terça-feira, 9 de junho de 2009

O BRASIL DIANTE DO PRÉ-SAL

“O Seminário "O Brasil diante do pré-sal", realizado no dia 3 de junho, no Auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados, acendeu o sinal de alerta para os militantes da campanha "O petróleo tem que ser nosso". A iniciativa da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, em parceria com o Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica, evidenciou que a maioria dos deputados e a direção da Agência Nacional do Petróleo (ANP) apontam para a criação de uma nova empresa estatal para tratar do pré-sal. O contraponto coube aos petroleiros presentes que fizeram questão de defender a reestatização da Petrobrás e o monopólio estatal do petróleo e gás brasileiros.

Na abertura do seminário, o deputado Bernardo Ariston (PMDB-RJ) ressaltou a importância da descoberta do pré-sal e a necessidade de rediscutirmos o modelo atual de concessão da exploração do petróleo, a partir da análise de outros modelos, como o de partilha de produção. Sem evasivas e com uma visão ambiental bastante questionável, mostrou a velocidade com que entende que deva ser extraído o óleo e gás dessas novas fronteiras:

A redução do uso do petróleo por questões ambientais e o desenvolvimento de fontes alternativas podem reduzir o preço do petróleo ainda mais, tornando a exploração do pré-sal inviável. Por isso, é necessário adequarmos rapidamente nossa legislação para acelerar o ritmo de exploração do pré-sal.

MATRIZ ENERGÉTICA

O secretário de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do Ministério das Minas e Energia, José Andrade Neto, em divergência como o parlamentar peemedebista, foi taxativo: "O petróleo continuará sendo o principal sumo da matriz energética mundial por muitas décadas ainda." O representante do poder executivo federal considera a descoberta do pré-sal um misto de sorte e muito trabalho, mas chama a atenção para o fato de que grande parte da área já está concedida para a exploração de terceiros. Ele ainda destaca:

O debate aqui não é de natureza puramente econômica, mas é um debate geopolítico. Ninguém cresce, ninguém se desenvolve sem energia. Essa é uma preocupação central para os países que querem crescer.

FIM DO MONOPÓLIO DA UNIÃO SOBRE O PETRÓLEO

O secretário de Estado José Andrade justificou a quebra do monopólio estatal com a mudança da Constituição em 1995 como uma necessidade conjuntural. Disse que na metade da década de noventa o Brasil precisava de aporte de investimentos para estimular seu crescimento e que o barril do petróleo não tinha expectativa de ultrapassar os 20 dólares. Mas ele entende que hoje o quadro é diferente e que a legislação precisa ser modificada.

Haroldo Lima, diretor-geral da ANP, disse, a princípio, que o monopólio estatal foi a coisa mais importante que aconteceu. Só que ele afirma que embora tal fato tenha sido imprescindível no passado, hoje ninguém tem mais isso no mundo. Inclusive cita dados referentes aos anos da aprovação da emenda constitucional que flexibilizou o monopólio da União sobre o petróleo e gás, em 95, e a da lei que cria a Agência Nacional do Petróleo, em 97. Com essas menções "comprova" o desenvolvimento do Brasil no setor a partir da mudança privatista na legislação nacional. Por exemplo, afirma que o lucro líquido da Petrobrás subiu de 1,5 bilhão em 97 para 26 bilhões em 2006.

O diretor da ANP, porém, defende a necessidade do governo recapturar algumas ações da Petrobrás para voltar a ser o acionista majoritário. Lima afirmou que 63% das ações da antiga estatal hoje estão em mãos de particulares, sendo que, deste percentual, 85% são negociadas na Bolsa de Nova Iorque. Ele acha difícil, quase impossível a União recuperar o monopólio, mas se conseguir algo em torno de 60% a situação já mudaria radicalmente de figura, em sua opinião. Segundo o representante da agência reguladora da petróleo, dos 122 mil km² da área do pré-sal, 38% já foram concedidos e 62% ainda estão sob propriedade do Estado Brasileiro. Dentro dessa lógica, defende que o Brasil precisa ter uma empresa 100% estatal, que não é a Petrobrás, para cuidar dessa grande riqueza descoberta:

A Petrobrás é a nossa empresa exploratória. Uma nova empresa estatal teria a finalidade financeira-contábil de defender integralmente os interesses do povo brasileiro. Por isso, a retirada dos 41 blocos do pré-sal da 10ª rodada de licitações, quando faltavam 19 dias para os leilões, foi um grande feito do presidente Lula. Assim, podemos estudar melhor como proceder nessa nova área e garantir mais rendimentos a serem revertidos em políticas públicas. Em breve, a comissão interministerial criada pela presidência da república deve apresentar um novo marco regulatório para o setor. Esse seminário de hoje contribui nesse sentido.

