domingo, 1 de junho de 2014

O EMPREGO E A URNA


["Medidas impopulares": Mensagem do candidato da direita aos banqueiros e grandes empresários]


[A grande mídia brasileira sempre apoiou a agenda da direita com suas "medidas impopulares"]


Cena europeia típica da "austeridade"

O emprego e a urna

O avanço da extrema direita numa Europa com 26 milhões de desempregados mostra o quanto é perigosa a agenda que pretende replicar aqui no Brasil o "arrocho" praticado lá.

Por Saul Leblon 

"Berço do Renascimento e das ideias libertárias, a Europa se transformou em um enorme depósito de desempregados.

Vinte e seis milhões de trabalhadores foram cuspidos do mercado de trabalho pelo arrocho neoliberal que se arrasta por seis anos.

Vinte e cinco por cento dos eleitores do continente responderam à desordem dando seus votos às ideias xenófobas, de extrema direita, eurocéticas e fascistas nas eleições de domingo passado, na renovação do parlamento europeu.

O conservadorismo brasileiro faz olhar de paisagem.

A mídia trata o terremoto como um sismo em terras distantes.

Um assunto estranho a sua pauta.

Não é.

Os interesses que modularam o funeral do Estado Social europeu nas últimas décadas, e jogaram a pá de cal nesta crise, estão mais do que nunca atuantes na disputa presidencial em curso no Brasil.

O palanque "conservador" nomeia o "arrocho fiscal", de consequências sabidas, como a principal alavanca corretiva para os gargalos da economia brasileira.

Trata-se de recuar o Estado para "o mercado" agir e a sociedade prosperar.

É a ‘contração expansiva’.

Bordão do discurso ortodoxo, ela resultou no estado de sítio econômico imposto à Grécia, Espanha, Portugal, Irlanda etc

A semeadura foi colhida nas urnas de domingo.

A extrema direita capturou um em cada quatro votos depositados nas urnas.

Seu lema remete à legenda dos salvadores da pátria dos anos 30.

Suásticas de ilustrativa rigidez prometiam então substituir a desordem econômica alarmante por uma ordem policial atuante.

Nenhuma outra dimensão da luta política condensa de forma tão significativa o conflito de interesses subjacente às eleições brasileiras de 2014 quanto a pergunta:

- Que futuro os candidatos reservam ao emprego no país?

A economia brasileira terá que criar 6,7 milhões de vagas nos próximos cinco anos. Pouco mais de 1,2 milhão por ano, para responder ao aumento da população economicamente ativa.

O cálculo é da "Organização Internacional do Trabalho", a OIT.

No ciclo de governos do PT (de 2003 a 2013), o Brasil criou cerca de 15,8 milhões de empregos.

Os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso/PSDB deixaram um saldo de apenas 800 mil vagas na economia...

Assim: um corte de milhão de vagas no primeiro mandato e um acréscimo de 1,8 milhão de empregos nos quatro anos seguintes.

A criação média de empregos no Brasil sob a presidência do PSDB, portanto, foi de 100 mil postos por ano.

No ciclo de governos progressistas (2003/2013),  foi de 1,5 milhão/ano.

Ao mês, o PT gerou mais vagas do que cada ano de mandato tucano.

As condições econômicas foram distintas, pode-se argumentar.

Sem dúvida.

Assim como é forçoso recordar: desde 2007/2008, o mundo mergulhou na maior crise do capitalismo dos últimos 80 anos.

O que teria sido do país se os sábios banqueiros do PSDB estivessem no comando da economia então?

Não estavam e 11 milhões de empregos foram criados no período: quase 1,6 milhão de vagas por ano.

Ignorar a lógica econômica que condicionou o resultado das eleições europeias é perturbador.

Os "mercados" festejaram.

As bolsas europeias subiram com força na segunda-feira e na terça, enquanto os números consolidados dimensionavam os talhos no futuro da democracia.

A "Frente Nacional" (FN), de extrema direita, passará a dispor de 24 cadeiras parlamentares, tendo alcançado cerca de 25% dos votos na França – 18 pontos acima do último pleito.

Na Inglaterra, o direitista "Partido da Independência" se tornou a bancada mais forte, ultrapassando o "Partido Trabalhista" de David Cameron.

Na Áustria, o "Partido da Liberdade" (FPÖ) conquistou 20,5% dos votos em todo o país.

Nos países escandinavos, as propostas da extrema direita abriram espaços inéditos no Parlamento de Estrasburgo, no qual 140 dos 751 assentos serão ocupados por deputados para os quais o ideário chauvinista e antissemita não é estranho.

O coletivo dos professores banqueiros do PSDB --e seu ativo retransmissor midiático-- está longe de endossar o nacionalismo de uma Europa machucada pelo alto preço da subordinação a uma moeda manejada em benefício de Berlim, Bruxelas e da alta finança.

