sexta-feira, 3 de junho de 2011

Governo Dilma: "O TACÃO DE FERRO DA REALIDADE"


PORQUE O GOVERNO NÃO AVANÇA MAIS? CORRELAÇÃO DE FORÇAS

"O TACÃO DE FERRO DA REALIDADE"


Por Wladimir Pomar, no “Correio da Cidadania”

“Ao que parece, parte da esquerda brasileira esperava que fosse possível realizar revolução não só cultural, mas também econômica e social, através do sistema eleitoral democrático instituído após o final da ditadura militar. Supunha que um governo de esquerda, eleito pelo voto popular, teria as condições de realizar as reformas estruturais há muito reclamadas pela sociedade brasileira.

Isso é o que ela esperava do PT, de Lula e, agora, de Dilma. Como tais reformas exigem muito mais do que vontade política, Lula não conseguiu fazê-las e Dilma encontra dificuldades da mesma monta. São classificados, por essa parte da esquerda, de traidores da causa popular e do socialismo. Portanto, nada mais natural que, a partir dessa premissa, militantes desse setor apelem aos céus e à terra para que, agora, o PT e Dilma sejam combatidos como os principais inimigos.

O que os coloca numa situação esdrúxula, se examinarmos com mais atenção a realidade que nos cerca. Do ponto de vista econômico, os principais instrumentos de produção estão sob o domínio do grande capital, a maior parte subordinada à voracidade do capital financeiro.

Um dos principais instrumentos com que poderia contar um governo democrático e popular para fazer frente ao poder econômico do capital, as estatais, foi brutalmente enfraquecido durante os 12 anos de governos neoliberais. E as pequenas burguesias industrial, agrária e comercial, que eventualmente poderiam se contrapor ao grande capital, também são relativamente fracas e, em grande parte, ligadas e dependentes do grande capital corporativo.

Portanto, do ponto de vista da correlação de forças econômicas, a hegemonia e o domínio do grande capital é evidente. É lógico que, se a correlação de forças no campo social fosse predominantemente favorável às camadas democráticas e populares, com organizações sindicais, comunitárias e associativas fortes e combativas, aquela desvantagem no campo econômico poderia ser neutralizada e superada.

No entanto, o neoliberalismo [de Collor e de FHC/PSDB/DEM/PPS] também praticou estrago considerável nessa área, através do desemprego e das ações de segmentação produtiva das corporações, causando fragmentação da força social dos trabalhadores industriais, inibindo qualquer movimento dos assalariados agrícolas, reduzindo consideravelmente a força do campesinato e desbaratando os movimentos sociais urbanos.

O decréscimo da mobilização social, iniciado em meados dos anos 1980, parece ainda não ter chegado ao fundo do poço. Só com a retomada recente do crescimento econômico, a força dos trabalhadores industriais começa a se recompor, criando as condições para nova retomada das lutas e para a ascensão da mobilização social, que depende fundamentalmente do amadurecimento da experiência e da consciência popular.

Portanto, bem vistas as coisas, a esquerda no Brasil chegou ao governo na contramão da mobilização social, um fenômeno que deveria ser analisado com mais atenção por todas as forças políticas democráticas, populares e socialistas. Em outras palavras, contrariando praticamente todos os manuais políticos, a esquerda democrática e popular brasileira vem crescendo quase na razão inversa da mobilização social.

Mas, também contraditoriamente, na razão direta do interesse político das camadas populares e da divisão política da burguesia. Foram essas condições especiais da realidade brasileira que firmaram, desde 1989, polarização política no país, deslocando imediatamente o PT para o carro chefe de um dos pólos à esquerda e, paulatinamente, a conjuração PSDB-PFL (este, depois, DEM) para a cabeça do polo à direita.

Nesses últimos 20 anos, tem havido esforço sem par dos principais ideólogos e representantes mais sensatos da burguesia para romper essa polarização e abrir brechas para uma terceira via. Com razão, eles enxergam que a polarização radicaliza o reacionarismo da direita, empurrando a esquerda não para o compromisso, mas também para a radicalização, ao mesmo tempo também em que empurra as forças de centro para a esquerda.

Basta analisar todas as campanhas eleitorais, desde 1989, para comprovar que os setores democráticos e populares mais conciliadores acabaram sendo empurrados mais para a esquerda em função da discussão política imposta pela direita reacionária. E basta analisar, também, o fracasso e a situação a que os projetos de terceira via foram levados ao se confrontarem com o férreo tacão dessa polarização.

Assim, olhando com realismo a correlação política de forças, não é difícil notar que há equilíbrio instável entre o polo à esquerda e o polo à direita da sociedade, que dificilmente permitirá à esquerda no governo fazer o que lhe der na veneta. E, em certo sentido, a disputa polarizada que ocorre na sociedade se reflete dentro do governo de coalizão.

Nessas condições, enquanto as grandes massas populares não se puserem em movimento novamente, criando condições para o governo e a sociedade avançarem mais fortemente no rumo democrático e popular, e mesmo socialista, a esquerda continuará tendo dificuldades para carregar seus aliados por aquele rumo, e para modificar profundamente a correlação entre as forças políticas.

Nesse sentido, aquelas forças que pensam se opor à suposta conciliação burguesa do PT, Lula e Dilma, e voltam suas baterias contra o governo dirigido pelo PT, correrão sempre o perigo de se aliarem, mesmo contra a vontade, aos reais principais inimigos políticos do povo brasileiro, a conjuração PSDB-DEM [e PPS].

Essas são as imposições do tacão de ferro da realidade brasileira polarizada. Os discursos e ações da última convenção dos tucanos estão aí para não deixarem que nos enganemos a respeito.”

FONTE: escrito por Wladimir Pomar no site “Correio da Cidadania”. O autor é escritor e analista político. Artigo transcrito no blog “Escrivinhador”, do jornalista Rodrigo Vianna (http://www.rodrigovianna.com.br/outras-palavras/o-tacao-de-ferro-da-realidade.html) [imagem do Google e pequenos entre colchetes adicionados por este blog].

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