Para alguns, essa medida do presidente foi limitada e tardia. Paulo César Ribeiro Lima, consultor legislativo da Câmara dos Deputados, defende a tese de que os blocos não deveriam sequer ter entrado na rodada, lembrando que é papel da ANP delimitar as áreas que farão parte do processo licitatório. O funcionário público concursado ainda fez questão de polemizar sobre uma das maiores dificuldades apresentadas para exploração do pré-sal: o alto custo da operação. Ribeiro recorre aos seus tempos de engenheiro de produção da Petrobrás:

Antes, na Bacia de Campos, quando encontrávamos um reservatório de 6 bilhões de barris, era uma grande descoberta. Hoje, no pré-sal, encontramos reservas de 15 bi com um petróleo de melhor qualidade e maior produtividade. Por isso, não concordo que a produção dessa nova área seja mais dispendiosa do ponto de vista financeiro. Ainda mais que houve grande redução nos custos de perfuração.

POLÊMICA DA NOVA ESTATAL

O consultor legislativo estima que o Brasil, com essa grande descoberta, possa se tornar o 4º maior produtor de petróleo do mundo. Isso a partir de expectativas modestas. Ele ainda questiona quem vai representar os interesses da União diante dessa nova perspectiva:

A Petrobrás é a maior construção do povo brasileiro. Ele poderia ser a responsável exclusiva pela gestão do pré-sal, mas isso exigiria que ela fosse transformada novamente em empresa pública, 100% estatal. Hoje, mais da metade das ações da empresa estão nas mãos da iniciativa privada. Nós precisamos de uma empresa pública para representar nossos interesses, dentro do modelo de partilha de produção, que entendo ser o mais vantajoso para nós. A reestatização da Petrobrás exigiria uma vontade política muito grande que não vejo existir no cenário político brasileiro. A criação de uma nova empresa pública me parece mais factível.

Para visualizar melhor o que significa hoje a Petrobrás para o povo brasileiro, Paulo César Ribeiro revela que menos da metade (47% em 2007) da receita operacional líquida da Petrobrás vão para os cofres públicos. Numa contradição maior ainda, se o petróleo fosse exportado, a participação governamental seria de ínfimos 23%. Na Rússia, por exemplo, essa participação para a União é de 70%. Na Noruega, 77%. Os baixíssimos dividendos petrolíferos destinados à receita pública nacional não tem paralelo no mundo.

O Estado Brasileiro precisa ter conhecimento geológico. O interesse público tem que determinar o planejamento e o ritmo da exploração do petróleo. A solução meia-sola é o modelo norueguês de partilha de produção com a criação de uma empresa 100% pública para representar a União nos acordos de unitização e nos contratos de partilha. Digo isso pois me parece difícil, na atual conjuntura política, reestatizar a Petrobrás - comenta Ribeiro, autor do livro "Os desafios do pré-sal", lançado durante o seminário em Brasília. A publicação é uma iniciativa do Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica da Câmara dos Deputados.

PROJETO DE LEI IMPEDE NOVOS LEILÕES ENQUANTO ÁREA DO PRÉ-SAL NÃO FOR DIMENSIONADA

Sob a perspectiva do conhecimento geológico e da confecção de mapa detalhado da riqueza descoberta a mais de 1,5 mil metros de profundidade, abaixo das camadas do sal, o deputado federal Brizola Neto (PDT-RJ) viabilizou uma alternativa legislativa nesse sentido. O projeto de lei do pedetista autoriza o poder executivo a contratar a Petrobrás para realizar as atividades necessárias ao pleno dimensionamento das jazidas de petróleo nas áreas não concedidas do pré-sal. Essa lei, se aprovada, ainda impede em seu artigo 3º que a ANP aprove qualquer plano de desenvolvimento e de produção na área do pré-sal, enquanto não for concluído o processo de identificação, dimensionamento e configuração dos recursos existentes.

