quinta-feira, 5 de novembro de 2009

TOTAL DE 6,9% DAS COMPRAS DA UNIÃO CAIU NA MALHA FINA DA CGU

Terra Magazine

"Desvio apurado pela CGU é de 7% do valor de compras da União

Duas dezenas de modalidades de fraudes foram detectadas em compras licitadas pela União nos últimos quatro anos. Suas ocorrências estão mapeadas em setores econômicos, regiões, órgãos, ramos. Envolvem contratos que somam R$ 5,75 bilhões de verbas públicas. Mas isto é só uma amostra de um promissor trabalho de investigação da Controladoria-Geral da União (CGU).

É com lupas informatizadas, e não telescópios, que se vasculham estas contas astronômicas de milhões de contratos.

O ministro da CGU, Jorge Hage, minimiza o flagra de quase R$ 6 bilhões em operações suspeitas: "Representa apenas 6,9% do universo (examinado). Além disso, não significa que em todas elas tenha ocorrido fraude. A procuradoria vai aprofundar para verificar onde realmente houve".

O tal universo se espalha por R$ 164,8 bilhões em licitações realizadas. Um banco de dados de difícil averiguação humana. Graças a uma malha fina tecnológica, foram identificados tipos de irregularidades que vão balizar as auditorias. Novas formas de desvios ainda são estudadas.

- Identificados padrões de comportamento, isso passa a permitir para nós uma atuação preventiva, pra impedir que (essas fraudes) voltem a ocorrer - frisa Hage.

Listando benefícios e indicando aperfeiçoamentos, ele defende o polêmico sistema de pregão pela internet, que passou a dominar as licitações da União e pode ampliar-se por meio de um projeto de lei.

Desvio de verbas públicas é tema que Hage habituou-se a comentar desde a estreia de Terra Magazine, em 17 de abril de 2006. Culpa de um país em que, averiguou a CGU e declarou o ministro àquela época, "a corrupção é cultural, sistêmica; rouba-se em até 80% dos municípios".

Veja a íntegra da mais recente entrevista.

Terra Magazine - Em relação à reportagem da Folha de S. Paulo (de 2 de novembro de 2009) sobre investigações da CGU, como funcionam as fraudes no pregão eletrônico?

Jorge Hage - O que é preciso corrigir em relação à matéria da Folha, não é que tenha informação errada, é que ela induz ao entendimento de que existiram R$ 6 bilhões de compras com fraude. Não é exatamente disso que se trata. O que existe é uma malha fina que estamos criando neste Observatório da Despesa Pública, que é um trabalho de investigação em cima do banco de dados de compras acumuladas dos últimos anos, utilizando esta tecnologia de informática mais moderna que nós temos, procuramos identificar tipologias de fraude que se repetem.

Identificamos estes tipos de fraudes, isolamos cada um, de modo a orientar nossa auditoria, nossa área de controle interno, para já trabalhar de forma mais focada, em cima daquilo, com um trabalho inclusive preventivo. Então, identificamos já 15 a 20 tipos de fraude que transformamos em trilhas de auditoria.

Que tipos, por exemplo?

Por exemplo, vínculo societário entre licitantes. Quer dizer, duas ou três empresas que frequentemente comparecem a uma licitação, a um pregão, como se estivessem concorrendo entre si, quando, na verdade, são do mesmo dono, da mesma família. Outro exemplo: empresas criadas muito recentemente - há um mês, 15 dias ou dois meses - vêm participar de uma licitação.

Havia casos de ligação entre quem fazia a licitação e quem vencia?

Não. O pregão é a única forma de licitação que consegue evitar isso. Porque o pregoeiro não tem contato com os licitantes. Ele não sabe quem está apresentando as propostas. Para ele, aquilo é incógnito. E só se vai saber depois que ele define o vencedor. Esta é uma das várias vantagens do pregão.

Mas, como eu estava lhe dizendo, estas tipologias de fraude nós aplicamos ao banco de dados onde tem R$ 165 bilhões de compras licitadas entre 2005 e abril de 2009. Dentro deste universo de R$ 165 bilhões, identificamos estas tipologias mapeadas em R$ 5,75 bilhões, que é o número que está na matéria da Folha, o número está correto. Agora, isto representa apenas 6,9% do universo.

Além disso, não significa que em todas elas tenha ocorrido fraude. O que significa é que estes 6% é o tanto que caiu nessa malha fina. A partir daí, a procuradoria vai aprofundar para verificar onde realmente houve fraude.

Há chance de, neste universo de R$ 165 bilhões, ter escapado alguma coisa?

