Entrevista (em inglês) a Charlie Rose, da norte-americana “CBS
America” (vídeo), sob o título “Syrian President Bashar al Assad Charlie Rose (Full)
Interview”. Transcrição traduzida pelo pessoal da Vila Vudu e postada no “Redecastorphoto”
“Obama pode traçar
linhas para ele mesmo e seu país. Não para outros países. Nós temos nossas
linhas vermelhas, como nossa soberania e nossa independência. Mas se você quer
falar sobre linhas vermelhas para o mundo, os
EUA usaram urânio baixo-enriquecido no Iraque. Israel usou fósforo branco em
Gaza. Os EUA nada disseram. Linhas vermelhas? Não vemos linhas vermelhas que
nos digam respeito, além das que nós traçamos.
Charlie Rose: Senhor presidente, obrigado
pela oportunidade dessa entrevista, nestes momentos tão importantes. Porque o
presidente dos EUA falará ao povo americano esta semana. Como o senhor sabe,
está havendo importante debate em curso, em Washington. E também estão
acontecendo coisas importantes em seu país. O senhor espera um ataque aéreo?
Presidente al-Assad: Dado que os EUA não
se regem pela lei internacional e tripudiam sobre a Carta da ONU, temos de nos
preocupar com qualquer decisão. E não só do atual governo. Fazem qualquer
coisa. Conforme as mentiras que ouvi durante os dois últimos meses, de altos
funcionários dos EUA, sim, temos de esperar o pior.
Charlie Rose: O senhor está preparado para
isso?
Presidente
al-Assad: Vivemos em circunstâncias difíceis já há dois anos e
meio. E nos preparamos para todas as possibilidades. Mas isso não significa
que, só porque você deseja, as coisas possam melhorar. As coisas piorarão com
qualquer novo golpe ou alguma nova guerra estúpida.
Charlie Rose: O que o senhor quer dizer com
[بالأسوأ ]?
Presidente al-Assad: Pior, porque
ninguém pode prever as consequências de um primeiro ataque. Estamos falando de
vastas áreas, não só da Síria. Nossa região é inter-relacionada e
interdependente. Se você ataca num ponto, deve esperar consequências em outros
pontos, de outros modos e outros métodos que você menos esperava.
Charlie Rose: O senhor está dizendo que se
for atingido, haverá consequências contra os EUA ou amigos, de outros países,
como Irã, Hezbollah ou outros?
Presidente al-Assad: Como eu disse, as
consequências podem assumir diferentes formas. Direta ou indiretamente.
Diretamente, quando povos ou governos recorrem a represálias. E indiretamente,
quando a região torna-se instável e o terrorismo ganha terreno em toda essa
região. E isso afetará diretamente o Ocidente. Qualquer ataque [à Síria]
encontrará a resistência da “Frente da Vitória” [incompreensível]
Charlie Rose: O senhor discute com Rússia,
Irã ou o Hezbollah sobre como responder?
Presidente al-Assad: Não discuto essa
questão como governo. Mas temos discutido as consequências, que é o mais
importante. Porque as conseqüências, muitas vezes, podem ser mais devastadoras
que o próprio ataque. Nenhum ataque que venha dos EUA causará mais destruição
que a hecatombe provocada pelos terroristas. A consequências de um ataque pelos
EUA, sim, podem ser muitas vezes maior que o próprio ataque.
Charlie Rose: Alguns disseram que pode
fazer a luta pender a favor dos rebeldes e levar ao fim do seu governo.
Presidente al-Assad: É verdade que
qualquer ataque constitui apoio direto aos terroristas da “Frente da Vitória
Islâmica” e do “Emirado Islâmico” no Iraque e no Levante. Nisso, você tem toda
a razão. Será apoio direto aos terroristas.
Charlie Rose: Falemos sobre guerra química.
O senhor concorda com o uso de armas químicas? O senhor acha que é aceitável
usar armas químicas em guerra?
Presidente al-Assad: Somos contra todas
e quaisquer armas de destruição em massa, sejam armas químicas ou nucleares.
Charlie Rose: Se o senhor é contra o uso de
armas químicas...
