terça-feira, 22 de março de 2011

O ANTES, O DURANTE E E O DEPOIS: BARACK OBAMA E O BRASIL


“A breve passagem do presidente Barack Obama pelo Brasil foi antecedida por imensa expectativa em alguns círculos, que avaliaram a viagem como exemplo prático da mudança significativa que a política externa estaria sofrendo no início da administração de Dilma Rousseff em comparação a de seu antecessor Lula. Com base nessa avaliação equivocada, inúmeras imagens foram construídas a respeito do que Obama faria ou diria em solo nacional. Tendenciosas, essas avaliações revelavam preocupação extensiva em desqualificar os esforços diplomáticos anteriores.

O artigo é de Cristina Soreanu Pecequilo

A breve passagem do Presidente Barack Obama no Brasil nos dias 19 e 20 de março de 2011, em Brasília e Rio de Janeiro, foi antecedida por imensa expectativa em alguns círculos, que avaliaram a viagem como exemplo prático da mudança significativa que a política externa estaria sofrendo no início da administração de Dilma Rousseff em comparação a de seu antecessor Lula (2003/2010). Com base nessa avaliação equivocada, inúmeras imagens foram construídas a respeito do que Obama faria ou diria em solo nacional.

Iniciando com a abolição dos vistos, passando pela conclusão de acordo comercial bilateral ao estabelecimento de ampla parceria energética no campo do petróleo e biocombustíveis até a declaração formal de apoio ao pleito brasileiro de tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSONU), a agenda desses grupos era extremamente abrangente. Tendenciosas, essas avaliações revelavam preocupação extensiva em desqualificar os esforços diplomáticos anteriores. A utilização repetida do termo “normalização”, associado na década de 1990 a perspectiva periférica e acrítica, passava a idéia de relação sustentada somente em conflitos e que estaria sendo substituída pela reintegração ao núcleo de poder norte-americano. Mais ainda, revelava o permanente desconhecimento sobre as motivações estratégicas dos EUA.

Se em 2011 o Brasil recebeu Barack Obama como potência global, isto se deve aos esforços internos e externos do país que o qualificaram a esse status de forma autônoma. Essa situação não emerge de relacionamento de mão única com aquele que tradicionalmente foi o maior parceiro político-econômico brasileiro no século passado, mas da busca de alternativas que permitiram solidificar ação internacional consistente e coerente com as necessidades do país. Com isso, as motivações estratégicas norte-americanas não derivam desses cálculos simplistas que permearam o debate sobre a política externa brasileira, mas da percepção de que o Brasil e a América do Sul são mais dois espaços nos quais os EUA perderam posições.

Assim, era preciso para os norte-americanos sinalizar que desejam preservar o Brasil em sua esfera de influência diante desse vácuo, como já o haviam feito diante da China, da Índia e da Rússia em ofensivas diplomáticas similares em contatos bilaterais prévios. E, no caso, no Brasil e na região, os EUA não perderam somente posições para a China, hoje o maior parceiro comercial brasileiro e aliado no grupo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), ou para a Índia, também no BRIC e no IBAS (Fórum de Diálogo Índia, Brasil, África do Sul), ou para a África do Sul, ou para a Rússia, ou para a cooperação Sul-Sul em geral, mas para o próprio Brasil nas Américas e no mundo.

Positivamente, em meio a esses ruídos prévios e construções ideológicas de determinados grupos que ignoravam essas questões, os sinais de Brasília mantiveram a percepção de que a visita de Barack Obama representava o reconhecimento desse processo de consolidação político-econômica-estratégica. Tais sinais já se encontravam presentes nos encontros preparatórios entre os dois países antes da chegada de Obama, e demonstravam clareza quanto o que significava esta viagem: uma oportunidade de aprofundar e promover maior adensamento estratégico das relações bilaterais, a partir do reconhecimento norte-americano do status global de poder do Brasil.

Tendo essa realidade como ponto de partida, de que se tratava de viagem de reconhecimento e não de concessões norte-americanas ou subserviência brasileira, deixou-se claro que essa dinâmica bilateral não afeta as prioridades externas do Estado brasileiro em termos de agenda Sul-Sul ou Norte-Sul, demandas e projeção. Parte da iniciativa de ser líder é criar fatos novos, dimensões positivas de interdependência, ação que os emergentes e o Brasil têm feito cada vez de forma mais constante. Nesse campo, assumem responsabilidades por seus próprios destinos, e de nações similares ou de menor poder relativo, em suas escalas regionais e em nível global estatal e multilateral.

