quarta-feira, 4 de novembro de 2009

MARIA DA CONCEIÇÃO: "BANQUEIROS NÃO MUDARAM COM A CRISE"


Maria da Conceição Tavares: "Acho que pode ter outra crise financeira, sim. Mas os grandes bancos estão se lixando, porque o governo ajuda sempre."

"Deitam e rolam", os banqueiros. O diagnóstico cético da economista e professora-emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Maria da Conceição Tavares, enquadra um "cinismo" dos grandes bancos do mundo nos primeiros respiros da crise financeira. Sem perder a clareza jamais, a professora afirma que o Estado brasileiro "não pode reter os gastos públicos numa altura em que você está pensando em sair de uma recessão".

- Mais tarde, é outra coisa. Mas agora não temos jeito. Você tem uma queda da receita, ocorre uma recessão e, ao mesmo tempo, o investimento privado não respondeu. Não vejo nenhuma hipótese de reter os gastos públicos - opina, em entrevista a Terra Magazine.

Na semana passada, o presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Luciano Coutinho, defendeu a entrada da contenção de gastos na agenda pública, para garantir o crescimento da economia nos próximos anos. E propôs: "contenção da taxa de crescimento do gasto de custeio do Estado, reformas a longo prazo do sistema previdenciário e um forte incentivo da poupança das famílias e o desenvolvimento de poupadores institucionais".

Maria da Conceição aprova a taxação do capital estrangeiro, mas sugere controles mais rígidos, pois a medida do governo "ainda é insuficiente". Ex-deputada federal do PT, ela avalia que a crise financeira não alterou a mentalidade dos banqueiros, o que amplia o risco de estourar outra bolha. A "arrogância" permanece inalterada:

- Não vejo nenhuma mudança... Estão arrogantes, dizem que, se o governo quiser controlar, eles apertam o crédito e vai ter recessão. Os lucros voltaram, eles estão aplicando onde eles querem, enchendo o mundo de especulação... Todos esses mercados de ativos especulativos estão voltando. De uma maneira bárbara!

Confira a entrevista.

Terra Magazine - O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, defendeu a contenção de gastos públicos, para fortalecer o crescimento da economia brasileira. Como a senhora entende essa questão?

Maria da Conceição Tavares -
Eu não vi a interpretação do Luciano. Não estou achando que estamos com algum problema. Não pode reter os gastos públicos numa altura em que você está pensando em sair de uma recessão. Mais tarde, é outra coisa. Mas agora não temos jeito. Você tem uma queda da receita, ocorre uma recessão e, ao mesmo tempo, o investimento privado não respondeu. Não vejo nenhuma hipótese de reter os gastos públicos.

O que pensa dos alertas contra a expansão do crédito no Brasil?

É evidente que não é uma maravilha a orientação da expansão do crédito, porque é com automóvel e etc., mas o mercado é livre e ele expande o crédito como ele quer. Não é o caso da situação do BNDES, livre para o investimento. De resto, os bancos comerciais... Cresceu basicamente o consumo. Não tem muito jeito. Mas acho que tem uma boa divisão de trabalho, o BNDES está apoiando a indústria, as exportações, tem o Banco do Brasil, a Caixa Econômica pra construção... Acho que não tem problema algum.

A taxação do capital externo é um fator positivo?

Positiva. Pra mim, ainda é insuficiente, porque está entrando tanto capital pra Bolsa, capital especulativo... Nós já estamos daqui a pouco com uma mini-bolha de novo, daqui a pouco já chegou no limite outra vez, está mais ou menos num nível pré-crise. Mais do que está fazendo, que é correto... Essa é a opinião também dos caras que entendem. Não digo da banqueirada, do pessoal do mercado. Esses, não. Esses só querem ganhar dinheiro. São cínicos. Eles acham que o governo não tem que se meter em nada. Eles querem é lucrar. Como disse o Delfim (Netto), está uma maravilha...

Você entra com o capital financeiro, pra ganhar 5% ao mês em dólar, enquanto lá fora só recebe 3% ao ano. É um grande negócio. De alguma maneira, tem que botar uma areia nessa entrada de capital estrangeiro financeiro.

A senhora identifica uma mudança de mentalidade dos banqueiros depois da eclosão da crise mundial?

Não vejo nenhuma mudança. Falei com um colega meu, que esteve numa reunião lá na Turquia (do FMI), e eles não querem nada. Estão arrogantes, dizem que se o governo quiser controlar, eles apertam o crédito e vai ter recessão. Os lucros voltaram, eles estão aplicando onde eles querem, enchendo o mundo de especulação, não querem controle nenhum. Os próprios projetos nos Estados Unidos... Um até é para diminuir o controle do FED (Federal Reserve), imagine você! O governo dá osso, agora eles estão ótimos.

Num artigo, Paul Krugman disse que os bancos voltaram a se fortalecer e sabotam a política econômica do presidente Barack Obama.

Claro, estão sabotando, completamente. Estão botando projetos com os republicanos.

Não tem que levar a sério os bancos, os nossos também não. O que o mercado fala não quer dizer nada, é tudo pra eles se lambuzarem. Eu acho que tinha até que botar mais restrição à entrada (de capital estrangeiro), botar algum controle. Não dá pros caras irem pra Bolsa do jeito que estão vindo. É ruim. Põem um monte de dinheiro numa coisa que você sabe que é uma bolha. Na verdade, é um risco que a gente corre. Todos esses mercados de ativos especulativos estão voltando. De uma maneira bárbara! Vamos esperar que daqui a pouco estoure outra bolha.

Nesse ritmo, pode se aproximar outra crise?

Acho, acho. A recuperação das demandas excessivas está lenta, o consumo americano não dá pra recuperar assim. Nós estamos cada vez mais dependendo da nossa expansão interna. E acho que pode ter outra crise financeira, sim. Mas os grandes bancos estão se lixando, porque pra eles o governo ajuda sempre...

O Estado entra.

São grandes demais para quebrar. Eles deitam e rolam, fazem o que querem. O mundo não está saindo de crise nenhuma, os sintomas ainda são muito ruins.

Professora, agora uma leitura mais política. Saiu uma entrevista do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, no jornal "Valor Econômico", defendendo a "reestatização do Estado". Ele diz que o Brasil regride a um Estado corporativo, patrimonialista, populista. O que a senhora pensa?

(risos) Eu também gostaria de reestatizar o Estado, mas é para que eles se sintam privatistas. É claro que eu não concordo com a opinião dele. O que essa turma da Casa das Garças (grupo de Armínio Fraga) diz, entra por um ouvido e sai por outro. Mas sua obrigação é perguntar..."

FONTE: reportagem de Claudio Leal publicada hoje (04/11) no portal "Terra Magazine", do jornalista Bob Fernandes.

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