segunda-feira, 8 de novembro de 2010
GOVERNO NÃO PODE SER SOMA DE FEUDOS
“ENQUANTO NEGOCIA MINISTÉRIOS COM OS PARTIDOS ALIADOS, O PRESIDENTE DO PT, JOSÉ EDUARDO DUTRA, DEFENDE UMA RELAÇÃO MENOS AGRESSIVA COM A OPOSIÇÃO
Entrevista com José Eduardo Dutra
No comando das reuniões com presidentes de partidos aliados para tentar domar seus apetites sobre os cargos no futuro governo Dilma Rousseff, o presidente do PT, José Eduardo Dutra, não anda conseguindo domar nem o próprio apetite, e nem o de seu partido, o PT.
Em entrevista ao GLOBO durante um almoço, ele se despedia da comilança com linguicinha de Formiga, iguaria tradicional de Minas, massa com bacalhau e, de sobremesa, risoto de chocolate branco e cobertura de morango. Prometeu rigor não só na condução da articulação com aliados, mas também com a dieta, depois de engordar quase dez quilos durante a campanha eleitoral.
Antes de sair de folga, Dutra descartou a possibilidade de entregar a aliados ministérios com “porteira fechada” (a ocupação vertical de todos os cargos da pasta), aventada após a eleição. Disse que coligação não é uma soma de feudos. E lançou uma ideia que pode espalhar mais cizânia na oposição: zerar o jogo dos 16 anos de oposição agressiva — de petistas primeiro e de tucanos depois. O governo Dilma daria o primeiro passo em direção ao senador eleito Aécio Neves (PSDB-MG). O candidato tucano derrotado, José Serra, disse o presidente do PT, “com todo respeito, está fora”, por não ter mais mandato.
Botafoguense doente, o sergipano Dutra fez malabarismos com a agenda para ver alguns jogos: — Para completar minha felicidade agora, só com o Fogão campeão…
O GLOBO: Já começou a briga por cargos entre aliados?
JOSÉ EDUARDO DUTRA: Ninguém vai apresentar um pacote a ser negociado. A presidente Dilma tem que ter a devida autonomia para tentar compor um governo que, sem prejuízo do tamanho dos partidos, será de pessoas que ela acredita com mais capacidade para implementar o projeto.
A verticalização na ocupação dos cargos será adotada para a divisão do governo com os aliados?
DUTRA: Ainda não há definição se será “porteira fechada” ou “porteira aberta”. Até porque ela quer ter primeiro um panorama global de como estão pensando os partidos. Fui encarregado dos primeiros contatos com os partidos.
A “porteira fechada” não tira a autonomia da presidente eleita?
DUTRA: O governo não pode ser formado a partir de uma soma de feudos. O governo é de coalizão, em que partidos têm que estar representados.
Como administrar a demanda dos partidos que cresceram nas eleições e querem um espaço maior? O PT vai ceder?
DUTRA: A composição do governo não pode levar em consideração a aritmética do crescimento.
Isso significaria aumentar as estruturas do governo indefinidamente. Não é assim!
Que papel terá o presidente Lula para o PT e o governo Dilma?
DUTRA: O Lula é uma liderança da humanidade. Seria um contrassenso o PT, o governo Dilma ou o próprio país dispensar a contribuição que um homem como esse pode dar. Não dá para querer que um homem com essa experiência, com 65 anos, no auge de sua capacidade, venha botar o pijama.
Será uma espécie de eminência parda do governo?
DUTRA: Quando se fala em eminência parda pode parecer que é uma sombra pairando… O Lula hoje é quase que uma instituição, a qual todos vão recorrer nos momentos em que necessitarem.
O presidente Lula está inserido no projeto de 20 anos de poder do PT?
DUTRA: Não existe esse negócio de definir projeto de poder por número de anos. O PT tinha um projeto de chegar à Presidência da República. Chegou.
Conseguiu a reeleição e agora ganhar mais quatro anos. Normalmente, são vertentes autoritárias que trabalham com projetos de longo prazo. O nazismo é que trabalhava com um projeto de décadas.
Se Sarney não disputar a reeleição à presidência do Senado, o candidato do PMDB pode ser Edison Lobão. Há quem diga que seria bom para um governo novo se livrar desses estigmas, e renovar Câmara e Senado…
DUTRA: Não podemos ficar nessa coisa de que tem ou não que renovar, até porque objetivamente isso passa pela decisão do povo que elegeu as maiores bancadas. Ficar nessa discussão de que não pode ser fulano porque sicrano é antigo tem uma vertente preconceituosa de que o povo votou errado.
Mas não é desgastante para Dilma, que inicia um momento novo, ter o Sarney do lado?
