“Nos EUA a propaganda eleitoral se transformou numa fonte de lucros que as emissoras de rádio e televisão não querem discutir e muito menos regulamentar”
Por Amy Goodman, com colaboração de Denis Moynihan
“Ao terminar as eleições de meio mandato nos EUA, o maior vencedor ainda não foi declarado, a saber: os grandes meios de comunicação. E o maior perdedor foi a democracia.
Estas foram as eleições legislativas mais caras na história dos EUA: custaram quase quatro bilhões de dólares, dos quais três bilhões foram gastos em propaganda. Pergunto-me o que aconteceria se o tempo de publicidade para as campanhas fosse gratuito. As empresas que controlam os meios de comunicação de massa obtêm imensos lucros com a veiculação de material publicitário nas campanhas políticas, embora as ondas eletromagnéticas que a mídia utiliza para emitir seus sinais sejam públicas.
Isto me lembra o livro escrito em 1999 pelo especialista em meios de comunicação Robert McChesney: “Rich Media, Poor Democracy” (Mídia rica, democracia pobre). Nele, McChesney escreve: “A mídia tem pouco incentivo para dar cobertura a todos os candidatos pois é de seu interesse forçá-los a publicitar suas campanhas”.
O grupo de pesquisa Wesleyan Media Project, da Universidade Wesleyan, acompanha a publicidade política. Após a recente decisão da Corte Suprema, no caso “Citizens United contra a Comissão Eleitoral Federal”, que autorizou as grandes empresas a doar somas ilimitadas de dinheiro para candidatos, o Projeto observou que “o tempo de antena destinado à publicidade foi saturado de anúncios relacionados com a Câmara de Representantes [a Câmara dos Deputados dos EUA] e com o Senado, que ocupam 20 e 70%, respectivamente do tempo de antena total”.
Evan Tracey, fundador e presidente do grupo de análise de campanhas publicitárias “Campaign Media Analysis Group”, disse, em julho passado, em declarações para o diário “USA Today” que “haverá mais dinheiro que espaço de transmissão para comprar”. Por sua parte, John Nichols, do semanário “The Nation”, comentou que nos amáveis primeiros tempos da publicidade política televisiva, os canais de televisão nunca publicavam o anúncio a favor de um candidato imediatamente após outro que fosse contra ele. Mas não levam mais em conta o patrimônio ligado à grande mídia. Bem-vindos ao “mundo feliz” das campanhas de bilhões de dólares!
No passado, algumas tentativas foram feitas para regular o uso das ondas eletromagnéticas para que estejam a serviço da população durante as eleições. Nos últimos anos, a tentativa mais ambiciosa foi a conhecida “Reforma do financiamento das campanhas eleitorais de McCain-Feingold”.
Durante o debate sobre essa histórica legislação, tanto democratas como republicanos fizeram referência ao problema dos exorbitantes preços da propaganda na televisão. John Ensign, senador republicano por Nevada, se lamentava: “as emissoras não querem nem pensar nas campanhas eleitorais porque é o momento do ano em que ganhavam menor dinheiro devido à baixa taxa unitária que era aplicada durante esse período. Agora, é um dos seus momentos preferidos, pois, de fato, é um dos momentos do ano com maiores margens de lucro”. Finalmente, para que o projeto de lei fosse aprovado, foram emitidas as cláusulas referentes ao “tempo público de antena”.
A decisão, no caso dos Cidadãos Unidos, neutraliza eficazmente a Reforma do financiamento de campanhas de McCain-Feingold. Não se pode imaginar o que será gasto na eleição presidencial de 2012. Russ Feingold, senador por Wisconsin, perdeu a oportunidade de ser reeleito na disputa contra o praticamente autofinanciado magnata Ron Johnson, e o editorial do diário Wall Street Journal celebrou sua esperada derrota. O jornal, que é propriedade da empresa News Corp., de Rupert Murdoch, que também é dona da cadeia de televisão Fox e doou quase dois milhões de dólares para a campanha dos republicanos.
“As eleições se converteram em um bem comercial, um centro de lucros para essas emissoras de rádio e canais de televisão”, disse-me no dia das eleições Ralph Nader, defensor dos consumidores e ex-candidato a presidente. Disse também: “as ondas públicas, como sabemos, pertencem ao povo. O povo é o proprietário e as cadeias de rádio e televisão são as titulares das licenças para usar essas ondas, digamos que como inquilinos. E, para obter sua habilitação anual, não pagam nada para a Comissão Federal de Comunicações. Assim, seria bastante persuasivo se tivéssemos políticas impondo condições modestas para a habilitação que permite que essas emissoras de rádio e canais de televisão tenham o imensamente lucrativo controle das ondas públicas 24 horas por dia e poderíamos dizer-lhes que, como parte do intercâmbio pelo controle desses bens comuns, para dizê-lo assim, deveriam destinar parte do tempo, tempo gratuito, no rádio e na televisão, aos candidatos eleitorais”.
Essa questão deveria ser posta em debate nos grandes meios de comunicação, dado que é neles que a maioria dos norte-americanos obtêm informações. Mas as emissoras de rádio e televisão têm um profundo conflito de interesses. Em sua ordem de prioridades, seus lucros estão acima do processo democrático. E seguramente não ouviremos falar desse tema nos programas de entrevista políticas das manhãs de domingo.”
FONTE: escrito por Amy Goodman, com colaboração de Denis Moynihan; publicado “Democracy Now!” e transcrito no portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=140976&id_secao=6).
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