Presidente al-Assad: Sou. E não é só
minha opinião pessoal: é também opinião de meu governo. Fizemos uma proposta à
ONU, em 2001, para livrar todo o Oriente Médio de armas de destruição em massa.
Todas elas. Os EUA se opuseram à Resolução, e não foi aprovada. Mas essa é
nossa convicção e nossa política.
Charlie Rose: Mas o senhor não assinou a
Convenção para proibição de armas químicas.
Presidente al-Assad: Ainda não.
Charlie Rose: Por quê?
Presidente al-Assad: Porque
Israel tem armas de destruição em massa e também não assinou. Israel ocupa
território sírio. Se estamos falando de Oriente Médio, não se trata só de Síria
ou Israel. Qualquer acordo ou convenção nesse sentido tem de ser ampla.
Charlie Rose: O senhor considera armas
químicas iguais a armas nucleares?
Presidente al-Assad: Não sei. Nunca
usei nem uma, nem outra.
Charlie Rose: Sim, mas... Como chefe de
Estado, o senhor entende a consequência do uso de armas que não discriminam...
Presidente al-Assad: Há
diferenças técnicas. Moralmente, são equivalentes.
Charlie Rose: Moralmente...
Presidente al-Assad: Nelas mesmas, não são
moralmente diferentes. Assassinato é assassinato. Massacres são massacres.
Muita gente mata milhares ou centenas de milhares com armas muito primitivas.
Charlie Rose: Nesse caso, por que manter
arsenais de armas químicas?
Presidente al-Assad: Esses são assuntos
que não discuto na imprensa. É perda de tempo. Nós jamais dissemos que temos
armas químicas. Sempre dissemos que não temos. A Síria não tem armas químicas.
Mas esse não é assunto que se possa discutir pela imprensa.
Charlie Rose: O ‘New York Times’ publicou hoje cedo “Líderes sírios têm
um dos maiores estoques de armas químicas do mundo, com a ajuda de União Soviética
e Irã e fornecedores da Europa Oriental e até de algumas empresas
norte-americanas”. Se, de acordo com telegramas diplomáticos dos EUA e
registros de inteligência, o segredo já está revelado...
Presidente al-Assad: Que haja ou não
haja esses estoques é uma coisa. Outra coisa muito diferente é confiar no que a
imprensa norte-americana publica, que é nonsense. Também é tolice
acreditar em certos relatos de inteligência. Todos sabemos bem disso. E ficou
bem provado quando os EUA invadiram o Iraque há dez anos, porque os jornais e o
governo dos EUA diziam que o Iraque tinha estoques de armas de destruição em
massa. E depois da invasão é que “descobriram” que não havia coisa alguma. Há
muitos casos. Absolutamente não se pode acreditar no que dizem os jornais. Mas,
seja lá como for, como eu já disse que não discuto essas questões.
Charlie Rose: Mas o senhor sabe que o mundo
acredita que o senhor tenha estoques de armas químicas?
Presidente al-Assad: Claro
que sei.
Charlie Rose: O mundo diz. Os EUA e outras
potências dizem que o senhor tem armas químicas.
Presidente al-Assad: Mas pouco interessa
o que pensem ou digam. Temos de ver a realidade aqui. E a realidade aqui é bem
conhecida por nós e não temos de discuti-la.
Charlie Rose: Falando de realidade, qual é
a realidade do que aconteceu dia 21/8? Do seu ponto de vista, o que aconteceu?
Presidente al-Assad: Nós não existimos
na área onde se diz que teria havido ataque de armas químicas. Nós ainda nem
sabemos se algo aconteceu ali, nem o quê, exatamente, aconteceu, se aconteceu.
Não temos os recursos dos EUA. Não somos governo que controla as comunicações
sociais e sabe de tudo, sobre todos. Estamos diante de um fato de governo,
avaliado por provas. E ainda não há provas.
Charlie Rose: O senhor ainda não tem
certeza de que foram usadas armas químicas, mesmo depois de ver aqueles vídeos,
apesar de ter visto aqueles cadáveres... Apesar dos depoimentos...