Mas as ideias econômicas que alimentam seus candidatos formam costelas do mesmo espinhaço a partir do qual ganharam vida própria os Le Pen, o Aurora Dourada, os Nigel Farage e assemelhados.

A saber:

a) o Brasil vive uma pressão inflacionária decorrente do excesso de demanda;

b) esse deriva do "abusivo" aumento do poder de compra dos trabalhadores, puxado pelo reajuste real de 60% do salário mínimo nos governos Lula/Dilma;

c) a renda das famílias cresce ininterruptamente há mais de 4 anos ;

d) sustenta o insustentável: a expansão da demanda interna --atendida, em mais de 20%, no caso de manufaturados, pelas importações;

e) a solução para o estresse macroeconômico, somatizado em alta de preços, passa por um tratamento de choque: alta dos juros, arrocho fiscal do Estado, desemprego e achatamento salarial.

A mídia cuida de dar a esse receituário [da direita] um sentido de urgência, travestido na narrativa diuturna de um país aos cacos.

Ingredientes objetivos evocados no confronto político de uma época muitas vezes são idênticos dos dois lados da disputa.

O que distingue as margens do rio é menos a sua composição e mais a natureza determinante que se atribui a cada um dos elementos.

Resistir passa por identificar politicamente os fatores que podem diferenciar a qualidade social da transição para um novo ciclo.

Hoje, por exemplo:

- a inflação reflete pressões conjunturais de safra, mas também outras que vieram para ficar, decorrentes de uma mudança estrutural na economia;

- o setor de serviços (telefonia, saúde, energia, bancos etc.), que teve gordas fatias capturadas pelo capital estrangeiro, elevou sua participação no PIB, de 63% para 68,5% nos últimos oito anos;

- a inflação dos serviços tem crescido acima de 8% ao mês (dois ou três pontos acima da média);

- combate-se isso com mais oferta, fiscalização e, sobretudo, regras de reinvestimento;

- nenhuma ‘abertura comercial’ do tipo ‘deixai o mercado agir por conta própria’ vai resolver: serviços são de difícil importação;

- tampouco a alta dos juros supera o impasse; na verdade, apenas agravará seu outro polo : o enfraquecimento do setor industrial;

- o recuo da industrialização vem de longe: em 1985, o setor fabril produzia 27% da riqueza agregada ao PIB brasileiro; em 1996 a fatia retrocederia oito pontos e mais quatro agora, situando-se em 14%;

- a desindustrialização pesada do ciclo tucano foi impulsionada justamente pela panaceia "livre mercadista" que se pretende reeditar: privatizações, câmbio desfavorável, juro alto e abertura comercial suicida.

Os governos do PT agiram sobre essa lógica parcialmente. E de forma lenta.

Manteve-se até 2008 a dupla turbina do juro alto e câmbio valorizado.

A política econômica dos últimos anos, no entanto, introduziu um redefinidor potente na equação.

Ele dificulta sobremaneira a aplicação da vacina ortodoxa novamente.

Os programas sociais, o salário recomposto e a forte geração de emprego elevaram o mercado de massa à inédita condição de ator principal do enredo econômico brasileiro.

A centralidade desse novo protagonista vincula o ajuste preconizado pelo conservadorismo a uma taxa de desemprego de teor inflamável equivalente à produzida pela troika na UE.

Tampouco, porém, a nova escala social cabe no figurino da infraestrutura e da logística existente.

Estudos de organismos do Banco Mundial, citados pelo jornal "Valor" esta semana, indicam que o estoque de infraestrutura existente no país equivale a 16% do PIB.
A média nos países desenvolvidos é de 71% do PIB.

O novo mercado de massa reúne 53% da população, que nos últimos 12 anos elevou, por exemplo, em 182% o número de passageiros nos aviões e fez crescer em 182,5% o trânsito nas rodovias.

Como superar esse descompasso no menor prazo de tempo possível é a pergunta que grita na equação política brasileira, sendo cada vez mais audível nas ruas.

O conservadorismo quer resolver o impasse cortando o mal pela raiz.

Devolvendo a pasta de dente ao tubo do desemprego e do arrocho saneador.

Foi a solução endossada pela socialdemocracia europeia com as consequências contabilizadas no último domingo.

Cabe ao campo progressista brasileiro aprofundar a lógica oposta, abraçada pela esquerda que emerge das cinzas da rendição socialdemocrata.

Ou seja, dar ao novo protagonista social o espaço democrático necessário para renovar a correlação de forças do desenvolvimento brasileiro.

A eleição de outubro deve servir a esse credenciamento.

O resto é 'arrocho'. [ou, em outras palavras, como propõe a candidatura tucana, "medidas impopulares"]


FONTE: escrito por Saul Leblon em seu editorial no site "Carta Maior"  (http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/O-emprego-e-a-urna/31028).[Imagens do google, legenda e trecho entre colchetes ao final acrescentado por este blog 'democracia&política'].

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