sábado, 3 de novembro de 2012

CAI O LÍDER CONSERVADOR. FALTA ACABAR COM O CONSERVADORISMO

O QUE DEVE CAIR COM SERRA?


“O PSDB, sob a liderança de Serra, deixou de ser um partido social democrata para tornar-se um partido de valores conservadores e sair da esquerda política para representar a direita social. Com isso, o partido ganhou engajamento e perdeu representatividade. Hoje, a queda de Serra pode ser vista como a queda de um líder conservador. Mas, ainda é preciso derrubar a fração do conservadorismo ligada ao autoritarismo que forma parte da base de apoio peessedebista em São Paulo e que se nutre da hegemonia de uma imprensa tendenciosa.

O artigo é de Luís Fernando Vitagliano

“Primeiro, Serra trouxe para a eleição de 2002 o tema do medo. Fez a propaganda com a Regina Duarte estampada na TV com medo do Lula. Depois, contra Dilma, apelou para o aborto. Agora é a vez do Kit-gay contra Haddad.

O PSDB, sob a liderança de Serra, deixou de ser um partido social democrata para tornar-se um partido de valores conservadores e sair da esquerda política para representar a direita social. Com isso o partido ganhou engajamento e perdeu representatividade. Agora presta o desfavor de ressuscitar temas há muito afastados da política brasileira ao tentar marginalizar no debate político minorias em prol de certo tipo de moral dominante.

Talvez o eleitor não conheça; ou talvez muitos de nós tenhamos nos esquecido do contexto, mas é preciso recuperar um dos mais importantes projetos de sociologia aplicada do século XX, a pesquisa de Theodor Adorno nos EUA sobre a “Escala F”. Entre 1940 e início de 1950, Adorno, em parceria com alguns psicólogos, se propõe a estabelecer uma escala sobre a personalidade de indivíduos numa sociedade liberal que têm predisposição a se sujeitar à liderança fascista. A base da pesquisa é que existia um padrão de convicções econômicas, políticas e sociais ligados a uma personalidade autoritária. Assim, o estudo chegou ao indivíduo potencialmente fascista cuja personalidade tinha predisposição a apoiar propagandas antidemocráticas.

Esse estudo começou por conta do antissemitismo. Ou seja, da intolerância no que diz respeito às opções individuais. Propagandas conservadoras baseadas no medo e/ou no ódio violam o princípio básico da república que é a diversidade social. Misturar religião com valores sociais em propagandas políticas já se tornou há muito tempo atitude repugnante e já foi historicamente comprovado o desfavor prestado à cidadania.

Serra, segundo levantamento do próprio “Datafolha”, perderia estas eleições inclusive em perfis tidos como conservadores. Porque, mesmo que tenham valores sociais, parte do eleitorado com o mínimo de cidadania entende que não cabe ao poder público julgamentos sociais. Igrejas e outros grupos conservadores podem ter suas convicções e uma moralidade que os delimita, não há nenhum problema nisso, mas impor sua ordem a outros grupos é autoritarismo. Assim, as críticas a políticas de diversidade só podem ser entendidas como bem sucedidas em grupos sociais que não dispõem de nenhuma cidadania ou de indivíduos que desenvolveram alguma personalidade autoritária. É falsa a noção de que educação e renda dão consciência política. O que dá consciência política é cidadania, é participação, é envolvimento nas questões públicas, e isso pode ser encontrado em pobres, ricos e médios.

Portanto, se olharmos o mapa dessa votação de prefeito em São Paulo, ainda veremos que Serra se manteve vencedor nos redutos peessedebistas das regiões centrais. Mas o que os mapas não mostram são as motivações dos votos. A tentativa de marginalizar o PT com a propaganda contra esse partido para garantir sua hegemonia nos próprios redutos e a exploração de temas que pregam segregação contra minorias não surtiu efeitos eleitorais em termos de crescimento de intenção de votos, mas criaram desmedida tensão entre militantes.

E, ao considerarmos que, para além dos partidos políticos, a grande imprensa defensora do status quo difundiu e defendeu teses conservadoras nesta eleição sem o menor constrangimento, não é possível esperar que tenha sido derrotado, com queda de Serra, o autoritarismo raivoso de alguns segmentos sociais.

Podemos até tentar esvaziar com argumentos a impressão de que propagandas antidemocráticas têm espaço e representatividade em partidos políticos no Brasil – ainda mais em partidos de envergadura nacional. É possível defender que tais propagandas são ineficientes e, portanto, devem ser abandonadas: com uma estratégia completamente diferente, o PSB, por exemplo, cresceu. A crítica pode convencer o próprio PSDB a retomar defesa da política liberal que abandonou em função da estratégia conservadora e desnutrir alguns bastiões da moralidade autoritária travestidos de liderança política.

Infelizmente, isso pode ser movimento de longo prazo. Porque já se constituiu, em prática, a noção de que temas conservadores podem fazer parte da agenda eleitoral e, portanto, política. Com esse espaço, outras lideranças antidemocráticas fatalmente podem surgir. Hoje, a queda de Serra pode ser vista como a queda de um líder conservador. Mas, ainda é preciso derrubar a fração do conservadorismo ligada ao autoritarismo que forma parte da base de apoio peessedebista em São Paulo e que se nutre da hegemonia de uma imprensa tendenciosa.

Enquanto sobreviver numeroso o autoritarismo em frações da sociedade brasileira, surgirão lideranças interessadas em explorar o tema. Resta saber se podem contar com apoio, recursos e audiência para estimular novas rupturas a partir da defesa de posturas antidemocráticas como aconteceu em São Paulo do último outubro.”

FONTE: escrito por Luís Fernando Vitagliano, cientista político e professor. Transcrito no portal de Luis Nassif  (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/cai-o-lider-conservador-falta-acabar-com-o-conservadorismo).

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