DUTRA: Não há nenhum desgaste porque o Sarney é um parceiro nosso, que teve um papel importante no governo Lula.
Estou dizendo que existem pessoas ali colocadas por vontade do povo. Na conversa com Michel Temer, acordamos em repetir um protocolo assinado pelos presidentes dos dois partidos deixando claro que não vai haver disputa entre PT e PMDB para a presidência da Casa. Haverá revezamento, com um biênio para cada.
Como espera que seja a relação do governo com a oposição, que administra a maioria do eleitorado brasileiro?
DUTRA: A relação com a oposição leva em consideração o peso de cada partido no Congresso. Isso é histórico.
Acha que a oposição não vai contar com o peso dos seus governadores?
DUTRA: A própria influência dos governadores em suas bancadas é relativa. Vamos lembrar que, na votação da CPMF, que foi o grande conflito no Senado onde o governo perdeu, os governadores da oposição, a começar por Serra e Aécio, eram a favor da continuidade da CPMF. Nem por isso conseguiram. A relação com a oposição se dá principalmente através do Congresso.
E como será?
DUTRA: Fui senador oito anos, onde tinha uma oposição com o governo (Fernando Henrique) em clima de Fla-Flu: o que vem do governo é ruim, o que vem da oposição também é ruim. Tivemos mais oito anos (governo Lula) onde se repetiu essa lógica.
Já que cada um teve seus oito anos, seria possível criar uma relação governo/oposição sem esse clima de Fla-Flu: a oposição deixar de tratar tudo que vem do governo como ruim, e o governo deixar de tratar como ruim tudo que vem da oposição. Criar pontes em relação a isso.
Vocês dariam o primeiro passo?
DUTRA: Defendo que isso aconteça, e é claro que o primeiro passo tem que ser por parte do governo, que foi vitorioso. Desobstruir canais de conversa, tem que ser por iniciativa do governo.
A conversa seria com Aécio Neves, líder ascendente, ou José Serra?
DUTRA: Sem qualquer demérito ao Serra, que também tem uma liderança importante, vamos lembrar que quem tem mandato não é ele. Não me refiro só ao Aécio. O processo de conversa se dá no Congresso.
Então é claro que o Aécio — estou pegando um exemplo que tem sido citado — vai ter um papel proeminente pela oposição no Senado. Não só pela sua importância, por já ter sido presidente da Câmara, não só pela vitória. É porque está credenciado como uma voz importante na oposição, assim como outros que se elegeram.
O Aécio já disse que quer fazer uma agenda de Estado para orientar a oposição…
DUTRA: É um sinal positivo. Quando falo na nova relação, não estou nem de longe insinuando cooptação da oposição. A oposição tem de existir de forma independente para fiscalizar o governo, é bom que exista porque quando não tem, o governo tende a relaxar.
O José Dirceu já foi reabilitado no PT. Se inocentado pelo Supremo, será reabilitado também no governo?
DUTRA: Do ponto de vista partidário, ele mantém todos os seus direitos estatutários, tanto que foi eleito e é da direção do partido. A grande questão que está colocada agora não é o Zé Dirceu, vocês têm uma obsessão…
Ele sendo inocentado, pode ir para o governo Dilma?
DUTRA: Claro que qualquer pessoa que está sendo objeto de um processo, quando inocentada, está plenamente em condições de exercer qualquer atividade. Não significa que em função disso vai estar automaticamente no governo. Até porque quem decide quem vai para o governo é a presidente.
Como Dilma está lidando com o assédio político?
DUTRA: Qualquer pessoa que se elege tem que conviver com isso. Não significa necessariamente que vai atender a todo mundo.
Depois do primeiro turno, Dilma ficou a cinco pontos de Serra, e vocês temeram a derrota. Como conseguiram virar?
DUTRA: A partir do momento em que politizamos, com a comparação dos dois projetos, e particularmente a questão da privatização, o PSDB mais uma vez caiu em contradição. Primeiro, Serra apareceu como defensor da Petrobras, e depois tenta nos carimbar como privatistas, usando o argumento ridículo de que a Dilma entregou parte do pré-sal para empresas estrangeiras.
É a segunda vez que vocês ganham do PSDB usando a mesma arma da privatização.
DUTRA: Exatamente com a mesma coisa, e se comportaram da mesma forma. Não tinham argumentos para contestar e ainda tentaram buscar artifícios irreais para tentar colar em nós a pecha de privatistas. Independentemente do mérito, a tese de que somos privatistas é absolutamente fora da realidade.”
FONTE: entrevista com José Eduardo Dutra realizada por Maria Lima e Gerson Camarotti, do jornal “O GLOBO”. Transcrita no blog de Luis Favre (http://blogdofavre.ig.com.br/2010/11/governo-nao-pode-ser-soma-de-feudos/).
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