terça-feira, 22 de março de 2011

INVESTIMENTO DA PETROBRAS EM PESQUISA: GABRIELLI FALA À FOLHA


“Referente à matéria “Petrobras investe R$ 1,4 bi em pesquisa” publicada pela “Folha de São Paulo” segunda-feira (21/03). Confira, abaixo, a entrevista concedida pelo presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, na íntegra:

Entrevistador: O que é que vocês estão planejando (em termos de conteúdo nacional nos projetos da Petrobras)?

Gabrielli:
Vejamos o que nós fizemos e estamos fazendo. Os projetos do nosso programa de investimento até 2014, de U$224 bilhões, estão decompostos em 3.200 componentes que representam famílias de produtos, sistemas e componentes dos sistemas. A visibilidade desse programa de investimento permite que você veja as plataformas, os navios, as refinarias, as unidades de hidrotratamento. E, dentro desses grandes projetos, os módulos de compressão, os de geração de eletricidade e os de separação, as unidades de hidrotratamento, dessulfurização, tratamento de afluentes, as casas de força, além de outros componentes, até que você chegue no nível de parafuso. Por que nós fizemos isso? Porque, à medida que você sai do primeiro elo de fornecedores, do segundo, terceiro, quarto elo da cadeia de fornecedores, a visibilidade do projeto de investimento da Petrobras é menor. O sujeito que é produtor de parafuso produz para toda a indústria. Mas como é que ele vai saber quantas toneladas de parafuso de tal tipo a Petrobras vai usar daqui a quatro anos? Então tornamos isso visível. Como? Nós, junto com o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás (PROMINP), criamos um site, no qual a empresa se cadastra e, ao se cadastrar, ela precisa dizer apenas o que compra e o que vende.

Entrevistador: E a quantidade?

Gabrielli:
Não. Ela diz o que compra e vende e visualiza a demanda trimestre a trimestre, daqui até 2014.

Entrevistador: Mas a Petrobras informa a demanda, o quanto ela irá precisar?

Gabrielli:
Sim, está disponível no site. Você, como jornalista, se quiser, pode entrar no site. Está aberto, é público: www.prominp.com.br. Então, esse foi o primeiro elemento: visualizar o nosso programa de demanda para que, não somente o grande epcista, o integrador, mas também o produtor de módulo, de componentes, da peça do motor, possa se ver. O segundo elemento foi que intensificamos a identificação dos pontos críticos durante as visitas técnicas que normalmente fazemos com as empresas. Identificamos vários componentes críticos em termos de capacidade e em termos de necessidade para nós. Portanto, atuamos especialmente nesses pontos críticos. Eu não vou dizer a vocês quais são eles, pois essa informação não é pública. Atuamos em três direções principais. A primeira direção é identificar se há gargalos tecnológicos. Há vários instrumentos para solucionar o gargalo tecnológico. Primeiro, fazer um termo de cooperação tecnológica, onde a Petrobras e a empresa tentam encontrar solução para o problema usando os laboratórios disponíveis, fazendo protótipos, identificando sócios, fontes de novas tecnologias etc. Segundo, foram abertos editais para a atividade de pesquisa e inovação tecnológica com a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) nos quais, pela primeira vez –isso foi feito no ano passado– o tomador do recurso é a empresa, e não o pesquisador. E a empresa tem a obrigação de encontrar o pesquisador nas universidades brasileiras. Essa inovação foi um sucesso. E a terceira linha é atrair novas empresas que possam contribuir tecnologicamente para o Brasil.

Entrevistador: Como a Petrobras atrai essas empresas?

Gabrielli:
Nós vamos até elas, mostramos que, evidentemente, há visão de longo prazo. Estamos simplificando os nossos projetos, padronizando ainda mais e, em alguns casos, oferecendo o que se chama de “batch contract”. Ou seja, contrato no atacado, com grandes volumes. Por exemplo, contratar sete sondas é um contrato grande. Contratar oito cascos de FPSOs. Contratar o volume de “risers” que estamos contratando. Portanto, são contratos grandes que permitem ao fornecedor ter horizonte de longo prazo para se planejar. Além disso, atuamos em outras áreas. Investimos, com recursos próprios da Petrobras e com recursos que a ANP autoriza, na montagem de enorme rede de laboratórios de pesquisa no Brasil. Hoje, temos 50 redes temáticas envolvendo 70 instituições de pesquisa de ciências e tecnologia, inclusive universidades brasileiras, em 19 estados do país. Laboratórios do melhor nível mundial estão prontos, com capacidade computacional extremamente alta e, portanto, criando condições para o trabalho de desenvolvimento científico e tecnológico para o conteúdo nacional.

