[RECADO A SERRA]
Terra Magazine
Serra "a obrigação de defender as posições do seu país em público", defende colunista
"Estimados milhaaaares de leitores! Dando continuidade à linha temática dessa coluna, que tal mudarmos completamente de assunto? Semana passada falamos de mulheres e suas infelicidades e vocês podem imaginar o que esse filho da Dona Zilah teve que ouvir. Assim, acho que seria uma boa idéia falarmos de algo ameno como, hummm, quem sabe, geopolítica e a nova ordem global?
Pois o Brasil foi até Honduras, ou Honduras veio até o Brasil, o que dá mais ou menos no mesmo, nesse mundo globalizado e interconectado em que vivemos, alguns de nós.
Porque o governador de todos os paulistas, por exemplo, não vê a coisa assim. Disse que o Brasil não tinha que ter se metido no que era um probleminha interno de Honduras, que por sinal fica lá longe.
Governador, governador. Não sei o que fica pior. Quando o senhor se omite e não diz o que pretende fazer com o pré-sal caso eleito (alguém acha que eu ia esquecer desse assunto?), ou quando o senhor se manifesta. Porque o senhor não é apenas o governador de todos os paulistas, mas candidato a ser o presidente de todos os brasileiros, dizem. Então como é que o senhor me vai até a imprensa para enfraquecer a posição do governo do seu país? Nós somos oficialmente contra golpes de estado e a favor da democracia. O senhor tem a obrigação de defender as posições do seu país em público, mesmo que depois baixe a lenha privadamente, se quiser e achar que deve. Para declarações desse tipo, o PSDB tem o Arthur Virgílio, que pode falar o que quiser, porque até os hondurenhos sabem que isso não faz a menor diferença.
Hoje, um presidenciável precisa pensar no mundo, porque o Brasil mudou e já não cabe em si mesmo, e olhe que o que nós temos de espaço não é mole.
Talvez o governador, preocupado em questões tais como a melhor maneira de fazer todos os paulistanos caberem nos cercadinhos do metrô, não tenha percebido que o G-20 acaba de substituir o G-7 como o novo sistema ordenador do planeta. E o Brasil não é apenas membro do G-20, como a Argentina, que contribui enviando a Cristina Kirchner pra ser um rostinho bonito. Nós somos uma das lideranças do G-20, e isso quer dizer, do mundo.
Em uma de suas muitas piadas geniais, o Luis Fernando Veríssimo tem uma que se chama "O líder nato". Nela, o líder nato chega para o seu pai e sua mãe e anuncia:
- Mãe, pai! Não quero mais ser líder!
Ao que eles respondem, "Tudo bem, filho, você é quem manda!"
O Brasil, especialmente o Brasil de Lula, virou líder nato, e não somos nós apenas que escolhemos se lideramos ou não. É o mundo que nos pede, exige, porque somos democráticos, porque somos uma salada étnica que deu certo no tempero, porque nos damos bem com todo mundo, porque qualquer um coloca uma camiseta da Seleção e se sente penta. Ou porque nossa economia é enorme e vai ser maior. Ou porque vamos lá para acalmar as coisas, em vez de colocar lenha na fogueira, como faz nosso amigón Chávez.
Portanto, presidente do Brasil hoje, mais do que nunca na nossa história, precisa pensar muito, muito maior. Precisamos de gente com visão e experiência de mundo. O Governador Serra parece muito focado em cercadinhos. O nosso Aécio Neves dá a impressão de que mundo exterior, para ele, é algo que fica pros lados do Leblon. É pouco, muito pouco, para o que o Brasil se tornou.
Estimados brasileiros e brasileiras, o fato é que hoje os nossos compromissos se estendem para além de nossas fronteiras. O que fazer, como atuar? Como passarmos a pensar diferente, nós que por tanto tempo nos satisfizemos com briguinhas de brincadeira com os argentinos e em puxar o saco da Europa e Estados Unidos? Como aprendermos a pensar em nós mesmos como cidadãos de um país importante para o mundo, mesmo que o mundo não pareça tão importante para todos nós?
