segunda-feira, 2 de novembro de 2009

NYT: "O BRASIL CHEGOU. MAS ONDE?"

"Não há marca mais quente no mercado mundial que o Brasil. Riqueza em matérias-primas, reservas de petróleo, algumas empresas de classe mundial e um presidente com uma séria reivindicação a ser o político mais hábil do mundo despertam paixão global.

Não mais considerado uma terra flagelada de samba e futebol, o Brasil é a potência do século 21 que todos querem cortejar. Vejam a concessão da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016.

Confesso que estou esfregando os olhos. Desde que morei no Brasil, na década de 1980, fui otimista sobre as perspectivas brasileiras. Argumentei que o país deveria ser considerado uns EUA tropicais, e não apenas mais um país latino-americano.

Seu tamanho, sua capacidade de absorver imigrantes e sua cultura empreendedora o distinguem de seus vizinhos. Mas seus problemas -principalmente a pobreza e a violência- pareciam impedir uma reformulação radical da marca.

Esses problemas persistem. O recente tiroteio que deixou 40 mortos no Rio de Janeiro e derrubou um helicóptero da polícia foi dramático o suficiente para chamar a atenção à violência entre facções, que acaba com milhares de vidas todos os anos.

A pobreza e a grande riqueza estão lado a lado, com uma proximidade particular em muitas cidades brasileiras: o dinheiro da droga compra as armas que são as ferramentas (e símbolos de status) do negócio e corrompe a polícia mal paga.

Mas o capital internacional, intercambiável e móvel, ignora esse aspecto do Brasil.

Ele se concentra em outra realidade: a política estável sob Luiz Inácio Lula da Silva, uma economia que cresce 5% ao ano, um mercado de ações florescente, uma potência emergente do petróleo, um país rico em energia hidráulica e solar e pioneiro nos biocombustíveis.

O real avançou cerca de 35% em relação ao dólar neste ano. A enxurrada de dinheiro do exterior para fundos brasileiros é tal que o governo recentemente aprovou imposto de 2% sobre esse fluxo. O imposto e as mortes do tráfico coincidiram em uma clara ilustração da condição brasileira.

O Brasil chegou, é o lugar aonde todos querem ir -e as crianças das favelas ainda morrem todos os dias em brigas por um par de tênis. Em certo sentido, o risco social foi descontado. Os administradores de fundos mundiais decidiram que o progresso do Brasil, sua "história de sucesso", não será desfeita pelas crianças das favelas com armas antiaéreas.

Dado que a passividade social parece ser uma condição contemporânea -a crise mundial não produziu grande rebelião social-, eles têm motivos para estar confiantes. A tecnologia amortece a raiva: ela isola e distrai.

Mas eu me preocupo. A crise global teve a ver com riscos subavaliados. Teve a ver com o contágio da dívida negociada em escala global. Teve a ver com cobiça enlouquecida entre aqueles com os meios para enlouquecer.

Foi sobre a compensação destinada a recompensar o retorno em curto prazo. Foi sobre dois mundos desconexos: o do árbitro de Wall Street e o do trabalhador de Detroit.
Um ano depois do início da crise, os mercados se recuperaram, e o capital flui novamente ao Brasil. Mas as divisões sociais são tão grandes como sempre.

Principalmente, nenhuma nova ideia sobre a economia global e suas inequidades ganhou força.

Até certo ponto, acho que o sucesso da Copa e da Olimpíada no Brasil dependerá do surgimento de um pensamento econômico factível e inovador -ou o mundo, em suas paixões, seguirá adiante cegamente."

FONTE: artigo de Roger Cohen, de Londres, publicado no The New York Times, e reproduzido hoje (02/11) na Folha de São Paulo.

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