À medida que, na última década, o Brasil não manteve sua política ou agenda econômica atrelada aos EUA, sua importância diante desse país aumentou, da mesma forma que sua vulnerabilidade diminuiu diante das constantes oscilações da política da potência hegemônica. Em seu discurso no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 19 de Março, Barack Obama mencionou iniciativas brasileiras como a UNASUL (União Sul-Americana de Nações) e projetos sociais direcionados às nações do sul no combate à fome e programas de saúde. Ou seja, o Brasil não era mais só o país do futuro, mas que o futuro teria chegado ao Brasil, como afirmou o Presidente dos EUA.

Fortemente, o país demonstrou não ter ilusões de que esse reconhecimento traduzir-se-ia, de imediato, em mudança concreta da posição norte-americana em determinados temas. Nesses temas, principalmente no comércio bilateral, arena na qual o Brasil demanda maior igualdade e reciprocidade, e na reforma das organizações internacionais governamentais, principalmente no caso das Nações Unidas e seu CS, a posição brasileira foi de sustentar suas reivindicações. Por sua vez, pode-se até considerar que os EUA responderam positivamente em sua retórica, em suas demonstrações de “apreço” pelo pleito brasileiro, pela fala de Obama a empresários que igualou o país à China e Índia. A retórica, porém, não foi acompanhada pela substância da mudança ou pela sinalização de que os norte-americanos estariam dispostos a fazer concessões para engajar de forma diferente o Brasil nessas dimensões.

Acenar com parcerias para o pré-sal, ações conjuntas no campo energético é sinal do novo papel do Brasil, mas também da natureza pragmática do interesse norte-americano em petróleo, mercados em novos espaços que não surjam como tão conturbados como o Oriente Médio, apostando nas nações “amigas”. E, igualmente sendo pragmáticos, são parcerias que trazem inúmeros riscos ao Brasil, caso o país não busque preservar sua soberania nessas negociações, independente do campo. Nesse sentido, o papel, por exemplo, da Comissão Brasil-Estados Unidos para Relações Econômicas Comerciais é o de encontrar pontos de consenso possível e equilibrio no setor, preservando a capacidade negociadora brasileira e sua autonomia. O mesmo raciocínio se estende às arenas da biodiversidade, dos diálogos estratégicos, da cooperação técnica e para a organização e segurança da Copa-2014 e das Olimpíadas-2016. O Brasil não pode se furtar a negociar com os EUA, mas precisa atrelar essas conversações a lograr objetivos que permitam a continuidade de seu crescimento e resolução de assimetrias internas via programas sociais.

Chegando ao mundo “real”, não deixa de ser simbólico que, enquanto Barack Obama acenava às “nações amigas” da América Latina, como o fez no Brasil, e o fará no Chile, com declarações “históricas” sobre as relações entre “iguais” e a consolidação da democracia, os bombardeios aéreos à Líbia atingissem elevada intensidade, depois da autorização do CSONU à operação na sexta-feira 18/03/2011. Em solo brasileiro, a intervenção foi abordada sob o signo da ‘defesa da democracia e motivos humanitários’, enquanto prolongam-se protestos e repressões similares em países aliados norte-americanos na região.

Também não deixa de ser simbólico, que nessa votação do CS, os países que se abstiveram e demonstraram preocupação com a ação, fossem os emergentes membros permanentes desse Conselho e nações pleiteantes, membros temporários eleitos: China e Rússia, somados à Brasil, Índia e Alemanha. São nessas manifestações que se desenha o novo mapa geoestratégico global e as complexas dinâmicas de poder do século XXI que motivam as viagens de Obama e suas declarações de igualdade com seus parceiros.

Porém, como se diz no Brasil, os EUA são um “pouco mais iguais” do que os outros: seu poder militar de superpotência e comando residual das organizações internacionais contrasta com economia estruturalmente deficiente e sociedade doméstica polarizada. Durante e depois de Obama, o Brasil continua sendo o mesmo de antes, consolidando sua ascensão do nível regional ao global, que busca a continuidade de seu projeto político-social-econômico e estratégico. Com os EUA, e com o mundo, dialogar não é sinônimo de concordar, mas de saber ouvir, negociar e falar em nome do interesse nacional.”

FONTE: artigo de Cristina Soreanu Pecequilo, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17573)

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