Recentemente, no tempo do governo do presidente FHC, nosso representante tirou os sapatos para entrar nos Estados Unidos. Hoje, estamos pisando nos dedos dos americanos ao irmos até Honduras dizendo em alto e bom tom que aquele país, pequeno, pobre, tem um presidente eleito pelo povo. Que uma turma golpista da suposta elite local removeu um presidente eleito e que isso não pode acontecer.
Enquanto isso, os Estados Unidos - com todo o papo furadíssimo deles de grandes defensores da liberdade -, condenam o golpe, mas dão palmadinhas nas costas dos golpistas. E tudo ficaria por isso mesmo, se não fosse um fator novo estar surgindo naquele canto do mundo; justamente o meu, o seu, o nosso, Brasilzão brasileiro. Nós demos proteção ao presidente legítimo de Honduras, para ele ter como colocar as coisas de volta no lugar certo. Nós não ficamos apenas na conversa; fomos e fizemos o certo. Hoje, um cidadão hondurenho, com seus direitos negados e seu voto usurpado por golpistas, tem o mundo berrando a seu favor, e um país fazendo algo de concreto por ele.
O que você acha disso? Você, como os tucanos e demos, como a Veja, é contra?
Não sei como os meus estimados leitores se sentem, mas se a Veja é contra, eu já começo a ficar doido pra ser a favor. Nesse caso, eu já era a favor antes.
Se o meu amado país tem que estar de um lado, prefiro que seja o lado certo. E o lado certo é o da democracia, o pior sistema exceto todos os demais, como disse Churchill.
Não sei o que vocês acham do tal Zelaya. Ele me parece um Agnaldo Timóteo deles, mas é o presidente eleito e quem elegeu foi o povo de Honduras.
Certamente não gosto do que sei do governo do Hugo Chávez, não gosto do Ghadafi nem daquele iraniano horrível e que nega o holocausto e diz que no Irã não existem gays. E temos ainda a beldade que é o Mugabe, e quase todos os líderes africanos. Mas eles são líderes, pro bem ou para o mal, de governos reconhecidos, mesmo que péssimos. Isso sem lembrar do lamentável governo Bush, resultado daquela suspeitíssima eleição contra Al Gore.
Posso não gostar de vários governos, mas gosto muito menos de golpes que derrubam governos democráticos. Aliás, detesto golpes. O governador Serra, entre todos, deveria detestar golpes, ele que foi vítima de dois, ao menos. Mas parece achar que tudo bem, desde que o golpe ocorra em Honduras e, por tanto, no quintal dos americanos.
Será que, no poder, ele vai ser tão subserviente assim aos interesses de lá, que não são exatamente os dos belos ideais propagados pelo Obama?
Eu prefiro o Brasil disposto a ocupar o seu espaço, e isso porque, como nosso presidente Lula, não acho que o mundo seja melhor quando governado somente pelos brancos de olhos azuis. Acho que a gente tem que meter o bedelho, ajudar, mudar. E, de lambuja, pra quem não sabe, hoje a América Latina é um território que compra, e muito, produtos e serviços brasileiros. Temos todos os motivos para estarmos e sermos cada vez mais presentes. Todos estão de olho na gente, de qualquer maneira.
Se isso é real, sejamos então uma boa presença, daquelas que ajudam a deixar o pior, melhor, ou, que ao menos defendem a democracia, algo quase tão frágil quanto as plantinhas aqui de casa, que quase morrem a cada viagem minha e ausência de irrigação. Sejamos melhores jardineiros do que eu, do que o governador Serra, do que os americanos. Sejamos bons o bastante para apoiarmos o nosso governo quando ele afirma o nosso direito e as nossas responsabilidades diante de um mundo cada vez mais ávido por ter na liderança quem sabe fazer, e faz."
FONTE: artigo de Marcelo Carneiro da Cunha, de Berlim, publicado hoje (02/10) no portal Terra Magazine, do jornalista Bob Fernandes. O autor é escritor e jornalista. Escreveu o argumento do curta-metragem "O Branco", premiado em Berlim e outros importantes festivais. Entre outros, publicou o livro de contos "Simples" e o romance "O Nosso Juiz", pela editora Record. Acaba de escrever o romance "Depois do Sexo", que foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens estão sendo produzidos a partir de seus romances "Insônia" e "Antes que o Mundo Acabe", publicados pela editora Projeto.
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