Carlos Lessa: É necessário crer o Brasil feliz (apud Camus)
"Dezembro é mês de festas. Juntos, iremos festejar a magia do Ano Novo. Como carioca, participarei da queima de fogos com os 3 milhões de cariocas que estarão nessa que é a maior festa aberta do mundo. Como economista e brasileiro, quero comungar com o ministro Mantega, que afirmou, no dia 7/12, que o Brasil colocou o pé no acelerador da economia e que a previsão de crescimento de 5% do PIB para 2010 é modesta.
Por Carlos Lessa,* no Valor Econômico
O mercado prevê crescimento do PIB de 0,21%, em todo 2009, e projeta para 2010 pelo menos 5%. Mantega reiterou seu repúdio ao prognóstico de Krugman de que o Brasil vive uma bolha de consumo. Nessa data, também divulgou sua previsão de crescimento do PIB, no terceiro trimestre de 2009, entre 1,9% e 2,1%. Entretanto, no dia 10/12, foi anunciado que, no terceiro trimestre, a economia cresceu 1,3%, indicador frustrante da euforia ministerial do dia 7/12.
O desempenho dos setores é ilustrativo. A firme liderança dos últimos anos da intermediação financeira foi confirmada pelo crescimento de 6,1%, e os serviços de informação, 4,5% (desconheço o ritmo de crescimento dos serviços privados de segurança). A agropecuária cresceu 9%; a construção civil, 8,4%; a indústria de transformação diminuiu 7,9%. O comércio, apesar do sustentado crescimento do consumo das famílias (2%), decresceu 2,8%. Caiu, também, 3,3%, o desempenho da eletricidade, água e gás. Deploro que em 2009 o PIB terá o pior desempenho em dez anos.
Enquanto isso, a China aumentou 8,9% no terceiro trimestre de 2009. A China vive uma bolha de consumo e seu governo está preocupado em desativá-la. EUA patinam na crise e convivem com o espectro do desemprego (10% da força de trabalho); prognosticam uma provável atrofia nos cartões de crédito. Lá, os bancos e empresas de cartões ganham entre US$ 40 bilhões a US$ 50 bilhões com taxas de intermediação bancária dos cartões de crédito. Fala-se de uma tesoura: uma lâmina é o corte de gastos de consumo que as famílias americanas estão fazendo, a outra é a elevação dos custos sobre os cartões para cobrir a inadimplência e preservar a lucratividade bancária.
Há medo que essa tesoura alimente a depressão e eleve os preços das mercadorias que se apóiam em cartões de crédito e torne crônica a estagnação. A OIT prognostica pelo menos mais 4 anos de alto desemprego no Primeiro Mundo. Na Europa, a situação é crítica: na Europa Oriental, o PIB conjunto deve se contrair em 18% em 2009 e é medíocre na Europa Ocidental, sem qualquer indicação firme de recuperação.
Claramente foi interrompida e adiada a reestruturação de seus sistemas financeiros. No coração da globalização financeira, o presidente Obama critica as instituições financeiras que causaram a crise econômica e, agora, brigam com unhas e dentes contra um maior controle sobre o setor financeiro.
A China já incorporou a África Subsaariana como provedora de matérias-primas (petróleo) e alimentos; propõe à Argentina-Uruguai o mesmo papel e sinaliza para o Chile exercitar a propalada plataforma no Pacífico Sul, no estilo de Cingapura. O Japão amplia seu gasto público para fugir da recessão sem temer sua situação fiscal, que é a pior do Primeiro Mundo.
Espero que o Brasil, em 2010, supere a marolinha e retome o crescimento. Faço votos para que o presidente Lula esteja certo ao propor que o Brasil venha a se tornar a quinta maior economia do mundo até 2016. Lembro que E. Geisel havia prognosticado que o Brasil seria grande potência em 2000 e o neoliberal Mário H. Simonsen escreveu as profecias da ditadura com sugestivos títulos: Brasil 2001 e Brasil 2002. Naquele tempo, houve um ministro que festejou a primeira crise do petróleo qualificando-a de bendita e afirmando que o Brasil, frente à crise, sacudiria a poeira e daria a volta por cima. O Brasil, se crescer de 7% a 8% ao ano, talvez possa confirmar a profecia de Lula. Não será pelo comércio exterior. A agropecuária brasileira terá, em 2009, seu pior desempenho em 16 anos. Não se repetirá a bolha especulativa que alavancou os preços em dólar das commodities. As exportações de manufaturados vêm se contraindo e não é previsível uma agressividade exportadora industrial brasileira.
