O jornal Gazeta Mercantil ontem destacou o texto abaixo, de Antonio Penteado Mendonça, Sócio de Penteado, Mendonça e membro da Academia Paulista de Letras.
“12 de Novembro de 2008 - De forma feliz, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), coloca que o preço da democracia é leve, se comparado com o de outras formas de regime político. Segundo ele, a democracia exige apenas o respeito às regras. Ou seja, ao ordenamento jurídico em vigor. Se este não é bom, ou não atende mais aos anseios da sociedade, as deficiências devem ser sanadas por meio de alterações pertinentes, feitas por quem tem o poder legal para isso, no caso, o Congresso Nacional, que é quem legisla no Brasil. Enquanto as alterações não forem feitas, as regras em vigor, ainda que insatisfatórias, devem ser respeitadas, independentemente da vontade individual, inclusive dos que exercem o poder, sob o risco de, em não o fazendo, se ameaçar o funcionamento harmônico da sociedade.
Infelizmente, de tempos em tempos, normalmente os que estão no poder se esquecem desta lição e tentam mudar o jogo no meio, como se não houvesse regras para definir o andamento da partida. Agora mesmo o STF acaba de julgar inconstitucional uma lei do Estado de São Paulo que autorizava a videoconferência em processos penais, porque, de acordo com a Constituição, a matéria é privativa da União. Quer dizer, não adianta boas intenções se elas não se basearem na lei.
O Brasil, no final do regime militar, fez a transição para a democracia apoiado numa lei extremamente inteligente, que anistiou os atos praticados por todos os envolvidos na chamada guerra suja, que, como o próprio nome diz, não tinha de um lado apenas monstros torturadores e, de outro, cavaleiros imaculados, lutando em desvantagem em nome dos mais sagrados ideais democráticos.
Todo mundo sabe que no período aconteceram coisas feias, que não engrandecem nenhum dos envolvidos, tanto de um lado como do outro. Por isso mesmo, a lei da anistia foi votada com abrangência ampla, geral e irrestrita. A idéia era criar um marco que permitisse ao País andar para frente, livre de ódios e vinganças, com a volta à vida política dos que estavam com seus direitos cassados e o retorno dos exilados, bem como a permanência dos que estavam do lado do regime militar, impedindo o julgamento individual das pessoas por atos criminosos eventualmente praticados durante aqueles anos.
Pretender reabrir o assunto é brincar com fogo num momento em que existem problemas mais sérios à frente. Nenhum regime ditatorial é fácil ou justo. Qualquer ditadura é brutal e capaz de coisas inimagináveis, praticadas, normalmente, por figuras sem qualquer importância dentro da hierarquia do regime. É por isso que Carlos de Lacerda dizia que o drama das ditaduras não são os ditadores, mas os inspetores de quarteirão.
Se comparada às demais ditaduras latino-americanas do período, incluída a cubana, a ditadura brasileira pode ser considerada extremamente branda, em todos os sentidos, inclusive no que tange ao capítulo da guerra suja, do combate aos movimentos armados contra o regime, ao terrorismo, à prisão e à tortura.
Aconteceram excessos imperdoáveis? Sem dúvida nenhuma, mas praticados pelos dois lados. Daí a lei da anistia passar uma borracha não sobre os fatos, mas sobre a possibilidade da responsabilização das pessoas envolvidas.
Ela não fez mais do que seguir a antiga regra de que, acabada a guerra e assinada a paz, a vida segue em frente, sem ódios e sem ressentimentos. Basta olhar a história para se ter claro com que freqüência isso acontece, mesmo porque é a única forma de as sociedades se preservarem e manterem um nível mínimo de civilidade nas relações humanas.
No campo internacional, logo depois da segunda guerra mundial foi criado o Mercado Comum Europeu, tendo à frente França e Alemanha. Já quanto às guerras internas, o melhor exemplo vem da Espanha, que, depois de assolada por uma guerra civil, na qual os dois lados praticaram as maiores barbaridades, e passar por um regime ditatorial feroz, hoje segue em frente, politicamente pacificada, democrática e rica.
Em nome de ações politicamente corretas, o Brasil vai conseguindo a façanha de criar um preconceito racial às avessas. Não que o racismo fosse completamente estranho ao País, mas ele não era um divisor de águas comparável a outros problemas sociais, com a diferença de riqueza ou de classe.
Nós não temos o direito de criar outro ponto de tensão, reabrindo a questão da guerra suja e da tortura, ainda mais quando o tema não faz parte das preocupações da imensa maioria da população. Imagine se Barack Obama, assumindo a presidência dos EUA, decidisse acertar contas com o antigo racismo que até 40 anos atrás era normal no dia-a-dia de determinados estados norte-americanos. A idéia é inconcebível. Não é assim que as coisas funcionam. O que aconteceu, aconteceu. Nenhum negro norte-americano minimamente esclarecido quer este acerto de contas.
Por outro lado, vale lembrar que o homem mais poderoso do mundo, o presidente dos Estados Unidos, um país que teve sérios problemas de integração racial, não é branco, nem negro, mas um mestiço ou, no jargão brasileiro, um mulato. Vale dizer, o rumo certo é o da pacificação e da integração, realidade que no Brasil sempre esteve presente e que, de uns anos para cá, vem sendo ameaçada por ações inconseqüentes, desencadeadas por uma minoria radical, sem qualquer noção de espaço histórico, desenvolvimento social ou momento político.
Transformar um episódio menor dentro da história nacional, como a tortura durante o regime militar, em motivo de desagregação nacional é completamente sem sentido.
Ainda mais quando há uma lei específica tratando do assunto, que veda ações neste sentido. Assim, voltando ao começo, a base da democracia é o respeito à lei. Vamos nos ater a ela.
kicker: É insensato criar novas tensões e reabrir a questão da guerra suja e da tortura.”
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