“Com o título “Comunidade científica se mobiliza contra a reforma do Código Florestal”, o Portal da Unicamp noticia a publicação de uma carta de seis pesquisadores brasileiros, dois deles colegas do IB, na revista Science de 16 de julho, fazendo um alerta à comunidade científica internacional contra a reforma do Código Florestal Brasileiro. Dois aspectos precisam ser discutidos, um concernente ao conteúdo da notícia, outro à forma jornalística.
Por José Ricardo Figueiredo*
Quanto ao conteúdo. Se é importante a mais ampla discussão do projeto, o caminho encontrado pelos seis pesquisadores é lamentável. A discussão sobre o Código Florestal Brasileiro compete essencialmente a nós, brasileiros. Inaceitável abdicar da nossa soberania em discussões sobre nossos próprios recursos.
Os problemas ambientais brasileiros não estão na legislação, mas na aplicação da lei, na fiscalização. A legislação ambiental brasileira, tanto na forma atual quanto na forma proposta, é muito mais conservacionista que a de qualquer nação europeia, dos Estados Unidos ou da Austrália, que foram estudadas pelo relator.
Dos mecanismos de conservação de biomas aqui existentes, as Áreas de Proteção Permanente encontram alguns dispositivos simulares em um ou outro país, mas a Reserva Legal sequer existe em qualquer lugar. A despeito de algumas flexibilizações, mencionadas adiante, ambos os mecanismos são preservados na reforma proposta. Enfim, é muito difícil achar país que tenha o que nos ensinar na discussão dessa nossa reforma. Qual o sentido de “alertar a comunidade científica internacional”, em tons alarmistas, sobre um suposto desastre ambiental no Brasil?
O caminho escolhido pelos seis pesquisadores só é compatível com a ilusão ingênua de que as coisas são o que parecem, que as prédicas de governos e organizações não governamentais de países desenvolvidos em favor do meio ambiente ou dos direitos humanos inspirem-se de fato em sinceras preocupações com o meio ambiente e os direitos humanos. Ora, o mundo ainda vive uma unipolaridade em que os país centrais arrogam-se o direito o direito de intervir, exercendo pressões diplomáticas, econômicas, políticas e efetuando ações militares, onde lhes interesse, a qualquer pretexto conveniente.
Desde a Rio 92, está em discussão nos fóruns internacionais a divisão de custos do combate à degradação ambiental entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento. A carta alarmista será argumento fértil para pressões em negociações comerciais, diplomáticas, e em sabe-se lá o quê.
O segundo aspecto a se destacar é a forma jornalística da matéria, que trata a questão da revisão do Código Florestal de maneira pobremente informativa, unilateral, panfletária, inconcebível na imprensa institucional de uma universidade como a Unicamp.
Começa pela generalização artificiosa do título, que transforma meia dúzia de docentes na “comunidade científica”, e suprime os acadêmicos e especialistas favoráveis à reforma, incluídos aqueles citados como embasamento no próprio projeto do relatório.
A matéria não esconde sua concordância com os argumentos da carta, quando diz, por exemplo: “O docente do IB esclarece que não é verdade que a agricultura brasileira está sufocada pela legislação ambiental e muito menos que o país corra o risco de desabastecimento de alimentos caso as fronteiras agrícolas não avancem sobre as florestas”.
Ora, o principal ponto do relatório trata de ameaças reais da legislação ambiental atual, particularmente a originada por decretos, portarias e medidas provisórias das duas últimas décadas, e que atuaram retroativamente.
A Reserva Legal é a exigência da manutenção de uma percentagem mínima de área com bioma nativo preservado em cada unidade produtiva, mínimo que varia de 20% na região Sul a 80% na Norte. O grande problema concerne às unidades que atualmente não atingem aqueles mínimos, pelo desmatamento histórico, e que seriam obrigadas a recuperar o bioma original na percentagem exigida pela Reserva Legal. O duplo custo do plantio de árvores e da perda de área agricultável ameaça levar à falência muitos agricultores, principalmente pequenos e médios, gerando maior concentração fundiária, além de encarecimento dos alimentos.
Também a legislação das Áreas de Proteção Permanente foi afetadas pela retroatividade. O relatório do deputado Aldo Rebelo cita exemplos expressivos.
“Passou para a ilegalidade a criação de boi nas planícies pantaneiras... Fora da lei, estão também 75% dos produtores de arroz, por cultivarem em várzeas ... Em desacordo com a norma legal, está também boa parte da banana produzida no Vale do Ribeira, em São Paulo... A situação é igual para milhares de agricultores que cultivam café, maçã e uva em encostas e topos de morros em Minas Gerais, Espírito Santo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.”
Tal legislação mostrou-se tão inaplicável que o Executivo vem postergando, por decretos, a aplicação de seus dispositivos mais problemáticos. São estes os problemas reais que motivaram a revisão. Para os autores da carta e para a reportagem do Portal da Unicamp, entretanto, para provar que “não é verdade que a agricultura brasileira está sufocada pela legislação ambiental”, bastam platitudes de que o desenvolvimento técnico possibilita maior produção em menor área.
Diante destes problemas, o relatório do deputado Aldo Rebelo propõe que unidades pequenas, abaixo de quatro módulos rurais, fiquem desobrigadas de recuperar a Reserva Legal. Para unidades maiores são oferecidas alternativas, como a aquisição de outra área do mesmo bioma, mesmo que não contígua, para fins de conservação. Para as Áreas de Proteção Permanente já ocupadas, indica manutenção das atividades atuais até uma avaliação técnica específica. A única ampliação de limites para novos desmatamentos é a redução de 30 para 15 metros das matas ciliares de córregos e ribeirões até 5 metros de largura. Para rios maiores, a exigência de preservação varia até 600 metros.
Poucos países dispõem de matas ciliares de 15 metros mesmo para rios caudalosos. Nunca se ouviu falar de um país que obrigasse seus produtores a converter áreas agrícolas em florestas. No entanto, são estas as medidas pelas quais o Brasil foi condenado a levar pitos da comunidade científica internacional.”
FONTE: escrito por José Ricardo Figueiredo, professor da FEM (Fundação Educacional de Machado).
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