Entrevistador: Quanto foi investido nesse projeto?

Gabrielli:
R$1,4 bilhão até 2014, se eu não me engano.

Entrevistador: E você disse que esses são recursos próprios e de um fundo…

Gabrielli:
Sim, porque nós somos obrigados a investir até 2% da receita própria em pesquisa e desenvolvimento: 1% internamente e 1% fora da Petrobras. Parte desse 1% externo da Petrobras, a ANP permite que seja no desenvolvimento científico e tecnológico nos laboratórios das universidades brasileiras. Nós atuamos na visibilidade da nossa demanda, na identificação dos problemas tecnológicos e na atração de novos capitais, na montagem de infraestrutura de pesquisa capaz de responder aos problemas de longo prazo. É preciso dinheiro também. Portanto, nós auxiliamos e estimulamos a criação de três tipos de fundos. O primeiro foi o Fundo de Direitos Creditórios, o FIDC. O que é o fundo de direito creditório? Você tem um contrato com a Petrobras, vai entregar um produto daqui a seis, oito, ou dez meses, você pega esse contrato, leva uma parte desse contrato para o fundo, e o fundo dá a você o dinheiro garantido pelo fundo. É um fundo de recebíveis, em última instância garantidos por contratos com a Petrobras. Se eu não me engano, esses fundos de direitos creditórios têm algo em torno de R$5,3 bilhões de patrimônio líquido e, na CVM, há propostas de mais cerca de R$8 bilhões de novos fundos.

Entrevistador: Só para atender a Petrobras…

Gabrielli:
Só para atender a cadeia de petróleo e gás. São R$13 bilhões de recursos.

Entrevistadora: A Comissão e Valores Mobiliários (CVM) precisa autorizar isso?

Gabrielli:
Precisa. Já há R$5,3 bilhões autorizados e R$8 bi em análise na CVM. Também foram criados FIPs, que são fundos de participação. São fundos criados para ser sócio das empresas. Não é para emprestar para, é para comprar ações das empresas. E foi criado o Programa Progredir. Ele envolve o Banco do Brasil, o Santander, o Itaú, a Caixa Econômica, o HSBC e o Bradesco. Esse fundo é evolução do fundo de direito creditório. O fundo de direito creditório é para quem tem contrato com a Petrobras. Esse Progredir permite o seguinte: o fornecedor da Petrobras pode pegar 50% do contrato dele e repassá-lo para o seu fornecedor. E o seu fornecedor pode, por sua vez, passar para o seu fornecedor até o quarto elo da cadeia.

Entrevistador: Isso com aquela garantia básica do primeiro contrato…

Gabrielli:
Ele passa 50% para o primeiro fornecedor, o primeiro fornecedor passa 50% para o outro, e assim até a quarta cadeia. Nós esperamos poder atingir 255 mil empresas.

Entrevistador: Está deslanchando esse projeto?