Aí não tem chance de ter escapado nada. Porque os softwares são aplicados em cima desta montanha de dados e identificam sempre que ocorrem aqueles tipos de fraude. É lógico que podem ocorrer outros tipos de fraude, outras tipologias. Mas entre essas 15 a 20 que já desenvolvemos, não escapa nada. O que houver de fraude recente e cujo volume, cujo montante, justifique uma auditoria, a gente faz. Agora, a gente não vai atrás de todo este banco de dados que, na verdade, tem dados desde 1998, coisas de 11 anos atrás. É claro que não vamos procurar agora, digamos, se houve uma compra de papel de expediente de R$ 10 mil em 1998.

Mas, estas compras atuais poderão ser investigadas daqui a 11 anos, com um sistema de cruzamento de dados mais moderno?

Não. Aí incide a lei de prescrição. Aí tem que se trabalhar com inteligência, ver o que compensa investigar, onde não é antieconômico investigar, onde o montante vale a pena. Porque este trabalho tem como finalidade principal a identificação do modus operandi das fraudes, dos tipos de fraudes que a criatividade, digamos assim, das empresas vai inventando. Então, identificados este padrões de comportamento, isso passa a permitir para nós uma atuação preventiva, pra impedir que isso volte a ocorrer. Então, a gente identifica, por exemplo, que determinado tipo de fraude está ocorrendo basicamente em determinados órgãos, ou em determinados tipos de compras ou em determinados tipos de contratações, vamos supor, na área de medicamentos ou de ambulância ou de material de informática. Então a gente vai mapeando a tipologia que ocorre em cada setor da economia, dos grupos de fornecedores, cada ramo de negócio, cada órgão, cada região, de modo que cada órgão de controle passa a agir de modo orientado por estas descobertas.

Quais são as vantagens do sistema do pregão eletrônico? A transparência, a redução da corrupção...?

São várias. A primeira, que lhe falei, que o pregoeiro não tem contato com os licitantes. Esta, pra nós, é talvez a mais importante de todas porque o risco de corrupção é diretamente ligado ao contato entre o agente público e o representante privado que tem interesse na história. É nesta interface que se coloca o risco.

Então, se você elimina o contato entre o pregoeiro e os licitantes - o pregoeiro não sabe quem está apresentando as propostas, que ele recebe pela internet -, isso aí já é uma enorme vantagem. A outra vantagem é a transparência. Aquilo ali está visível para todo mundo.

A terceira vantagem é que, como não há o contato prévio, é impossível a orientação, o direcionamento.

Outra coisa é que você primeiro recebe as ofertas de preço. E preço é o fator mais objetivo, embora não possa ser o fator único de escolha em alguns os casos. Por isso mesmo, nem todo tipo de contratação pode se resolver pelo pregão. Mas tudo que é serviço comum, produtos comuns, que podem ser comprados por pregão, nós estamos sempre enfatizando que deve se preferir o pregão porque, primeiro, você escolhe por preço, que é um dado objetivo. Se você oferecer seu produto por R$ 5 mil e eu oferecer o meu por R$ 7 mil, o pregoeiro não tem desculpa para comprar o meu em vez do seu. Quando entram os fatores capacidade técnica, qualidade técnica, criativdade, aí é que a coisa complica. Ou então inabilitação da empresa por falta de documento. Tudo isto, no pregão, fica em plano secundário. Fica para uma segunda fase. Só depois é que se vai ver documentação da empresa etc. Na primeira fase, se escolhe por preço.

Reduz os custos também.

Reduz, enormemente, os custos. Tanto que, desses R$ 165 bilhões aproximados - o número exato é R$ 164,8 bilhões -, licitados entre 2005 e 2009, mais de 50% já foi através de pregão, 82,7% bilhões foi por pregão.

O que ainda deve ser aperfeiçoado neste sistema?

Primeiro, é preciso ampliar os tipos de compras, seviços e obras que podem se contratar por pregão. Nós estamos defendendo esta tese no projeto de lei que altera a Lei de Licitações que está no Senado. Há uma grande resistência de alguns setores, sobretudo das empreiteiras, das associações de indústria da construção etc, que não querem que se amplie a área em que se usará o pregão. Há uma discussão que vem já há um ano deste projeto, que está nas mãos do senador (Eduardo) Suplicy, o relator. Já houve proposta da elevação do teto em que se permite o pregão. Já foi e voltou alguma vez. Hoje me parece que está em R$ 3,4 milhões o limite. Nós gostaríamos que fosse elevado ainda mais no projeto de lei. Mas há uma grande resistência das grandes empresas porque elas alegam que, se você coloca para pregão, você permite a entrada, na competição, de empresas que não têm qualificação técnica e tal, e que vai dar problema na obra. Eu entendo que isso é um argumento válido quando se trata de obras complexas ou de serviços altamente complexos. Mas de coisas mais comuns e rotineiras, não vejo problema nenhum. Esta é uma das coisas que a gente pretende, com esta lei, modificar."

FONTE: reportagem de Eliano Jorge publicada hoje (05/11) no portal "Terra Magazine", do jornalista Bob Fernandes.

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