terça-feira, 16 de março de 2010

PREMIÊ PALESTINO: "O BRASIL TEM PRESTÍGIO E AFEIÇÃO UNIVERSAL PARA SER MEDIADOR"


"Prestígio universal permite a Brasil ser mediador, diz premiê palestino

Em entrevista à Folha, Fayad afirma que "Estado palestino está pronto" e que esse fato em breve vai ficar óbvio para o mundo a despeito de paz com Israel

O premiê palestino, Salam Fayad, está à frente de uma revolução silenciosa. Nos três anos desde que assumiu o cargo, Fayad, 58, tem sido o motor de uma lenta mas persistente transformação da imagem da Autoridade Nacional Palestina (ANP). De entidade corrupta e ineficiente para embrião institucional de um país. Economista internacionalmente respeitado, com passagens pelo Banco Mundial e FMI (Fundo Monetário Internacional), Fayad nunca portou uma pistola. Suas armas são a eficiência, a responsabilidade e a transparência.

Em entrevista exclusiva à Folha, Fayad, que hoje se reunirá com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Belém, explicou porque ainda crê em seu plano de estabelecer um Estado palestino até 2011.

FOLHA - Diante de tantos percalços, ainda é possível um Estado palestino em 2011?

SALAM FAYAD -
Sim, é possível. Estamos construindo nossas instituições e seguindo padrões internacionais de gestão financeira que muitos países não têm. Mas para isso precisamos de um processo político capaz de terminar a ocupação. Esse processo não começou agora, mas nos anos 90. Deveria terminar em maio de 1999. Os temas já foram extensamente negociados. O que é considerado um desfecho aceitável para as negociações é mais que conhecido a esta altura. Mas a comunidade internacional precisa se esforçar muito mais para colocar fim à ocupação israelense.

FOLHA - Falta mais esforço dos Estados Unidos?

FAYAD -
Não há dúvida de que para que esse processo seja bem-sucedido, os EUA terão de ter um papel dominante, por todo o longo envolvimento do país na região. Mas isso não significa que bastam os EUA. Nos últimos anos houve uma ampliação da mediação, com o envolvimento do Quarteto (EUA, União Europeia, Rússia e ONU). Foi criada uma sensação de parceria internacional, o que é um avanço. Mas essas não são as únicas potências mundiais que têm interesse em paz no Oriente Médio. O equilíbrio de poder mundial mudou e continua mudando. O Japão, por exemplo, é uma grande potência e não faz parte do Quarteto. China, Índia e Brasil tampouco. Quem discute o peso político e econômico do Brasil no mundo hoje?

FOLHA - Que tipo de papel o Brasil pode ter nesse processo?

FAYAD -
O Brasil goza de prestígio universal e afeição imediata. É um atributo único, que pode ser extremamente importante numa negociação. Tenho imenso respeito pelo que o presidente Lula fez em seu país. A ampliação do processo de mediação é necessária para refletir a nova ordem mundial, e o peso do Brasil não pode ser ignorado. É claro que não falo de uma mediação conduzida somente pelo Brasil, porque aí estaríamos voltando às mesmas limitações de um processo só com os EUA. Mas numa negociação multilateral a participação do Brasil seria de grande ajuda.

FOLHA - Digamos que houvesse uma guinada dramática e o acordo de paz com Israel fosse assinado amanhã. O Estado palestino estaria pronto?

FAYAD -
O Estado palestino está pronto. E esse fato vai ficar tão óbvio para o mundo que em breve será impossível negá-lo. Nossa ideia é criar uma massa crítica de mudanças positivas que tornará fácil convencer a comunidade de nações que os palestinos têm, de fato, algo que parece um Estado em funcionamento. Se a ocupação não terminar até lá, nossa convicção é que haverá tanta pressão para que o processo político produza esse resultado que ele acontecerá. Nossa independência será um dia que toda a humanidade celebrará, e a comunidade de nações estará com os palestinos.

FOLHA - Alegações de corrupção sempre marcaram a administração palestina. É um obstáculo?

FAYAD -
Pela primeira vez os doadores começaram a transferir dinheiro diretamente para nós, o que indica a confiança que eles têm em nosso sistema. Não é segredo que rumores de corrupção e desvios acompanham a Autoridade Nacional Palestina. A realidade é que houve uma significativa evolução na forma de administração da ANP e na construção de instituições. O Ministério das Finanças funciona muito bem, seguindo os mais altos padrões internacionais. O fato de sermos capazes de publicar com absoluta regularidade todo dia 15 do mês um relatório financeiro sobre o mês anterior mostra não só nossa abertura, mas também a capacidade administrativa de tornar possível essa transparência. O problema é que a percepção de corrupção pode ser tão ruim como a própria corrupção. Estamos tentando mudar isso sendo agressivamente abertos.

FOLHA - O sr. acredita no premiê israelense quando ele diz apoiar o estabelecimento do Estado palestino?

FAYAD -
A questão é de que país ele está falando. Se for país formado por restos, em que Israel mantém o controle, não aceitaremos. Queremos um Estado que emerja em todos os territórios ocupados por Israel em 1967. E sim, com Jerusalém Oriental como capital."

FONTE: reportagem de MARCELO NINIO, enviado especial a Ramallah, publicada hoje (16/03) na Folha de São Paulo [imagem obtida no portal UOL].

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