Gabrielli:
Está em fase piloto. Há algumas empresas em teste. Mas será deslanchado. A demanda pode ser grande. Esse é um programa que, com o volume de compras da Petrobras, dá garantias. Você não tem relação direta contratual alguma com a Petrobras, mas você tem com o fornecedor. Então, com isso, pode-se chegar até a fornecedora de quentinha da obra. É evidente que isso depende dos outros fornecedores; não depende da Petrobras. Nós atuamos também na área de viabilidade econômico-financeira. Mas não só isso; nós criamos rede nacional que envolve mais de 70 instituições voltadas para a gestão da cadeia de fornecedores. Ou seja, nós pegamos todas as grandes entidades que trabalham com programa de qualidade, com certificação, com processo de gestão, com mobilização de empresários, com empreendedorismo, e criamos uma rede com uma série de programas. Está sendo desenvolvida essa rede voltada para a questão da gestão da cadeia de fornecedores. Porque, às vezes, nós temos problemas bastante elementares que impedem que o pequeno fornecedor entre como fornecedor da Petrobras. Por exemplo: alvará de localização, nota fiscal de compra dos produtos dele para justificar a rastreabilidade do produto que vende. É evidente que a Petrobras tem critérios de qualidade, uma série de exigências de formalização da atividade que são maiores do que outros setores. Estamos tentando mobilizar os fornecedores locais em cada área fazendo rodadas de reuniões nos meses de fevereiro, março e abril nas grandes capitais do Brasil. Pode ser cooperativa de táxi ou grande fornecedor de um produto tecnologicamente avançado. Mas são fornecedores e queremos aproximá-los dos nossos gerentes locais. Fizemos três reuniões em Salvador, Fortaleza e Porto Alegre. A próxima será em Belo Horizonte, depois em Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo e São Luís do Maranhão. A ideia é aproximar o fornecedor local do nosso gerente local, o governo local e as entidades que os apoiam lá. Uma relação muito importante que nós temos é com o SEBRAE. Nós temos grande convênio com o SEBRAE que já fez diversas rodadas de negócios, reunindo os principais fornecedores com pequenos e médios fornecedores para que conversem entre si.

Gabrielli: A Petrobras vai estimular a relação entre eles. Além disso, estamos fortemente usando nossa influência para poder trazer as grandes empresas internacionais. Nós já estamos vendo, claramente, anúncios de estabelecimentos com a presença da GE, da Rolls Royce, da Baker Hugues, da FMC, e várias outras que estão vindo para o Brasil. Há grande interesse internacional de vir para o Brasil. Queremos sair da manufatura para pesquisa e desenvolvimento. Nós queremos fazer com que eles tragam para cá os laboratórios de pesquisa e desenvolvimento. E isso já está acontecendo. A UFRJ já não tem mais espaço físico para colocar laboratórios. Não há mais espaço físico no Fundão. A GE vai fazer numa ilha, a Ilha de São João, porque não há mais espaço físico, o espaço da universidade já está totalmente ocupado com laboratórios de pesquisa e desenvolvimento de empresas internacionais. Há vários, há 12, se eu não me engano.

Entrevistador: E hoje qual seria o mais crítico dos grandes equipamentos e dos grandes sistemas?

Gabrielli:
Eu acho que hoje estamos vivendo claramente na área naval a questão das navipeças, da utilização de equipamentos eletroeletrônicos. Porque aí também se discutirá o conteúdo nacional do eletroeletrônico. Qual é o conteúdo nacional nas máquinas que estão sendo oferecidas nacionalmente? É absolutamente normal que esse tipo de discussão cresça em processo de desenvolvimento.

Entrevistadora: Está abrindo o leque, não é?

Gabrielli:
Sim, novos problemas, novas complexidades. No primeiro elo da cadeia de fornecedores, nós temos poder enorme de alavancagem na escala, pois nós somos a maior demanda do mundo de equipamentos de produção offshore. Consequentemente, nós podemos nos impor. Mas, daí em diante, a nossa escala começa a diminuir. Nossa demanda de aço, por mais alta que seja, é relativamente pequena em relação à produção de aço do país. Consequentemente, à medida que nós formos entrando na cadeia, os elementos competitivos tornam-se mais relevantes. Esse é um processo que tem respostas diferentes nos diferentes segmentos, e que precisam ser administrados pela diversidade da cadeia. Por isso, quando se fala em percentagem de conteúdo nacional, ela não representa nada. Na verdade, quando você olha a tabela de conteúdo nacional, ela é muito detalhada hoje.

Entrevistador: E o que se fala de 60% a 70% seria só no primeiro ano?

Gabrielli:
Não. Por exemplo. Nós fizemos agora uma licitação, estamos contratando sete sondas que serão produzidas pelo estaleiro Atlântico Sul. O conteúdo nacional da primeira não é igual ao conteúdo nacional da última; não pode ser. É evidente que nós alcançaremos 65% de conteúdo nacional.

