À medida que a crise diminui, as velhas potências voltam aos poucos ao seu velho comportamento imperial
"Escrevo, leitor, sob a influência de embates recentes no Fundo Monetário Internacional. Ontem, tive uma insônia de rachar quarteirão e hoje, depois de uma reunião conflitiva da diretoria do Fundo, de mais de três horas, estou literalmente no bagaço.
Isso a título de desculpa pelo desabafo que se seguirá. A crise internacional abalou não só a economia mas também a credibilidade das velhas potências -as grandes responsáveis pela tempestade global.
Desde 2008, os Estados Unidos e a Europa se mostraram mais dispostos ao diálogo e mais preparados a ceder algum espaço (com mais relutância do lado europeu) para países como o Brasil.
Em boa medida por isso, Brasil e outros "emergentes" conseguiram diversos avanços na área financeira internacional. Por exemplo, o G20 substituiu o G7 como principal foro para cooperação econômica internacional. Outro exemplo: no FMI foi possível aprovar mudanças importantes nos mecanismos de financiamento, em especial a Linha de Crédito Flexível (sem as condicionalidades tradicionais) criada em grande parte por inspiração e pressão do Brasil. Ainda outro exemplo: em Pittsburgh, em setembro, o G20 chegou a um acordo que estabelece uma transferência para economias emergentes dinâmicas de pelo menos cinco pontos percentuais das cotas do FMI, um passo potencialmente significativo para redistribuir poder decisório entre os países-membros da instituição.
Em outro terreno, a própria eleição de Barack Obama, o primeiro "afro-americano" a chegar à Presidência dos Estados Unidos, teria sido provavelmente impossível não fosse o agravamento dramático da crise pouco antes da votação.
Escrevo, escrevo e me dou conta, de repente, que o lide (como dizem os jornalistas) está demorando a aparecer no texto. Eis o que eu queria dizer: à medida que a crise vai diminuindo, as velhas potências estão voltando aos poucos ao seu velho comportamento imperial. Como diz o ditado: "Old habits die hard" (hábitos antigos demoram a morrer).
No G20, ligaram o rolo compressor outra vez. A falta de regras claras no G20 sempre favoreceu manobras e jogadas -principalmente da parte do Reino Unido, que, como presidente do foro em 2009, tinha mais condições de atuar desse modo. Mas a minha impressão é que, depois da cúpula de Pittsburgh, a tendência das velhas potências ao tradicional comportamento atropelativo está se intensificando (Barack Obama, diga-se de passagem, não está fazendo diferença perceptível para esse tipo de assunto). Se o Brasil e outros países em desenvolvimento não se prepararem muito bem, corremos o risco de que o G20 se torne um ônus para nós.
Aqui no Fundo, o quadro é semelhante. Existe uma prática, adotada com alguma frequência pela administração do organismo e pelos países que concentram o poder de voto, de buscar consensos amplos para as principais decisões. É claro que essa busca de consenso é sempre feita à sombra da distribuição desigual de cotas e votos. Em todo caso, isso aumenta a influência de países como o Brasil. Durante a fase mais grave da crise, a busca de consensos foi bastante comum.
Nos últimos meses, nota-se uma tendência a deixar de lado essa prática em algumas decisões significativas. Passada a emergência, parece haver menos constrangimento em tomar decisões, mesmo de caráter não financeiro, com base na distribuição desigual e ilegítima de poder de voto na instituição.
FONTE: escrito por Paulo Nogueira Batista Jr., diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago). Publicado na Folha de São Paulo de hoje (17/12).
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