Por Fernando Brito
“Paulo Moreira Leite, em sua coluna na revista “Istoé”, faz um balanço do que ganhou o Brasil com a decisão de manter as garantias legais ao processo. Ele lembra que, quarta-feira, o país escapou de uma situação onde ao Supremo Tribunal Federal, o único poder não-eleito da República, decidir que leis valem e quando valem “Equivaleria a uma agressão direta à democracia, capaz de criar uma situação instável e perigosa, ainda que pudesse ter aparência de normalidade porque resolvida por senhores de togas negras (…)”, diz ele.
OS BENEFÍCIOS DE UMA VITÓRIA DA DEMOCRACIA
Por Paulo Moreira Leite, na revista “IstoÉ”
“Aprovada por 6 votos a 5, a aceitação dos embargos infringentes para 12 réus da ação penal 470 trará os benefícios saudáveis de uma vitória da democracia.
Ninguém sabe, agora, como o STF irá examinar os pleitos de cada um dos condenados, nem quantos poderão receber benefícios que podem ser considerados legais.
Mas o debate sobre os embargos não era uma decisão corriqueira do tribunal. Continha um risco político[partidário] que não pode ser desprezado.
A simples hipótese de o Supremo se recusar a aplicar um direito legal garantido pelo Congresso em deliberação de 1998 iria criar uma situação esdrúxula. Num país onde a Constituição reserva aos parlamentares o direito de elaborar as leis, e à Justiça a missão de aplicar o que os legisladores aprovaram, teríamos um Supremo capaz de se considerar no direito de seguir essa regra apenas quando optasse por fazer isso.
Em outras ocasiões, se dedicariam a reelaborar os ordenamentos do país, mesmo sem dispor de mandato popular para tanto.
O nome disso nem é mais “judicialização”.
Equivaleria a uma agressão direta à democracia, capaz de criar situação instável e perigosa, ainda que pudesse ter aparência de normalidade porque resolvida por senhores de togas negras, cenhos franzidos e linguagem que nem todo mundo entende.
O último voto foi dado pelo ministro Celso de Mello e é preocupante que o saldo final tenha sido marcado por uma diferença tão estreita.
Assuntos mais polêmicos, que tinham menos impacto direto, como as garantias fundamentais, e que geravam compreensível polêmica em vários setores da vida social, como cotas raciais e as uniões homoafetivas, foram aprovadas por unanimidade.
Até o último dia, era possível ler apelos nos meios de comunicação para que o ministro ignorasse a legislação em vigor.
Confundindo a realidade com seus desejos, colunistas ameaçavam com “as ruas” e “o monstro.”
Nem os cidadãos foram mobilizados.
Nem o ministro ficou acovardado, como se pretendia. Como o próprio Celso de Mello fez questão de demonstrar, nenhum dos argumentos levantados contra os embargos poderia sobreviver a uma análise serena e consistente.
Ele respondeu à tese da “multidão” ao lembrar que a imparcialidade, a isenção e independência de um juiz dependem de sua capacidade para distanciar-se dessas pressões para tomar decisões de acordo com sua consciência e suas convicções, exclusivamente.
A tese de que havia um vazio jurídico perdeu sentido quando se verificou que o assunto fora debatido e resolvido pelo Congresso há mais de uma década e nunca mais se falou disso.
A visão de que os embargos seriam uma porta aberta para a impunidade dos condenados comprovou-se puro absurdo.
O ministro recordou que os condenados não terão direito a um segundo grau de jurisdição – garantia elementar não só das leis brasileiras, mas também da jurisprudência da “Corte de Costa Rica”, à qual nossa Constituição está subordinada, por decisão do próprio Congresso Nacional.
Numa intervenção precisa, em que se dirigiu de forma explícita ou implícita a cada um de seus adversários, naquele tom de quem tem autoridade para olhar no olho de cada integrante do plenário, Celso de Mello foi simples e profundo quando recordou: “Nada se perde quando se respeitam e se cumprem as leis da Constituição da República.”
O país perderia muito, caso o dia tivesse terminado com um ato de desrespeito à democracia.
Se o futuro aguarda por outros desafios da Ação Penal 470, o presente oferece bons motivos para comemorar. Há novo oxigênio em Brasília.”
FONTE: escrito por Paulo Moreira Leite, na revista “IstoÉ”. Transcrito e comentado por Fernando Brito no seu blog “Tijolaço” (http://tijolaco.com.br/index.php/moreira-leite-a-democracia-venceu/).
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