Entrevistador: Na última.

Gabrielli:
Sim, na última. Nós vamos começar com 55% de conteúdo nacional da sonda, porque vai levar tempo para elevar o conteúdo. Quando nós discutimos a cessão onerosa, a principal atividade na fase exploratória da cessão onerosa, que é até 2014, é a perfuração de poços. E a perfuração de poços é por sondas. Até 2014, nós não teremos nenhuma sonda brasileira, porque a primeira sonda brasileira será entregue em 2015. Portanto, como é que se pode ter conteúdo nacional na fase exploratória igual à fase de desenvolvimento? Isso não é possível. Não se pode esperar até lá, caso contrário serão quatro ou cinco anos de exploração. É preciso começar agora. Também avançamos em conteúdo nacional nas refinarias. Saímos de situação onde a última refinaria brasileira foi feita em 1980. De um lado, nós temos a definição de projetos, estamos há 30 anos sem fazer projetos, evidentemente é preciso fazer pelo menos um aquecimento e entrar em forma. Nas refinarias Premium, por exemplo, o projeto básico está sendo feito fora. Mas o detalhamento do projeto, quando você define as especificações de equipamentos, será no Brasil.

Entrevistador: Nas refinarias você acha que o conteúdo nacional pode chegar a quanto?

Gabrielli:
Eu não sei ainda, eu não tenho o projeto básico definido.

Entrevistador: Você havia comentado sobre a forma de atrair novos capitais, novos investimentos para o Brasil. Há alguma empresa com a qual vocês negociam que já esteja disposta a montar nova unidade aqui?

Gabrielli:
Várias. A GE e a Wärtsilä, por exemplo.

Entrevistador: E há alguma outra de algum equipamento ou de algo muito específico que era necessidade e que vocês conseguiram nacionalizar? Há algum exemplo disso?

Gabrielli:
Há vários exemplos. Qual é o problema? Na ponta, nós temos a maior demanda de equipamentos para a produção de petróleo offshore do mundo, disparadamente. Portanto, quem produz equipamentos mais dedicados, se quiser fazer negócio precisa vir para o Brasil, pois a demanda está aqui.

Entrevistador: É verdade; não há muita alternativa. Vou fazer uma última pergunta. Vou sair um pouquinho do conteúdo nacional. Como você vê essa crise na Líbia? Você acha que pode ter impacto grande de preço?

Gabrielli:
Acho que não. Acho que a crise da Líbia terá efeito maior sobre a Europa do que sobre os Estados Unidos. A Líbia e o Egito poderão ter efeito maior sobre o gás do que sobre o petróleo. No entanto, acho que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) tem condições de substituir a produção da Líbia e, portanto, em termos de volume total de oferta, pode não ter nenhum impacto grande e duradouro. No entanto, a crise política decorrente de instabilidade política na Líbia, estendendo-se isso para o norte da África e em outros países do norte da África, pode criar caldo de cultura em que as atividades especulativas cresçam mais e, portanto, intensifique no curto e médio prazo a variação de preços e, assim, nós viveremos período grande de nervosismo no mercado de petróleo, com o preço subindo e descendo muito rapidamente. Se isso se circunscrever a esses países, esse cenário será mais provável. No entanto, se isso se estender para outros países e, ao mesmo tempo, as economias americanas e européias administrarem o impacto de curto prazo e continuarem o ritmo de retomada de crescimento, nós podemos ter tendência de preços crescentes.

Entrevistador: Mas seria mais por esse movimento especulativo e menos pela entrega física, não é?

Gabrielli:
Eu acho que a entrega física não tem efeito nenhum. Por enquanto não tem efeito.

Entrevistador: Mas a OPEP estaria disposta a suprir isso?

Gabrielli:
Ela já está. A Arábia Saudita aumentou a produção em 800 mil barris por dia, domingo e sábado. Isso compensa quase toda a produção da Líbia.”

FONTE: blog “Fatos e Dados”, da Petrobras (http://fatosedados.blogspetrobras.com.br/2011/03/21/investimento-em-pesquisa-entrevista-gabrielli-a-folha/#more-36953).

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