Os Gigantes Asiáticos estão, cada vez mais, empurrando para trás as manufaturas industriais exportáveis; a não ser que se acredite que a China vá apoiar exportações brasileiras, como os aviões da Embraer. Duvido que os chineses batam prego sem estopa. Financiando, terão a Embraer e seu mercado nas mãos; no futuro, o domínio será chinês.
Pode haver um milagre brasileiro, desde que imitemos a China, desvalorizando o real (o yuan manteve a paridade com o dólar e o real foi a moeda que mais se valorizou - em uma espécie de morte exportadora anunciada). O câmbio deveria estar próximo a R$ 3/US$ 1. O juro primário deveria baixar para menos de 7% ao ano. Deveríamos controlar todas as operações cambiais e proibir entradas de capital estrangeiro de curto prazo.
O Brasil deveria ampliar, significativamente, o PAC. Falta de energia e/ou energia cara freiam investimentos produtivos. É um erro estratégico depender do suprimento termelétrico. Nos próximos 4 anos, a expansão da oferta dependerá de termeletricidade, que é 40 vezes mais poluente que o recurso hídrico e tem custo bem mais elevado. O pré-sal pode definir uma nova frente de industrialização, desde que o Brasil não venha a ser exportador de óleo cru, nem tenha veleidades do tipo Dubai.
Precisamos de transporte coletivo urbano sobre trilhos e dispensamos o trem-bala, um brinquedo caro. O PAC deve apostar na mudança da matriz logística. Integrar com eixos ferroviários todas as regiões brasileiras e restaurar a navegação e cabotagem marítima e fluvial teria o impacto de, reduzindo fretes reais, ampliar o poder de compra dos brasileiros. Voltaríamos a ter um mercado interno dinâmico, em vez de esticar prazos e aumentar o endividamento das famílias (em 5 anos, dobrou o número de famílias com dívidas acima de R$ 5 mil). São 23 milhões de famílias cuja adimplência depende do crescimento do emprego e da renda, caso contrário explodirá a bolha de consumo.
Não basta retomar o crescimento; a civilização brasileira exige crescente equidade social. Espero que haja continuidade na ampliação do poder de compra do aposentado, elevação do salário mínimo real e ampliação do Bolsa Família. Sempre defendi a eletrificação como a preliminar da integração na modernidade; aplaudi o Luz para Todos. Faço votos que prospere a Saúde para Todos tendo, como preliminar, água de qualidade e saneamento. Espero que o PAC saneie o Vale do Paraíba do Sul e dê início à utilização do aquífero Guarani. O eixo Rio-São Paulo está ameaçado por falta de água e excesso de esgoto não tratado. O presidente Lula deveria estender para todos os brasileiros o seu sonho de retirar os maranhenses da #*%&!
Renovo meu otimismo em relação à potencialidade brasileira. Podemos elevar substancialmente o investimento público em energia e transporte. O medo à ressurgência inflacionária não tem sentido com a capacidade ociosa instalada na indústria e a reconhecida capacidade de recuperação da agropecuária. É necessário o controle de câmbio para a defesa industrial.
Deveríamos, na proximidade de 2010, refletir sobre o futuro nacional; perceber a potencialidade da civilização brasileira, que não é arrogante, e parafrasear Cidinho e Doca no Rap da Felicidade: Eu só quero é ser feliz... na nação onde nasci."
FONTE: escrito por Carlos Lessa, professor emérito de economia brasileira da UFRJ. Foi o primeiro presidente do BNDES do governo Lula. Publicado no jornal Valor Econômico e portal Vermelho.
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