segunda-feira, 14 de março de 2011

A MERCANTILIZAÇÃO DA NOTÍCIA


Por Rodolpho Motta Lima

“Há algum tempo, em um debate –creio que na Globo News, mediado pelo Alexandre Garcia– alguém, ao comparar a relevância e a confiabilidade da mídia tradicional em relação aos órgãos midiáticos alternativos (blogs e redes sociais), avocou como argumento a favor do jornalismo tradicional o fato de que este observa como norma o que seria assim como uma cláusula pétrea do exercício da profissão: a audiência das partes envolvidas na notícia, dando sempre aos criticados o espaço conveniente de resposta, ou, se quiserem, de defesa. Nos blogs, ao contrário, circularia uma única ótica, sem direito ao contraditório, e, portanto, uma parcialidade incompatível com a busca da verdade. Neste mesmo programa –a título de veicular uma frase de efeito, também a favor da mídia tradicional– mencionou-se, em tom de pilhéria, afirmação alheia de que “é mais fácil comprar 100 blogueiros” do que uma empresa jornalística.

Com relação à primeira afirmação, acho que sua veracidade passa longe do que é real. Por um lado, percebe-se, em muitas oportunidades, que o depoimento dos envolvidos nas notícias como acusados, ou o chamado direito de resposta, muitas vezes é conseguido a fórceps, vale dizer, por meio de medidas judiciais que obrigam a mídia a conceder esse espaço. Além disso, não são poucos os casos da transcrição de declarações destorcidas ou retiradas do contexto em que se produziram, para, ao contrário de beneficiar o declarante, comprometê-lo mais ainda. Isso para não falarmos dos recursos diretos ou indiretos de acusação sem direito a resposta.

Para ficarmos apenas em um exemplo, o jornal “O Globo” contratou, recentemente, a blogueira cubana Yoany Sanchez. Pretende, obviamente, que ela “informe” aos leitores sobre o que acontece na “ilha do mal”, a partir de sua visão de opositora ao regime. Um dos artigos da cubana que cheguei a ler fala das dificuldades encontradas pelos habitantes da ilha para acessar a internet ou mesmo para possuir um computador, dadas as restrições do regime. Não li outros, ainda, mas é lícito acreditar que a articulista falará da absurda censura a que vem sendo submetida, ou dos horrores sofridos pelos cubanos impedidos de deixar a ilha, que, se dependesse deles, só não ficaria totalmente desabitada porque Fidel e mais uma meia-dúzia ocupariam o espaço para desfrutar das fortunas amealhadas nos anos de terror...

Brincando, mas falando sério, apenas desconfio do que cuidará a cubana em seus artigos, mas sei que, no jornal, não haverá espaço para o contraditório, que seria jornalístico. Ou não? Seria bom ouvir alguém falar da medicina cubana e suas conquistas –comparadas com outros países da América Latina e do mundo-, do sistema educacional que não deixa ninguém fora da escola, do estímulo à saúde do corpo e ao esporte. E, até, de um processo de abertura que permite, hoje, a participação planetária da blogueira, elevada á condição de celebridade. Seria bom que alguém pudesse estabelecer um contraponto entre a situação atual de Cuba e a miséria que tipifica um sem número de outros países, muitos conduzidos por governos de direita e apoiados pelas nações baluartes da “democracia” no planeta. Seria bom ouvir de alguém, em contraposição às violentas críticas quanto à falta de liberdade, observações, no mínimo curiosas, sobre as razões –históricas ou atuais- que levaram um povo (e o regime) a sobreviver ao perverso boicote econômico e diplomático do mundo inteiro, décadas seguidas, a uma hora de Miami e com uma [intrusa] base militar norte-americana em seu território...

Voltando ao tema original, claro que a grande mídia informa o que quer, como quer e ouve quem quer. Seria mais honesta se assumisse os seus partidarismos. Menos democrática, mas mais honesta.

E os blogs? Muitos assumem claramente sua posição e fazem mesmo dessa posição a sua razão de ser. Mas não se apregoam de outra forma. E há os que, como o “Direto da Redação” (DR), pretendem o livre circular das idéias, a pluralidade. Não se diga, hipocritamente, que cada um dos colunistas que aqui escreve não possui, e bem claramente, uma posição ideológica. E jamais se diga que por aqui não se aceitam idéias contrárias.

A segunda observação feita em tom jocoso no tal programa da Globo –a facilidade de comprar blogueiros em contraposição à dificuldade de se “comprar” um jornal-, fica vinculada ao relativo sentido que se queira dar ao verbo comprar. Eu podia aqui alegar que o dono do jornal é um só e que 100 blogueiros exigiriam maior “engenharia” de compra. Mas, sejamos realistas, os nossos grandes jornais não precisam efetivamente ser comprados por interesses econômicos fortes, porque eles já são titulares, representantes ou beneficiários diretos desses interesses. Eles são o poder econômico. Há quem afirme, aliás, que a mercantilização, nos grandes jornais, é mais trágica, porque mais sutil. Ela estaria na aceitação passiva de alguns profissionais, que, em nome de um emprego ou de prestígio social, fazem e dizem tudo o que seu mestre nem precisa mandar....”

FONTE: escrito por Rodolpho Motta Lima, advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ, com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Militante político nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. É funcionário aposentado do Banco do Brasil. Publicado no site “Direto da Redação” (http://www.diretodaredacao.com/noticia/a-mercantilizacao-da-noticia)

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