A lógica de participação seguida para o pós-sal é inadequada, e nenhuma definição para a política de aproveitamento dos recursos do pré-sal poderá ser desenvolvida, preservando o interesse nacional, sem o prévio conhecimento fundamental acerca da configuração geofísica dos recursos do pré-sal - destaca o deputado, neto do falecido Brizola, ex-governador do Rio de Janeiro.

PETROBRÁS POSSUI RECURSOS PARA EXPLORAR O PRÉ-SAL

Uma informação importante trazida pelo representante da Petrobrás na mesa "Os impacto econômicos e as fontes de financiamento" foi a capacidade da empresa de explorar o pré-sal. O diretor financeiro da mega empresa petroleira brasileira , Almir Barbassa, foi taxativo:

As finanças da empresa estão muito bem administradas e a nossa capacidade de captação de recursos do BNDES e de outras fontes nacionais e estrangeiras é muito elevada. A Petrobrás tem totais condições de arcar com os investimentos necessários para explorar o pré-sal. Além de todo trabalho ainda desenvolvido no pós-sal e no refino, por exemplo.

Essa nova fronteira traz sim desafios, mas que temos total estrutura para superar, como as dificuldades de logística à 300km da costa, a necessidade de desenvolvimento de recursos de automação para trabalhar em áreas desabitadas, novos materiais anticorrosivos, escoamento do gás presente nessas camadas e aprimoramento da engenharia brasileira.

REPRESENTANTES DO MOVIMENTO SOCIAL DENUNCIAM NOVA ESTATAL E DEFENDEM PETROBRÁS 100% PÚBLICA

A campanha "O petróleo tem que ser nosso" se fez representar no seminário por intermédio do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro, da Federação Única dos Petroleiros e da Frente Nacional dos Petroleiros. O jornal Brasil de Fato e a Casa da América Latina também marcaram presença. Logo na abertura dos trabalhos, João Antônio Moraes, coordenador da FUP, conseguiu a concessão da mesa para ler carta destinada aos parlamentares contra a CPI da Petrobrás. O documento tinha como título "Por uma Petrobrás 100% pública e com controle social! Pela retomada do monopólio estatal do petróleo!"

Francisco Soriano, diretor do Sindipetro-RJ, fez questão de denunciar a alternativa apresentada pelo Governo Federal que aponta a criação de uma nova estatal para o pré-sal:

Não podemos abrir mão da Petrobrás. Não é verdade que o desempenho da empresa melhorou com sua privatização. Todo que somos hoje no ramo do petróleo se deve ao monopólio estatal que precisamos reconquistar. Não queremos uma nova empresa estatal como é na Noruega. Um empresa com menos de 60 trabalhadores, que só trata da parte financeira e terceiriza todo o resto, abre mão de todo o processo de exploração do petróleo. Queremos sim uma Petrobrás forte, 100% pública, com transparência e controle social.

O advogado Modesto da Silveira, ex-deputado federal e diretor da Casa da América Latina, denunciou o que chamou de capitalismo gângster que faz o preço do petróleo oscilar de forma tão abrupta sem qualquer justificativa:

O Estado precisa retomar seu papel com intensidade para evitar que essas práticas de um mercado ganancioso e manipulador ponham em risco o resultado de anos de suor do povo brasileiro. Essas oscilações do preço do petróleo são artificiais e conduzidas pelos grandes capitalistas que só querem se aproveitar dos nossos recursos naturais, sem qualquer respeito à soberania dos povos.

MUITA LUTA PELA FRENTE

Os participantes do movimento social presentes no seminário realizado no Congresso Nacional avaliaram como positiva a atividade. As dificuldades, porém, vislumbradas pela frente são gigantescas, conforme comenta o petroleiro Soriano, militante da campanha "O petróleo tem que ser nosso":

O seminário foi além das minhas expectativas. Pudemos falar tudo o que defendemos para a direção da ANP, o representante do governo e os deputados. É um equívoco eles acharem que essa propalada nova empresa pública é a solução. A própria Petrobrás aqui presente afirmou ter totais condições de explorar o pré-sal. Saio preocupado, pois até os deputados nacionalistas e identificados com os movimentos populares estão alinhados com a proposta de nova estatal. Isso sinaliza que temos que fazer muito mais movimento, pressão, conscientizar mais pessoas e ganhar mais adeptos para a nossa campanha soberana.

FONTE: site “Vi o Mundo”, do jornalista Luiz Carlos Azenha, em 08/06/2009. Texto publicado originariamente pela Agência Petroleira de Notícias.

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