quantidade de dinheiro no sistema eleitoral. Criminalizar as empresas, ou as pessoas, não vai resolver, ainda mais se os criminalizados são apenas de um lado do espectro político. É preciso corrigir o sistema.
Mas custos econômicos incomparavelmente maiores resultam do impacto indireto, pela deformação do processo decisório na máquina pública, apropriada por corporações. O resultado, no caso de São Paulo, por exemplo, de eleições municipais apropriadas por empreiteiras e montadoras, são duas horas e quarenta minutos que o cidadão médio perde no trânsito por dia. Só o tempo perdido, multiplicando as horas pelo PIB do cidadão paulistano e pelos 6,5 milhões que vão trabalhar diariamente, são 50 milhões de reais perdidos por dia. Se reduzirmos em uma hora o tempo perdido pelo trabalhador a cada dia, instalando, por exemplo, corredores de ônibus e mais linhas de metrô, serão 20 milhões economizados por dia, 6 bilhões por ano se contarmos os dias úteis. Sem falar da gasolina, do seguro do carro, das multas, das doenças respiratórias e cardíacas e assim por diante. E estamos falando de São Paulo, mas temos Porto Alegre, Rio de Janeiro e tantos outros centros. É muito dinheiro. Significa perda de produtividade sistêmica, aumento do custo-Brasil.
Esse tipo de corrupção leva a que se deformem radicalmente as prioridades do país, que se construam elefantes brancos. A deformação das prioridades mediante desvio dos recursos públicos daquilo que é útil em termos de qualidade de vida para o que é mais interessante em termos de contratos empresariais, gera um círculo vicioso, pois financia a sua reprodução.
Uma dimensão importante desse círculo vicioso, e que resulta diretamente do processo, é o sobrefaturamento. Quanto mais se eleva o custo financeiro das campanhas, conforme vimos acima com os exemplos americano e brasileiro, mais a pressão empresarial sobre os políticos se concentra em grandes empresas. Quando são poucas, e poderosas, e com muitos laços políticos, a tendência é a distribuição organizada dos contratos, o que, por sua vez, reduz a concorrência pública a um simulacro, e permite elevar radicalmente o custo dos grandes contratos. Os lucros assim adquiridos permitirão financiar a campanha seguinte.
Se juntarmos o crescimento do custo das campanhas, os custos do sobrefaturamento das obras, e sobretudo o custo da deformação das grandes opções de uso dos recursos públicos, estamos falando em muitas dezenas de bilhões de reais. Pior: corrói o processo democrático, ao gerar perda de confiança popular nos processos democráticos em geral.
Não que não devam ser veiculados os interesses de diversos agentes econômicos. Mas para isso existem as associações de classe e diversas formas de articulação. A FIESP, por exemplo, articula os interesses da classe industrial do Estado de São Paulo, e é poderosa. É a forma correta de exercer a sua função, de canalizar interesses privados. O voto deve representar cidadãos. Quando se deforma o processo eleitoral através de grandes somas de dinheiro, é o processo democrático que é deformado.
A moral da história é simples. Comprar votos é ilegal. Vincular o candidato com dinheiro não é ilegal. Já comprar o voto do candidato eleito é de novo ilegal.
A conclusão é óbvia: vincula-se os interesses do candidato à empresa, o que é legal, e tem-se por atacado quatro anos de votação do candidato já eleito, sem precisar seduzi-lo a cada mês [7]. O absurdo não é inevitável. Na França, a totalidade dos gastos pelo conjunto dos 10 candidatos à presidência em 2012 foi de 74,2 milhões de euros. [8]
A grande corrupção gera a sua própria legalidade. Já escrevia Rousseau, no seu “Contrato Social”, em 1762, texto que hoje cumpre 250 anos: “O mais forte nunca é suficientemente forte para ser sempre o dono, se não transformar a sua força em direito e a obediência em dever” [9]. Em 1997 [governo FHC/PSDB/DEM], transformou-se o poder financeiro em direito. O direito de influenciar as leis, às quais seremos todos submetidos.
Ético, mesmo, é reformular o sistema, e acompanhar os países que evoluíram para regras do jogo mais inteligentes, e limitaram drasticamente o financiamento corporativo das campanhas.”
NOTAS
[1] “A ideia de que numa democracia você deveria poder trocar a sua riqueza por maior influência sobre o que faz o governo é simplesmente errada” – Lawrence Lessig – “Republic Lost: how money corrupts congress – and a plan to stop it” – Twelve, New York, 2011, p. 313
[2] “Os vícios não pertencem tanto ao homem, quanto ao homem mal governado” – J.J. Rousseau, Narcisse
[3] Ver dados completos em “The Economist”, “Of Mud and Money”, September 8th 2012, p. 61; Sobre essa decisão da corte suprema americana, Hazel Henderson produziu excelente análise intitulada “Temos o melhor congresso que o dinheiro pode comprar” (“We have the best congress money can buy”).
[4] Robert W.McChesney e John Nichols – “Et les spots politiques ont envahi les écrans” – “Le Monde Diplomatique”, “Manière de Voir”, n. 125,”Où va l’Amérique”, Octobre-Novembre 2012, p. 62 – A liberação do financiamento corporativo das campanhas eleitorais foi conseguida pelo lobby conservador “Citizens United”, junto à Corte Suprema dos Estados Unidos, em 21 de janeiro de 2010, em nome da “liberdade de expressão”.
[5] O financiamento está baseado na Lei 9504, de 1997: "As doações podem ser provenientes de recursos próprios (do candidato); de pessoas físicas, com limite de 10% do valor que declarou de patrimônio no ano anterior no Imposto de Renda; e de pessoas jurídicas, com limite de 2%, correspondente [à declaração] ao ano anterior", explicou o juiz Marco Antonio Martin Vargas, assessor da Presidência do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo.” – Revista Exame, 08/06/2010, Elaine Patricia da Cruz, “Entenda o financiamento de campanha no Brasil”.
[6] “Pouquíssimos candidatos conseguem se eleger com pouco ou nenhum dinheiro”, comenta Mancuso, que coordena o projeto de pesquisa “Poder econômico na política: a influência de financiadores eleitorais sobre a atuação parlamentar”. Ver em Bruna Romão, Agência USP.
[7] No plano propositivo, há um excelente trabalho de Lawrence Lessig, professor de direito da Universidade de Harvard, “Republic Lost: how money corrupts Congress and a plan to stop it”, Twelve, New York 2011, em particular p. 266 e seguintes.
[8] “Le Monde Diplomatique”, “Manière de Voir”, “Où va l’Amérique”, Octobre-Novembre 2012, p.11
[9] “Le plus fort n’est jamais assez fort pour être toujours le maître, s’il ne transforme sa force en droit et l’obéissance en devoir”. “Du Contrat Social”, 1762. “Maître” em francês é muito mais forte do que “mestre” em português, implica força, controle.”
FONTE: artigo de Ladislau Dowbor, economista, professor da PUC de São Paulo, e consultor de várias agências das Nações Unidas. Artigo publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21000).
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