"A crise da dívida externa nos anos 1980 e a nova hegemonia ideológica neoliberal, porém, levaram muitos países a adotar a ortodoxia convencional ou o "Consenso de Washington", que causou as crises de balanço de pagamentos e elevou a desigualdade, em vez de promover o crescimento".
A política de crescimento com poupança externa causa a elevação artificial dos salários reais e do consumo
"Nesta semana, deverá estar nas livrarias meu livro "Globalização e Competição". Seu subtítulo completa o conteúdo do livro: "Por que alguns países emergentes têm sucesso e outros não". É a síntese do meu trabalho dos últimos dez anos visando explicar o desenvolvimento econômico em um mundo em que os países competem duramente no plano econômico por maiores taxas de crescimento. É um livro de um economista keynesiano e estruturalista, pois minha visão da economia foi formada na escola de pensamento latino-americana formulada originalmente por Raul Prebisch e Celso Furtado após a Segunda Guerra. Na primeira parte, discuto a economia global em que vivemos e a estratégia correspondente: o novo desenvolvimentismo. Na segunda, procuro desenvolver uma macroeconomia estruturalista do desenvolvimento apropriada para nosso tempo.
O livro parte da tese de que a competição tornou os Estados-nação mais interdependentes, mas também mais estratégicos. Por isso, os países bem-sucedidos são os que adotam a estratégia que denomino novo desenvolvimentismo. O nacional-desenvolvimentismo que foi bem-sucedido na promoção da industrialização e em transformá-los em países de renda média entre 1930 e 1980. A crise da dívida externa nos anos 1980 e a nova hegemonia ideológica neoliberal, porém, levaram muitos países a adotar a ortodoxia convencional ou o "Consenso de Washington", que causou as crises de balanço de pagamentos e elevou a desigualdade, em vez de promover o crescimento. Entretanto, depois das sucessivas crises financeiras dos anos 1990 e dado o êxito de diversos países asiáticos, está surgindo na América Latina o novo desenvolvimentismo, que comparo ao antigo nacional-desenvolvimentismo e à ortodoxia convencional.
Na segunda parte, discuto a macroeconomia estruturalista do desenvolvimento. Os obstáculos maiores ao desenvolvimento estão do lado da demanda. Assim, a política econômica deve assegurar que os salários cresçam com a produtividade (o que não é garantido dada a ilimitada oferta de mão de obra) e, em relação aos mercados externos, que a taxa de câmbio seja competitiva (não sobreapreciada). Entretanto, nos países em desenvolvimento há uma tendência estrutural de sobreapreciação da taxa de câmbio que, se não for neutralizada, será um obstáculo maior para a diversificação e o crescimento da economia nacional.
As duas causas estruturais por trás dessa tendência são a doença holandesa e taxas de lucro e de juros maiores, que atraem o capital estrangeiro. Essas causas são infladas pela equivocada política de crescimento com poupança externa (deficit em conta-corrente), pela prática de juros altos, pela política de âncora cambial para combater a inflação e pela prática de "populismo cambial": deixar apreciar o câmbio para elevar artificialmente os salários.
Contrariamente à crença geral, a política de crescimento com poupança externa não aumenta o investimento e não promove crescimento, mas causa a elevação artificial dos salários reais e do consumo, a substituição da poupança interna pela externa, o endividamento crescente, a fragilidade financeira e, finalmente, a crise de balanço de pagamentos.
Por essas razões, o novo desenvolvimentismo está baseado em crescimento com poupança interna, salários que cresçam com a produtividade, responsabilidade fiscal, taxas de juros moderadas e taxa de câmbio competitiva. Políticas viáveis se houver determinação nacional em vez de submissão a nossos concorrentes no exterior."
FONTE: artigo de Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994". Publicado hoje (02/11) na Folha de São Paulo.
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