Presidente al-Assad: Nenhuma
prova conclusiva. Nossos soldados na área foram expostos a algum gás. Foram
hospitalizados com sintomas de ataque por arma química. Mas na área em que se
diz que o governo teria usado armas químicas, nós não estamos ativos. Não
estamos ali. Nem tropas, nem polícia, nada. É impossível saber o que realmente
aconteceu, se ainda não temos provas de coisa alguma. Não temos os recursos dos
EUA. Temos de seguir nossas rotinas de investigação. E ainda não encontramos
prova alguma de coisa alguma.
Charlie Rose: Bem... Como o senhor sabe, o
secretário de Estado Kerry disse que há provas de que viram mísseis disparados
da área controlada pelos seus soldados, na direção da área controlada pelos
rebeldes. Há provas, imagens de satélite e inteligência recolhida de mensagem
interceptada sobre armas químicas, antes de outras mensagens também
interceptadas... Por isso o ministro Kerry apresentou o que, para ele, são
provas conclusivas.
Presidente al-Assad: Não.
Ele disse o que supõe que tenha acontecido, falou de suas convicções pessoais,
mas não apresentou prova alguma. Os russos têm informação completamente
diferente dessa, e muito mais bem documentada, que mostram que os foguetes
foram disparados pelos rebeldes. Ouço o que diz o secretário Kerry e recordo a
imensa mentira que outro secretário de Estado, Colin Powell, disse ali, à frente
de todo o mundo e das televisões por satélite, sobre armas de destruição em
massa no Iraque antes da invasão norte-americana. “Aqui está nosso mapa”, disse
ele. E eram provas forjadas, falsas, como depois se soube. Mas agora Kerry não
mostrou nada, nenhuma prova. Só disse “Temos provas”, mas nada mostrou, nem um
iota de prova.
Charlie Rose: O senhor não fica perturbado
ao ver aqueles cadáveres? Dizem que 1.000, 1.400 pessoas morreram em Gouta...
Presidente al-Assad: Nós
sentimos a dor da morte de cada vítima síria.
Charlie Rose: Mas as vítimas desse ataque
com armas químicas...
Presidente al-Assad: Morte
é morte. Assassinato é Assassinato. Crime é crime. A morte de todos os mortos
na Síria é uma questão moral. O terrível é que tenham morrido. As mortes não
seriam ‘mais terríveis’ por causa da arma que mata. É uma questão moral.
Charlie Rose: Mas o senhor não sente
tristeza, luto, por causa do que aconteceu?
Presidente al-Assad: Tristeza
e luto são os sentimentos que hoje tomam conta de toda a Síria. Só sentimos
tristeza e luto. Mas nossa tristeza e nosso luto não aumentam por nossos mortos
terem sido mortos por arma química ou outro tipo de arma. Nossa tristeza e nossa
luta é a mesma, sempre, pelo fato de haver tantos mortos.
Charlie Rose: Mas mortos sem qualquer
discriminação... Criancinhas... Pais que acordaram para ver os filhos de manhã
e já não os encontrarão... Em Gouta.
Presidente al-Assad: É
o que está acontecendo todos os dias na Síria, por causa da ação dos
terroristas. Por isso, temos de pôr fim às mortes. Não sei de que discriminação
você falando.
Charlie Rose: É o fato de que armas
químicas não discriminam, entre inocentes e combatentes.
Presidente al-Assad: Sim,
mas os mortos também não discriminam. E, sobre provas, ninguém fala. Na Síria,
falamos de fatos. E não sabemos com certeza sequer se alguém usou armas
químicas. Não falamos sobre hipóteses. Temos de conhecer os fatos.
Charlie Rose: Dizem também que seu governo
atrasou a entrada dos observadores da ONU em Gota.
Presidente al-Assad: Aconteceu
exatamente o contrário disso. O governo do seu país é que demorou a aceitar a
ida dos investigadores. Nós chamamos a delegação de investigadores da ONU em
março de 2013, quando aconteceu o primeiro incidente em que suspeitamos que
tivessem sido usadas armas químicas, em Aleppo, no norte da Síria. E o governo
dos EUA retardou a ida deles, até Gouta, quando, em poucos dias, enviaram os
investigadores da ONU. Você pode ler o próprio relatório dos investigadores.
Eles puderam fazer tudo que quiseram fazer em Gouta, sem qualquer impedimento.
Charlie Rose: Mas dizem que foram impedidos
de ir. Que queriam ter ido antes.
Presidente al-Assad: Nada
disso. O único problema é que havia combates ali. Nós não os impedimos de ir a
lugar algum. Nós os convocamos. Mas... ainda que eu quisesse engolir as
mentiras dos norte-americanos, não fazem sentido. Começaram a nos acusar de ter
usado armas químicas no dia em que os investigadores da ONU chegaram à Síria.
Que sentido faz isso? Não é lógico. Ainda que tivessem certeza de que nós
usáramos alguma arma ilegal, e não podiam ter, seria preciso esperar alguns
dias por alguma investigação! Não faz sentido. Toda essa história é incoerente.
Charlie Rose: Se seu governo não fez,
apesar das provas...
Presidente al-Assad: Tínhamos
de entrar lá para recolher provas. Foi o que aconteceu em Aleppo, quando
entramos e recolhemos provas. Como os EUA não mandaram a equipe da ONU, nós
mandamos as provas que recolhemos para os russos.
Charlie Rose: Mas o senhor não quer
responder. Se o senhor não aceita as provas já apresentadas... Sobre quem
fez....
Presidente al-Assad: A
questão que nos preocupa é o uso de armas químicas, naquele mesmo dia, contra
nossos soldados. É a mesma questão. Não é admissível que nossos soldados se
tivessem atingido, eles mesmos, com armas químicas. Soldados não se autoatacam.
E daí por diante. Esse é o problema real. Ou grupos de oposição, ou os grupos
terroristas, ou algum terceiro agente... Ainda não sabemos. Mas temos de entrar
lá e recolher provas. Só então se saberá o que aconteceu. Se os EUA insistem em
acusar a Síria, têm o dever de exibir suas provas.
Charlie Rose: O argumento é que os rebeldes
não têm meios, mísseis, para usar gases químicos. E que, portanto, não poderiam
ser os autores do ataque.
Presidente al-Assad: É
claro que têm mísseis. Todos sabem. Usaram contra Damasco meses atrás.
Charlie Rose: Mísseis para transportar
armas químicas.
Presidente al-Assad: Eles
têm mísseis de todos os tipos. Isso, em primeiro lugar. Em segundo lugar, o gás
sarin, do qual tanto se fala, é um gás muito simples, pode ser produzido no
quintal de qualquer casa. É muito primitivo, muito simples.
Charlie Rose: Mas aqueles mortos não eram
primitivos... Foram mortos por horríveis armas químicas.
Presidente al-Assad: Em
terceiro lugar: eles já haviam usado esse gás, ou outro semelhante, em Aleppo,
norte da Síria. Há um vídeo no YouTube, no qual os terroristas testam o gás
num coelho e dizem “Assim matamos o povo sírio”. Há outro vídeo, mais recente,
de uma mulher que luta com os terroristas, ou que eles consideram, e que
trabalha com eles e diz “Não conto a ninguém como usar armas químicas”. Fala da
explosão num dos túneis, que matou 12 pessoas. Temos esse tipo de evidência
circunstancial. Mas... o ônus da prova cabe a quem acusa. Os EUA acusaram a
Síria. Cabe aos EUA exibir as provas. Quanto a nós, temos de encontrar as
provas, quando estivermos lá.
Charlie Rose: De que provas o senhor ainda
precisa?
Presidente al-Assad: Provas
válidas. O míssil usado. Indícios do gás que tenha sido usado. Amostras de
solo. Amostras de sangue das vítimas.
Charlie Rose: Mas dizem que suas forças
bombardearam Gota imediatamente depois dos ataques químicos, para encobrir as
provas.
Presidente al-Assad: Mas
e como algum bombardeio encobriria o tipo de prova válida nesses casos?
Tecnicamente nada disso é como dizem. Mas, francamente, é estúpido demais.
Francamente, excesso de estupidez.”
[continua em próxima postagem]
FONTE: entrevista
(em ingês) a Charlie Rose, da “CBS America” (dos EUA) (vídeo), sob o título “Syrian President Bashar al Assad Charlie Rose (Full)
Interview”. Transcrição traduzida pelo pessoal da Vila Vudu e postada Castor Filho no blog “Redecastorphoto”
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